ESPOSENDE E O SEU CONCELHO


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domingo, 3 de agosto de 2014

CANTINHO DOS LOBOS DO MAR por Carlos Barros

    
Um pescador improvisado…

 A motora Torrão, cuja proprietária era a Berta Bichesa, estava  em mau estado de conservação e as tábuas do convés estavam um pouco esburacadas, “dançavam” e “chiavam” debaixo das galochas dos  tripulantes e o cheiro do gasóleo perfumava todo o porão e convés.
 Por esta motora, passaram inúmeros pescadores: “Ilhoca”, João Mona-emigrante brasileiro-, Manel Sapateiro-Rosário-, Rogério, Delfino Fifas, Luisinho, Alfredo Muchacho, Pedro, Zé dos Passos…
 O Luisinho era o mestre desta embarcação e com a sua experiência, lá ia fintando a fúria das  ondas do mar, na companhia do assustado Zé Pereira dos Passos-, mais conhecido na gíria dos pescadores por “Zé Tolo”.
  A noite saudava a tripulação, com o seu “manto de estrelas” e a lua iluminava a esperança destes  combativos e corajosos pescadores de Esposende.
  Era o momento de largar as redes e algumas “rascas” e todos trabalhavam afincadamente apenas, o Zé passava o tempo a “contar as estrelas”…
  Já em pleno mar, não muito longe da costa, o Pedro gritava:
   Tantos badejos, estão a monte irmãos!...
   O Alfredo Muchacho olhou para o mar e os badejos serpenteavam à superfície e estavam na “babuja”… Pedro pega na linha e vê se pescas algum, desafiou o tio Alfredo.
  Já com as mãos “traçadas” pela linha de tanto alar, o Pedro, durante uma hora, nada apanhou perante o desespero do Luisinho e do João Mona que queriam levar uns badejos para casa.
   O Tio Alfredo, nervoso, “arregaçou” a boina para trás, pegou na “cana do leme”  e com uma linha, anzol e isco, pôs na mão do Zé e disse-lhe para pescar, empurrando o Pedro que estava a embaraçar…
  Tio Alfredo, eu não sei pescar, se fosse tirar água da motora e encher umas gigas de fanecas, agora pescar, lamentava o Zé perante o ar ameaçador do tio Alfredo!
    Pesca e caluda, ameaçou o Tio Alfredo com cara de poucos amigos.
   O Ilhoca fumava o seu cigarrinho encostado à casa do leme, junto a uma bóia, encimada com uma  bandeirola amarela.
    O Pedro encostado à casa do leme mostrava-se envergonhado com o seu insucesso na pesca ao badejo…
     O Zé  começou a pescar, olhando sempre para o Tio Alfredo que estava com o galheiro na mão e o peixe começou a mordiscar o anzol e, passada uma hora, sob os olhares do Luisinho e da restante tripulação, o Zé tinha pescado doze valentes badejos e um deles de quase dois quilos de peso.
    Boa Zé, és o maior confortava-o o tio Delfino Fifas, todo encasacado, defendendo-se da brisa fria que se fazia sentir.
    O Tio Alfredo abraçou o Zé, todo radiante pela façanha do seu amigo, e olhou de canto para o Pedro  e disse-lhe:
     - Não tens vergonha! Não sei que andas aqui a fazer na motora, eu deveria era despachar-te, pôr-te a “penates” !
    O Zé rejubilava de contente, mostrando os inúmeros badejos que tinha pescado, reluzentes e escorregadios que iam deslizando na motora ao “sabor” do baloiçar da ondulação do mar.  Apanhou três cavalas que deram muita luta ao serem aladas e o Rogério Chana, ainda jovem, teve de dar uma ajudazita ao amigo Zé.
    O tio Alfredo, já no regresso à barra, deu um aperto de mão ao Zé e prometeu-lhe uma malguinha -vinho com gasosa- na tasca do Coutinho embora o Zé não fosse homem de beber.
     Já com a motora  junto ao cais, tripulada pelo Luisinho, o tio Alfredo, olhou para o Pedro e  desabafou:-
   - Não prestas para nada e se o Zé fosse tolo, como injustamente, lhe chamam, não pescava tantos badejos e só numa hora!...
   O Pedro envergonhado, ia olhando para a Capelinha de  S. Lourenço, para afagar a  tristeza que o invadia…Com tanto azar, ainda escorregou numa das cavalas e caiu desamparado, batendo com a cabeça no alador.
   O Torrão de regresso ao cais, atracou finalmente pela tardinha e toda a tripulação se dirigiu para as suas casas porque o mar esperava-os no dia seguinte e era preciso descansar e   “acumular “ energias para novas pescarias.

terça-feira, 22 de julho de 2014

CANTINHO DOS LOBOS DO MAR por CARLOS BARROS

CANTINHO DOS LOBOS DO MAR por CARLOS BARROS
(REPUBLICAÇÃO)

“Uma travessa voadora”….

   No ano de mil novecentos e sessenta e quatro, o cais de Esposende, acolhia muitas motoras que andavam, em pleno mar, na sua faina piscatória com as suas tripulações sempre ativas e divertidas. O trabalho no mar era sempre acompanhado com brincadeiras, despiques, apostas e diversões, entre a tripulação, tendo como palco, o escorregadio  convés, sempre “oleado” de  “langanhos “ de raias e de congros, bem “taludos”...


quarta-feira, 9 de julho de 2014

CANTINHO DOS LOBOS DO MAR por Carlos Barros

O “congrão”…

A manhã esbracejava-se e o som da “babuja” do mar ecoava na imensidão da ribeira, despertando alguns tordos e “charréus” que dormitavam no seio das silvas e junto às raízes dos juncos, perfumados com translúcidas gotículas de orvalho. O manto que cobria a ribeira encolhia-se de frio perante a aragem gélida que circulava, em ritmo lento, sobre a sua superfície.
Estávamos em mil novecentos e oitenta e seis, um ano em que o mar andava bravo e os pescadores ficavam em terra, passando o tempo nas tascas, em franco convívio, sempre com as malguinhas e tigelas ao lado deles….
O relógio da Igreja Matriz marcava cinco horas matinais e logo as sonoras pancadas dos sinos, acordaram os pescadores do sul, que rapidamente se equiparam, com agasalhos quentes, em direcção à rampa do cais, para mais uma jornada piscatória.
Com o Dimas a dormir, o João Paquete, pescador arguto, inteligente e bem falante, chamou à pressa o sobrinho Tone, para preparar as “artes” para mais uma pescaria no mar. Com os baús nas mãos, preparados pela Laura Paquete, lá foram estes ousados pescadores para a catraia que estava ancorada no cais que baloiçava impulsionada pela pequena ondulação que se fazia sentir.
A embarcação partiu do cais, a remos, em direcção à barra, a velocidade de cruzeiro já que as remadelas eram lentas embora ritmadas pelos musculosos braços e calejadas mãos destes pescadores. Chegada à barra, a catraia entrou no mar, perante ondas sempre agressivas e perigosas e percorrida meia–milha marítima, foram lançadas as linhas das fanecas para as entranhas do mar cuja superfície se mostrava de um azul celeste reluzente e acolhedor .
De regresso a terra, o Tone Paquete, já com as linhas lançadas, gritou para o tio:
Tio, que grande tronco de árvore vai ali sair da barra!
Cala-te Tone, aquilo é um congro “taludo” e estamos ricos sobrinho!...
O Tone pega no bicheiro, que estava na proa e lança-o sobre o congro que nadava num serpentear lento, sem a vivacidade habitual…
O congro sentiu-se cravado e num, safanão forte, livrou-se dos anzóis perante o desespero dos Paquetes.

sábado, 26 de abril de 2014

CANTINHO DOS LOBOS DO MAR por Carlos Barros

CANTINHO DOS LOBOS DO MAR por Carlos Barros

Bajão,  o afogado!...
  O antigo salão dos Bombeiros de Esposende, era um espaço de lazer e de convívio de muitos esposendenses que desfrutavam desse local privilegiado para ver televisão, jogar damas, xadrez, “snooker”, bilhar livre, cartas-sueca-“loba”,” King”-, dominó, sendo o senhor António da Assembleia o responsável, espécie de um “mordomo”, sempre atento, com o seu  olhar “atemorizador” e de respeito. Eram poucos, os que  ousavam entrar, no salão sem ser sócio porque o senhor António punha-os logo em “marcha rápida” pela longa escadaria de madeira,  de acesso ao salão, com a respectiva parede repleta de quadros dos pescadores de Esposende mais antigos: Piloto da Frita, Zé Grande,  Laurisá, …
  Pela tardinha, o Carlinhos da Jandira estava a jogar damas com o João Carlos Silva, numa partida bem disputada já com o Carlinhos cheio de damas e o seu opositor a coçar a cabeça, com o jogo perdido.  Junto à janela da varanda, o senhor Praia disputava o seu histórico duelo de damas com o senhor Carvalho, relojoeiro da Rua Direita, com o senhor Mário Belo e o Edgar a assistirem ao espetáculo “damístico”. Mais ao lado, jogava-se bilhar livre entre o Albaninho “Penico” e o Albininho de Gandra, com o Tonho e o Tozé Reis à espera  que o jogo acabasse para  jogarem a sua bilharada.
  O “snooker” estava sem clientes  a sua ocupação era mais aos sábados e domingos à tarde e em pleno jogo, os jogadores estavam sempre à espreita no “contador” porque as moedas eram escassas e os trocos contavam-se….
 Nesse momento, o ambiente dos bombeiros foi alterado e agitado, com o toque da sirene, sinal de afogamento e o João Carlos, bombeiro voluntário sempre ativo, saltou da cadeira, como um ágil lince, levantou a mesa onde estava o tabuleiro das damas, com as pedras a rolarem pelo chão em diversas direcções, e foi para o local do afogamento, perante o olhar estupefacto e desesperado do senhor António da Assembleia… O Carlinhos, limitou-se a apanhar as pedras espalhadas pelo chão, uma vez que o senhor António já estava prestes a lançar o ralhete da ordem...
  A ambulância Chevrolet NM-12-89, -relíquia nacional- saiu a “grande velocidade” para socorrer uma vítima que estava prestes a afogar-se:
  O Chico Bajão, com os seus trinta e quatro anos, foi nadar para o Rio Cávado, junto ao matadouro onde havia alguns poços traiçoeiros e, como nadava muito pouco, foi arrastado pela corrente e começou a deslizar  pelos fundos arenosos do leito do rio.
  O João Carlos saltou para um barco à procura do Chico e lançou-se à água e conseguiu, após porfiados esforços, amarrar a vítima, puxando-o para dentro do barco, já muito desfalecido e inconsciente, pois tinha permanecido dentro da água, pelo menos, durante dez longos minutos.
  O Chico foi colocado numa maca e transportado para o Hospital Valentim Ribeiro e, posteriormente, para  o Hospital de Barcelos, onde esteve um mês em ”coma”, sendo o diagnóstico dos médicos muito reservado.
  O amigo Chico conseguiu, milagrosamente,  recuperar  e actualmente faz uma vida normal, deslocando-se na sua motorizada, pelo concelho de Esposende, sempre à procura de novas aventuras. Nas garraiadas em Vila Chã, Santarém e Ribatejo, o Chico esteve presente em muitas delas, assumindo atos de coragem perante as investidas dos touros e tem ganho muitas apostas nessas garraiadas, apesar de já ter partido várias  “costelas”…
 Numa garraiada em Vila Chã, em plena festa de S. Lourenço, o Chico, incentivado pelo Adelinho Vilas Boas, foi enfrentar um touro, não muito corpulento, respondendo a uma aposta da Comissão de Festas e ganhou cinco contos  mas as mazelas ficaram: sete costelas partidas e uma “hospedagem” no hospital…
  O Chico, homem humilde e brincalhão, aparece muitas vezes na lota de Esposende, sendo pessoa muita grata já que nunca mais se esqueceu do Dr. João Carlos que lhe salvou a vida, junto ao matadouro e os galos que gentilmente lhe ofereceu, como gratidão, jamais pagará a vida, que lhe foi salva pelo corajoso João Carlos, cardiologista esposendense  de renome, que os esposendenses muito se orgulham.

  O Chico Bajão nunca mais deu um mergulho no rio, apenas nada nas piscinas, mas com a água pelo peito…..

sábado, 5 de abril de 2014

CANTINHO DOS LOBOS DO MAR por Carlos Barros

CANTINHO DOS LOBOS DO MAR por Carlos Barros

“A falsa goleada….”

 Em plena ribeira, num sábado solarengo, o Pezinho e o Geno depois de tirarem o pilado das redes no paredão, transportaram-no em gigas, para frente do Salva-vidas, para a secagem porque já estava vendido a uns lavradores de Palmeira do Faro, e com a tarefa finalizada, combinaram ir a Vila Chã, para assistirem ao Vila Chã-Esposende  para o Torneio Popular inter-freguesias.
  O Marrucho, velho amigo, com as suas sobrancelhas peludas e umas suíças a chegarem aos cantos da boca, tinha convidado estes velhos amigos para o referido jogo e prometeu-lhes umas malguinhas no bar, caso o Vila Chã ganhasse. E o Marrucho ainda foi mais longe: prometeu aos manos “Vilas Boas” uma malga por cada golo que o Vila Chã marcasse ao Esposende! 
 Os dois irmãos lá foram a pé até ao alto de Vila Chã, em direção ao campo do futebol para apoiarem o Esposende-E.S.C.  que, nessa altura estava, a participar no referido torneio popular, no qual  participavam várias freguesias do concelho: Apúlia, Góios, Marinhas, S. P. Antas, Palmeira de Faro…
  Por Esposende reinava a calmaria e a ribeira estava deserta, sem crianças, porque o domingo era para passear, ir à missa e à catequese e os sapatinhos novos, quem os tinha, não  eram para jogar à bola, para não se estragarem.

quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

CANTINHO DOS LOBOS DO MAR - Uma “gaivota “ quase fisgada…

CANTINHO DOS LOBOS DO MAR

Uma “gaivota “ quase  fisgada…

Carlos Barros


   O relógio  da torre da Igreja matriz marcava a partida das motoras para o mar: três horas da manhã.
   Na travessa dos pescadores, está o acostumado alvoroço nas casas,  com os preparativos para a faina da pesca, mulheres arranjando a “marmita”- Baú- do almoço, com a garrafinha da vinhaça dentro de uma saca de pano xadrez, feita pela costureira Jandirinha, na sua novinha máquina de costura Oliva, de cor esverdeada, anunciando esperança para uma boa pescaria.
   O Saganito já vai à frente em direção ao cais, onde a motora o espera, com a restante tripulação já a calcar a relva da ribeira e a “enxotar” a orvalhada que se colava nas ervas e juncos.

 Mais atrasado o Luisinho - Luis André Eiras- com as suas galochas esverdeadas e o seu casacão de xadrez, acelerava o passo na direção à motora Torrão da Berta Bichesa. O Zé Pereira dos Passos, mais conhecido por  “Zé Tolo” já se encontrava dentro da motora esfregando os olhos  “arremelados”, expulsando o sono que teimava atormentá-lo.
  O Luisinho, que abandonou a escola aos oito anos, era um pescador experimentado, tendo sido tripulante de várias motoras e catraias -Santa Maria dos Anjos, catraia Senhora da Saúde, Rainha dos Anjos, Claúdia Cristina, Senhora do Triunfo, 1º de Abril, Chiquinha e da motora  Marco Filipe do senhor José Nibra. Começou a andar ao mar aos onze anos, ainda uma criança, em que as exigências da vida,  lhe tirou o direito de brincar, como a muitos outros rapazinhos.
   O mestre Luisinho, completou cinquenta e cinco anos de árduo trabalho no mar, sempre com a barra a ameaçar tragédia…
   O Luisinho pescador arguto e corajoso, na motora  Torrão, ia sempre na casa do leme e era homem de confiança de toda a tripulação. Já tinha vivido uma situação trágica, num naufrágio com uma catraia- O Temerário-, à entrada da barra, embarcação do Sebastião, pai do senhor Belemino Ribeiro. Nesse triste dia, o Lázaro, o Bocage, foi engolido pelas mortíferas ondas do mar,  morrendo afogado. Nesse mesmo dia, em terra, o Café Copacabana, de um vilaverdende, foi devorado pelas chamas, apesar da pronta e corajosa  atuação dos Bombeiros Voluntários de Esposende, comandados pelo João Conde Evangelista. Uma triste e lamentável coincidência em que a tragédia e a tristeza estiveram de braços dados…

  O Torrão partiu do paredão em direção ao mar, com a tripulação ocupada nos  derradeiros  arranjos das redes e linhas de pesca, com o Zé dos Passos já arrebitado, tirando alguma água da motora,  com o “vertedouro”. Chegados ao destino,  toda a tripulação largou as redes, com o Luisinho  direcionando a proa da motora para leste onde a “sonda rudimentar” indicava uns cardumes de peixes.
  No regresso, depois de umas horas de trabalho a largar as redes o Candinho, mais conhecido no seio da classe piscatória  por “gaivota” andou sempre a “pegar” com o Zé,  fustigando-o com ameaças, arreliando-o durante a viagem.
  O Luisinho, homem pacato e de “bons modos”  tinha avisado o Candinho para “acabar com aquilo”,  avisando-o para deixar o “homem em paz”. O Candinho, sempre irreverente continuou a  arreliar o “peguinha, voa a voa”, perante o desespero do Luisinho e este, não está com “meias medidas”, pega no bicheiro para fisgar o Candinho mas, este num gesto rápido e intuitivo, desviou-se e o fisgado foi o Zé no ombro direito.
  Ai que eu morro, gritava o Zé aflito com os anzóis cravados na  “grossa roupa” que o protegia!...

   O Luisinho  deixou o galheiro e tirou os anzóis, enforcados no casacão do Zé que, por felicidade, não tinha sido atingido no ombro contudo, continuava a gritar dizendo que estava  “aleijado” e que queria ir “p´ró hospital!…
   O Candinho, colocou-se na proa do Torrão e nunca mais “abriu o bico” até chegar ao cais, com receio que o Luisinho mandasse outra “bicheirada “, esta  mais acertada…
  O falecido Ilhoca, na poupa, observando as gaivotas que seguiam a motora, ria-se “a perder” perante o desesperado  Zé que só olhava para o ombro “gravemente” atingido…
  “Ai que eu morro, minha mãezinha acuda-me”, continuava o Zé a gritar, mirando o ombro.
   O Zé continuou com a gritaria, protestando contra o Luisinho e só se calou quando no cais, o Ilhoca lhe tirou a roupa e viu que o ombro estava “sãozinho” como uma cereja…
   Entretanto, a motora Torrão foi ancorada e presa pelos cabos no cais e o Zé, com o baú na mão, lá se dirigiu para a rua de S. João onde o esperava a sua mãe, a tia Adelaide já com o “caldo” na mesa e umas fanecas fritas a acompanhar uns parcos grãos de arroz carolino, comprado na mercearia do Abílio Coutinho.

   A noite invadiu o bairro de S. João e todos os pescadores recolheram às suas camas, acomodados aos “colchões de palha”, de vez em quando, acordados pelo despertar de algumas pulgas que se preparavam para “almoçar”,  atacando e pele áspera e dura, dos nossos “heróis” pescadores que raramente acordavam, tal era o cansaço de tanto trabalhar  contra as intempestivas águas do mar.

segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

CANTINHO DOS LOBOS DO MAR - “Por rios, nunca dantes navegados…”

CANTINHO DOS LOBOS DO MAR - “Por rios, nunca dantes navegados…”

Por Carlos Barros

   Estávamos  em plena época natalícia e era tempo das férias de Natal, momento para as grandes aventuras, com a mente destas crianças da ribeira, viradas para o Pai Natal,  presépio e para as saborosas mas, modestas , prendas no sapatinho.
  Nos anos sessenta e setenta, a “rapaziada”  da  vila de Esposende,  tinha os seus territórios definidos e eram  acérrimos defensores dos mesmos: o Norte e o Sul.  A Central, a Lagoa e o Jardim,  eram “domínios” com pouca presença “militar” e em  momentos “quentes”,  distribuíam-se  pelo Norte ou pelo Sul.
    No território sulista,  imperava o secretismo porque os “altos comandos”, “O Speedy”, Fernando “O Poupinha”, Chico Viana, Chico “Manata”, Mário Trabuqueta e o Gonçalo estavam em reunião, num barraco- Escola Naútica de Esposende- pertencente ao Quim serralheiro.  O “itinerante” e respeitado Quim Tripas, com a sua armadura em cartão duro e uma espada em madeira, de cor prateada, mantinham a segurança ao acampamento. As hostes sulistas receavam  incursões dos nortistas mais belicistas, já que o “renegado” nortista Fernando Quintino, habitante da “fortaleza de S. Vicente de Paulo”,  tinha sido visto a vigiar o acampamento, pelas “bandas” da casa do Fernandinho e da “Minórica”.
   Com “mapas  marítimos”-portulanos, feitos com papel grosso de embrulhar o bacalhau, e rascunhos, elaborados magistralmente pelo cerebral “Speedy”, traçavam-se planos de atuação para a grande
“Expansão Marítima” ao rio Cávado, tentando descobrir-se novas ilhas (torrões no meio do rio) e expulsar as gaivotas e maçaricos que tanto incómodo causavam  a estes ousados exploradores e navegadores.
   Era necessário uma  “Nau” e o  Chico  Viana, levantou a voz dizendo que tinha uma em casa, o que criou “suspense” em todos os navegadores presentes. Em grande correria, o Chico foi a casa, aproveitando a ausência da mãe, que tinha ido à ribeira estender roupa para corar, e na sua sala estava um grande baú que guardava a roupa da família.
Sem hesitar, o Chico  arrancou, com um martelo enferrujado, as dobradiças do tampo do malão, os pregos voaram contra o estuque da parede,  e  a improvisada “Nau” foi trazida às costas, para junto dos seus amigos que estavam ansiosamente à espera da prometida embarcação, a “Nau Chiconeta”-Catrineta-.
   Quando os “navegadores guerreiros” viram a  barcaça,  foi o delírio !
  Quem vai ser o Capitão do Barco, questionou o Mário Trabuqueta, também conhecido por “Faísca”?
   O   Gonçalo , gritou :
- Tem de ser o Quim Tripas que é o mais velho e corajoso e nada como um peixe !
   Meus amigos, é preciso muita corda para prendermos a “Nau”, apelou o  “Speedy” aos seus subordinados,  que estavam a comer umas uvas “surripiadas “ do campo do Emilinho, na noite anterior.
   Passada meia hora, a rapaziada tinha trazido vários metros de corda necessária para o empreendimento marítimo.

sexta-feira, 11 de outubro de 2013

CANTINHO DOS LOBOS DO MAR - Caranguejos à “Luz do dia”…

Republicação
Caranguejos à “Luz do dia”…
por Carlos Barros


    O rio Cávado, embora sonolento, despertava e, com  as suas águas límpidas e espelhadas, corria vagarosamente para montante, beijando os juncais, o limo que serpenteava no leito do rio e a bodelha, airosamente dançava, agarrada à penedia que a acorrentava.
   As gaivotas argentíferas espalhavam-se nos areais, atentas ao que se passava à superfície do rio, arregalando os olhos  quando uns peixinhos, ainda alevins, vinham à superfície, provocando pequenas ondulações que se perdiam contra os baixios das “croas”.
    A motora do João Libânio,  “Flor de Esposende” ficou atracada , nesse sábado e a sua tripulação ficou em terra para “arranjar” as redes  contudo,  nesse tempo de penúria social e económica, urgia encontrar meios de subsistência e o Dimas e o João, ainda jovens, eram pescadores muito trabalhadores e não desperdiçavam oportunidades para  pescar no rio ou mar, quando este deixava…

sábado, 14 de setembro de 2013

CANTINHO DOS LOBOS DO MAR - CARLOS BARROS: Uma caçada atribulada.

Republicação 
Uma caçada atribulada.

 Por CARLOS BARROS



   Decorria o ano de mil novecentos e sessenta e três, pela tardinha, junto à igreja Matriz, e a garotada estava já nas suas  aventuras  com o Tonho, Melro e Hilário, este sempre medricas, em plena rua, a imaginarem estratégias para a malandrice.
   Nesse dia, o Tonho não tinha ido às solhas com a equipa dos costume, Carlos da Arranca, Miguéis e o pai, senhor João Calhandra, tudo em família e resolveu  “virar-se para a Natureza”, nas suas habituais aventuras.
   Junto à casa do Tonho existiam duas grandes e frondosas árvores e as flauzinhas, aves simpáticas e irrequietas, dançavam de ramo em ramo, preparando a dormida, uma vez que a noite estava prestes a chegar.
   O Tonho e o Melro, como sempre hábeis caçadores de pardais, pegaram nas suas “afungas” e começaram a atirar às flauzinhas, com aqueles godos redondinhos apanhados na praia ou junto aos materiais de construção.
   Tanto azar que estes rebeldes foram surpreendidos por um GNR que estava  no patrulhamento à caça  “das crianças”…  O agente, de “plainites “sebosos,  pediu a fisga ao Tonho, que estava prestes a entregá-la à autoridade, quando, de repente, o Melrinho,  gritou para não lha dar. O Tonho não teve com meias medidas e começou a fugir pela estrada fora, com o Melrinho num longo “sprint” ficando o GNR todo furioso pela inesperada fuga destas duas crianças sempre irrequietas e aventureiras.
  No dia seguinte, foram chamadas ao posto e quando entraram neste tenebroso e repressivo lugar, o guarda republicano pegou num cinturão para castigar estes infratores. Com um ar ameaçador, o GNR olhou furioso para estas duas “trutas” e mandou cada um deles dar uma chapada um ao outro e, com muito custo, estes dois garotos lá deram a bofetada da praxe. O  Melro, de mão pesada, deu um bofetão mais forte,  ao Tonho e este  ameaçou-o:
  -Lá fora “vais comer” forte e feio…
   Quando iam sair do Posto da GNR, o Cabo perguntou ao praça porque razão aqueles malandros não estavam presos?
  -O agente  respondeu que eles já tinham “levado no lombo…”
  Já na rua, o Hilário juntou-se a estes seus amigos e com a fisga ao pescoço lá foram eles para novas caçadas às flauzinhas, melros e charréus para os campos do Quim da Obra e por entre os silvados, com o Mouquinho a juntar-se  à `”quadrilha” porque tinham de ter caça para o jantar e a fritadeira estava à espera dos pássaros.-
   O “graem, graem…” caça aos melros…, gritava o Mouquinho!
    No regresso o Tonho viu umas “luras” de abelhas e começou a “chuscar” e de repente, o enxame atacou-o furiosamente e o Albano “Penico” que se encontrava escondido, atrás de uma figueira, foi picado várias vezes.
   Os nossos amigos, meteram-se entre os milheirais dos campos do Zão e puseram-se a salvo, depois de tropeçarem  numa grande abóbora.
    Quando todos chegaram a casa pela  noitinha, o “triunvirato” entrou, cada um nas suas casas, com as mãos na cabeça, premiados com “galos” e juraram nunca mais se meterem com as abelhas.
AGOSTO/CARLOS BARROS

sábado, 6 de julho de 2013

CANTINHO DOS LOBOS DO MAR: Romão, o ”esquiador”… Por CARLOS BARROS

Romão, o ”esquiador”…
Por CARLOS BARROS

 A motora  Filomena Antonieta,  com o mestre  João Careca ao leme, regressava  do mar depois de uma boa pescaria e no porão, reinava a boa disposição entre todos os seus tripulantes, sendo dos mais animadores o Romão Miquelino, Alfredo Muchacho e o “Morrossol”, sempre  vítima das brincadeiras do finado Muchacho.
  O sol “espreguiçava-se” e estava quase a desaparecer na linha do horizonte.
  Na motora reinava boa disposição  e as águas do mar estavam amansadas  e “abrilhantadas” por uma serenidade crepuscular.
  O Milo, o “Morrossol” e o Muchacho piscaram o Romão para “esquiar”.
  Anda homem, não és homem não és nada senão ”esquiares”…
  Então, disse o Romão, vai haver agora um espetáculo…
  Toda a tripulação ficou em silêncio e o Milo começou a arregalar os olhos para o amigo “Magnório”, esperando a surpresa!
   O Romão pegou num “paneiro”, cheio de escamas e “langanhos”, atou-o às cordas do arrasto, que estavam presas  à poupa da motora e eis o Romão montado na prancha  de “surf”.
  O “toda a carga”, gritaram os tripulantes para o mestre João Careca, que estava a “milhas” do que estava a suceder…
  Com o motor barulhento e ferrugento da  Filomena Antonieta, a “todo o gaz”, o Romão começou a deslizar sobre as águas do mar, feito turista, durante breves segundos.
  De repente, o motor da motora abrandou e o Romão mergulhou no oceano, até ao fundo, depois de bater com a “mona” na poupa da motora.
  - Morrossol, o Romão  desapareceu,  disse o Muchacho aflitinho…
  O homem está afogado gritou  o Chico! Ele não aparece à tona!...
  Na casa do leme, o João Careca ao ouvir tanto rebuliço perguntou:
  - O que se está a passar aí?
  Vai haver “verdoada” grossa!...
  - O  Romão não aparece e está no fundo do mar, responderam, em uníssono, os tripulantes que estavam a assistir à tragédia.
  - Num último ato de desespero , os pescadores puxaram pelas cordas que amarrava a  “tábua-surf” e lá veio o  Romão  agarrado ao paneiro, já branco e com a boca cheia de areia.
  Uma vez içado para o porão, com muito esforço do Milo e do finado Muchacho,  o Romão  levou uns murros no estômago,  deitou cá para fora uns bons litros de água e começou a abrir os olhos.
   Está salvo, gritou o  Milo “Rosas”, todo contente.!
  Depois  de uns largos minutos de reanimação, o Romão  apareceu ressuscitado e prometeu nunca mais andar de “sequi” com esta tripulação “meia maluca” que o ia matando.
   A motora Filomena Antonieta quando chegou ao cais para descarregar o camarão e  o Romão ainda recuperava as sua débeis forças anímicas.
    As peixeiras, embrulhadas nos seus grossos xailes negros,  no cais norte, perguntaram:
    - João Careca, o que fizeram ao Romão que está branco como a cal?
   - Calem-se “almas negras” que ia acontecendo uma tragédia por causa destes três malucos e só me apetecia pegar no  bicheiro e fisgá-los a todos,  respondeu nervosamente  o João Careca.
   O  Romão  foi “descarregado” no cais e, lentamente, dirigiu-me para  a rampa do cais, cheio de limo, e estava ainda meio atordoado.
   O Milo e o “Morrossol” levaram-no a casa depois de lhe tirarem a areia grossa da boca e dos ouvidos.
     Não digam nada ao meu pai, senão dá-me “cabo do corpo”,  choramingou  o Romão aos seus amigos.
     Podes estar descansado, disseram eles, nós não “abrimos o bico”.
     No dia seguinte, o nosso amigo  Romão, todo aperaltado, com a revista “O último desejo”, emprestada pelo Morrossol”  debaixo do braço, fazendo-se de “doutor”,  foi  passear pela ribeira, tentando-se livrar do grande susto do dia anterior.
    O Romão uma vez na ribeira, sentou-se perto dos juncais e varais, onde estava um polvo a secar, começou a folhear a revista do “Último desejo” que o “Morrossol” lhe tinha emprestado e adormeceu uma soneca, só acordando com o chilrear dos “charréus” que  comiam as amoras das silvas.
     Quando acordou, estava o Morrosssol junto dele e perguntou-lhe:
     Já leste a revista, “ó ranhoso”?
     O Romão olhou para o seu companheiro e respondeu:
     - Sabes qual  era  o “meu último desejo”?
     - Não, disse o “Morrossol” ao Romão  que estava  meio sonolento.
    Olha o meu último desejo, era não te ver mais, desabafou o Romão para o seu amigo… 

sexta-feira, 7 de junho de 2013

CANTINHO DOS LOBOS DO MAR - CARLOS BARROS: Um fadista amachucado…

Um fadista amachucado…

Por CARLOS BARROS

Foto: FR
 
 Na década de oitenta, muitos pescadores de Esposende, deslocavam-se para longas paragens, indo pescar para  mares mais ricos em peixes, levando as suas motoras para Sagres,  Sines, Vila Nova de Mil Fontes onde conseguiam  obter maiores proventos económicos na sua atividade piscatória, o que não conseguiam em Esposende porque a barra era “madrasta”.
    Foi o caso da traineira “Flor de Esposende”, recheada de experientes pescadores: João Muchacho, Dimas Paquete, David Curico, João Libânio, Tone Pirata e Domingos da Galga,  que se deslocou para Sagres onde abundava o peixe: tamboril, peixe ruivo,  corvinas, robalo, rascasso….
    O sr. Domingos Moina,  era o  fadista  da tripulação e cantava o fado como um rouxinol e certo dia,  teve uma queda no porão e ficou com uma grande mancha na nádega, torcendo-se com dores e não parava de gritar.
     O Muchacho, sempre solidário, levou o amigo Domingos para o beliche da motora,  onde o espaço escasseava e começou a fazer umas massagens na zona dorida. Com os seus toques de massagista, o Muchacho deu-lhe, propositadamente, uma pancada mais  forte que o tio Domingos, desesperado com dores, bateu com a cabeça nas tábuas da cabeceira do beliche, ficando com um grande “galo” na cabeça.
   O velho Domingos não parava de gritar e com mais uma “porrada” forte do João Muchacho na zona negra da nádega, o acidentado lançou um  novo e lancinante  grito e bateu com a outra parte da cabeça nas tábuas e mais um galo na testa do tio Domingos da Galga que não parava de barafustar contra aquele massagista de “meia tigela” que era o João Muchacho.
   A traineira “Flor de Esposende” atracou no cais em Sagres, após a largada das redes no mar, e a tripulação começou a sair da motora, sendo o último, o tio Domingos da Galga que cambaleando e com as mãos na cabeça, lá ia segurando os galos feitos pelo “artesão” Muchacho.
  Era um dia de Verão e na vila de Sagres estavam muitos turistas e o João Muchacho teve uma ideia genial: organizou uma sessão de fados ao ar livre, sendo o  Domingos Moina o fadista que, por sinal, tinha uma  bela voz.
  O fadista, já com a dor controlada dos galos do “Muchacho” começou a cantar e aquela gente que ocasionalmente passava na praceta, não longe do paredão, onde estava toda a tripulação Flor de Esposende, começou a aglomerar-se e o João Muchacho não perdeu a ocasião e pegou no boné, cheio de escamas de peixe, “langanho” dos congros e começou a fazer um peditório e as pessoas foram às suas carteiras e em pouco tempo, juntou-se muito dinheiro perante a alegria do Tone Paquete, do David Curico e dos demais amigos.
   O Fadista não parava de cantar e as moedas continuavam a cair no boné e o João Libânio incitava o Domingos a cantar mais, para juntar mais umas moedinhas, apoiado pelo Dimas que esfregava as mãos de contente enquanto que o Bertinho ferrava os dentes de  entusiasmo e o Tone Pirata saltava como um “macaco” de alegria com tantas moedas que  continuavam a tilintar.
   Já com a garganta seca, o amigo Domingos Moina, cansou-se e mesmo incitado pelo David Curico e João Muchacho, não  podia mais e só se  imaginava numa tasca a beber umas valentes malgas para  acabar com aquela maldita “secura” no garganil!
    O João Muchacho, com as moedas e notas, bem presas no boné, levantou a voz e deu por acabado o espetáculo perante inúmeras palmas dos assistentes que não se cansavam de aplaudir o grande fadista Domingos Moina que já suava por todos os poros da pele, nunca mais se lembrando  dos “galos” oferecidos pelo Muchacho…
   No final,  a tripulação da “Flor de Esposende” foi toda em direção à tasca e mandaram vir umas malgas de vinho tinto, acompanhadas com bacalhau frito e umas iscas e  permaneceram lá durante duas horitas, tendo o Tone Pirata bebido mais que os restantes amigos.
  As malgas de vinho  pareciam que voavam… O Tasqueiro trabalhou mais nesta parte da tarde, a dar de beber a estes sequiosos esposendenses, que durante a semana toda,  afirmando que esta gente de Esposende bebiam como “camelos”…
   As moedas recolhidas pelo João Muchacho deu para pagar toda a despesa e ainda sobrou para comprar uns cigarros, mais baratinhos,  “Três Vinte” e “Provisórios” para o Tone Paquete e Domingos fadista enquanto que o David Curico, ficou mais caro, porque  só fumava cigarros com  filtro: SG Ventil ou Estoril.
  Com as redes “largadas”, durante a noite, a tripulação da “Flor de Esposende” teve um final de tarde muito feliz e na tasca, já com uns copos entornados, o Domingos Moina, cantou mais uns fadinhos mas, a letra estava toda “embaralhada”  e a confusão da música levou  a que todos regressassem às suas ”casas”- porão da motora- porque todos tinham de se levantar cedinho para  alar as redes, durante a noite que se previa friorenta.
  Às duas horas da manhã, estes corajosos pescadores estavam todos a pé, em direção às motoras que estavam ancoradas no cais e lá partiram, numa manhã serena e com o luar ainda a despontar, todos alegres e sorridentes com o Domingos  Moina na casa do Leme a entoar uns fadinhos, mas em silêncio porque a voz não dava para mais…
História contada pelo João Muchacho, no dia 20 de fevereiro, pelas 11 horas da manhã, junto ao Bairro Sucupira-Esposende.

CANTINHO DOS LOBOS DO MAR


sábado, 18 de maio de 2013

CANTINHO DOS LOBOS DO MAR

REPUBLICAÇÃO
“Vamos às solhas!...”.


A primavera batera  “às portas” da vila de Esposende e, numa  pujante manhã,  a vida começava a despertar para a faina diária e a “criançada” saltou da cama, atraída pela manhã primaveril que a natureza presenteava, como sempre,  os esposendenses.
 Numa casinha simples, térrea  e acolhedora, a norte de Esposende, perto da igreja matriz, junto ao lavadouro público, a  Rosa peixeira já estava a pé e os filhos- Carlos,  Tone…- já se encontravam bem acordados, pelo “despertador matinal”  que era o chilrear dos tordos e da outra passarada que se tinha instalado, com a sua orquestra, nas palmeiras da casa dos padres.
Vamos rapazes, todos para o tanque lavar a cara e está um belo dia para ir  às solhas,  disse a tia Rosa, já prontinha para  recolher os chicharros e vendê-los, no cantinho das sete moléstias.
 Num ápice o “exército” foi organizado  com o Carlos Bicho, como “general” das tropas, com os seus “soldados,”  Tonho, Tone Bichesa e o Miguéis,” O Azar” e,  todos eles, pegaram  nas redes das solhas (redes do bucho), que estavam no corredor da entrada,  foram para a zona do Hotel Suave-Mar, fazer os “lanços” iniciais.
Quando ia o João Calhandra, o Carlos  Bicho perdia o “posto” e quem comandava as” tropas” era o sr. João, pessoa muito afável e respeitadora.
Estes  jovens  pescadores, sem  apoio do barco, percorriam o rio todo  lés-a-lés, até à ponte de Fão e nas lages, perto desta  ponte, nos torrões, as solhas estavam acamadas, e a rede enchia-se  rapidamente, sendo guardadas num saco grande de linhagem, dado pelo Abílio Coutinho, do seu armazém de cereais.
No rio, a azáfama começava a eclodir e uma vez a rede esticada,  começava-se, a bater no fundo do areal, com as varas,  para as solhas irem ao encontro da rede que as aprisionava.
Estamos todos “partidinhos” queixava-se o “Azar”,  para os seus amigos, todo molhadinho e já cansado de lutar contra a  fria corrente do rio, já que a maré estava a encher.
O Tonho, sempre  a resmungar,  ameaçou que à tarde não viria outra vez às solhas porque  tinha um jogo na ribeira contra o sul e logo “à croa”!...

 O Carlos Bicho deu um grito à rapaziada:
- “Caluda”, seus malandros vamos mas é trabalhar porque a mãe já está com o caldo de farinha  na mesa e nós aqui na moleza…
As solhas foram todas trazidas, de barco, da ponte de Fão para casa, com os sacos recheados e quando a  tia  Rosa viu aquela pescaria desabafou:
-Meus filhinhos, que grande pescaria! Vocês merecem um prémio, pois vou, amanhã, ao  Marino comprar-vos uma bola de futebol e um pião ao Abílio Coutinho !
O Tonho ao ouvir a mãe a falar de bola deu um salto e foi contra  o guarda-louça, que  quase ia  partindo,  uma malga, comprada na louceira.
As solhas foram espalhadas no chão e contaram-se setenta dúzias que foram vendidas à Inocência da Pelada - mãe do Quico, João Careca, Zé Fofó..-, a  vinte e cinco tostões a dúzia.
A tia Inocência ia a Barcelos e a Braga de “caminheta”  vender essas solhas e só regressava a casa, na camioneta do Linhares, pela tardinha, com a algibeira  repleta de notas de vinte escudos e algumas de cinquenta, sem contar com as  muitas moedas que tilintavam ao ritmo largo da passada da tia Inocência.
Nas redes chegavam-se a malhar sáveis e lampreias que eram vendidas à tia Churra- Maria de Saúde Lemos- a cinco croas e esta peixeira deslocava-se muitas vezes, a pé, ao Castelo, pela praia buscar o pescado na sua gamela de madeira,  para vender pelas aldeias, chegando a ir a pé a Barcelos, onde as suas clientes a esperavam.
Estes “famosos pescadores” de solhas chegavam a levar  o João Café e o João Conde com eles para o rio,  e no final da pesca, também levavam o seu “quinhão”.
Estes pescadores quando saíam do rio, estavam sempre à espreita  porque o Lázaro da Delegação Marítima não perdoava a multa que era de cinco croas e quando eram surpreendidos,  fugiam e punham o peixe fora ou escondiam-no no meio das silvas da ribeira. Quando  não iam às solhas, estes corajosos rapazinhos, iam apanhar guita para a pancada do mar que, na altura, dava bom dinheiro: quarenta escudos, o quilo-.
 Essa  “guita”-tipo de algas marinhas- transportada em carrelas, era seca, na ribeira e nos  campos, e vendida ao quilo para fabrico de produtos farmacêuticos e plásticos.
O Romão Miquelino, sempre astuto e aventureiro, ia à ribeira onde a guita estava a secar e “roubava” umas manadas para vender e comprar cigarros que fumava às escondida dos pais e na Páscoa, este “mariola” passeava de cigarro, geralmente provisórios ou definitivos, pelo paredão, longe dos olhares dos amigos que o poderiam denunciar. Era o Romão , “no seu melhor”!... Foi empregado da Nélia e  chegava a deslocar-se de “toiota”—carrinho de mão- ao Ofir, levar grades de cervejas, pirolitos e uns garrafões de vinho e, quando a sede apertava, em pleno Verão, o Romão, à sucapa, com o dedo mindinho,  empurrava o berlinde do pirolito para baixo, e saia uma bufada de gás, e toca a esvaziar um pouco do líquido “alimonado” pela “goela” abaixo.
Ingerido o pirolito, forças físicas eram revigoradas e a viagem tornava-se mais rápida! Os “deuses” não o denunciava mas, que havia reclamações pelos “defeitos” dos pirolitos, era um facto!...
Para além destes pescadores de rio, o tio Zé Pirata era também um pescador de solhas experiente e não gostava nada ver no rio aquela “cambada”  que se fartava de apanhar solhas…
Nesses tempos, o Álvaro Li, Zé Bebado, Tio Cálica e o tio Alfredo Fá também dispunham de  redes de bucho para as  solhas e faziam  boas pescarias.
O  nosso rio Cávado  sustentava famílias de pescadores  que pescavam algum pescado-  solhas em abundância, mujos-erigos, barbos, robalos, sáveis, enguias, “carangueijas” ,  lampreias…- com as  corajosas peixeiras – Tia Churra,  Silvana, pai do Pezinho,  tia Graça, tia Antónia da Galga- a deslocarem-se a pé às aldeias percorrendo  vários quilómetros até  Barcelos, para venderem o peixe. As contas eram feitas com feijões, com processos matemáticos rudimentares mas, rigorosos e o lucro era distribuído no fim das vendas, após  salutares discussões e regateios…Essas peixeiras  eram “economistas” rigorosas  que  deviam fazer inveja aos nossos políticos, dos tempos atuais…
À tarde, o sol convidava a uns mergulhos nas escadinhas  e o  Tonho, Carlos Bicho, Azar e Tone Bichesa, de cuecas , lançavam-se  em voo picado para as águas serenas e amenas do Cávado.  Os “calções de banho” improvisados, eram secos ao sol, sobre as silvas e varais e, posteriormente, os nossos amigos  iam para casa em grande correria,  “comer o jantar”, uns chicharros fritos com batatas cozidas, molhadas com pouco azeite, comprado na mercearia do Coutinho ou na Lucas e umas côdeas de pão de milho.
As lavadeiras,  recolhiam  a roupa que estava a corar sobre a erva e os arames improvisados e  regressavam  às suas casas, muito apressadas porque os filhos esperavam pelo “caldo” e algum “prezigo” milagroso…
Quando os tordos e os “Charréus”, pela tardinha, começavam a  chilrear nas palmeiras da Casa dos Padres, era sinal para  todos irem para a cama, onde dormiam todos juntos,  armazenando novas energias, para  as acostumadas pescarias  às solhas para o dia seguinte.
Chegava o silêncio da noite , a Igreja Matriz silenciava os sinos, o  sacristão ” Biomiro”, alfaiate de profissão, apagava as velas dos altares, fechava as portas da igreja e regressava à sua casa para o justo descanso.
Uma lavandisca perdida na rua, levantava voo para destino incerto, fugindo ao ar frio que começava a atormentar a noite.
Entrevistado: Manuel Carlos Vilas Boas Cardoso
Dia 12 de março de 2013
Peixaria Rosa- 10.30 horas