sexta-feira, 7 de junho de 2013

CANTINHO DOS LOBOS DO MAR - CARLOS BARROS: Um fadista amachucado…

Um fadista amachucado…

Por CARLOS BARROS

Foto: FR
 
 Na década de oitenta, muitos pescadores de Esposende, deslocavam-se para longas paragens, indo pescar para  mares mais ricos em peixes, levando as suas motoras para Sagres,  Sines, Vila Nova de Mil Fontes onde conseguiam  obter maiores proventos económicos na sua atividade piscatória, o que não conseguiam em Esposende porque a barra era “madrasta”.
    Foi o caso da traineira “Flor de Esposende”, recheada de experientes pescadores: João Muchacho, Dimas Paquete, David Curico, João Libânio, Tone Pirata e Domingos da Galga,  que se deslocou para Sagres onde abundava o peixe: tamboril, peixe ruivo,  corvinas, robalo, rascasso….
    O sr. Domingos Moina,  era o  fadista  da tripulação e cantava o fado como um rouxinol e certo dia,  teve uma queda no porão e ficou com uma grande mancha na nádega, torcendo-se com dores e não parava de gritar.
     O Muchacho, sempre solidário, levou o amigo Domingos para o beliche da motora,  onde o espaço escasseava e começou a fazer umas massagens na zona dorida. Com os seus toques de massagista, o Muchacho deu-lhe, propositadamente, uma pancada mais  forte que o tio Domingos, desesperado com dores, bateu com a cabeça nas tábuas da cabeceira do beliche, ficando com um grande “galo” na cabeça.
   O velho Domingos não parava de gritar e com mais uma “porrada” forte do João Muchacho na zona negra da nádega, o acidentado lançou um  novo e lancinante  grito e bateu com a outra parte da cabeça nas tábuas e mais um galo na testa do tio Domingos da Galga que não parava de barafustar contra aquele massagista de “meia tigela” que era o João Muchacho.
   A traineira “Flor de Esposende” atracou no cais em Sagres, após a largada das redes no mar, e a tripulação começou a sair da motora, sendo o último, o tio Domingos da Galga que cambaleando e com as mãos na cabeça, lá ia segurando os galos feitos pelo “artesão” Muchacho.
  Era um dia de Verão e na vila de Sagres estavam muitos turistas e o João Muchacho teve uma ideia genial: organizou uma sessão de fados ao ar livre, sendo o  Domingos Moina o fadista que, por sinal, tinha uma  bela voz.
  O fadista, já com a dor controlada dos galos do “Muchacho” começou a cantar e aquela gente que ocasionalmente passava na praceta, não longe do paredão, onde estava toda a tripulação Flor de Esposende, começou a aglomerar-se e o João Muchacho não perdeu a ocasião e pegou no boné, cheio de escamas de peixe, “langanho” dos congros e começou a fazer um peditório e as pessoas foram às suas carteiras e em pouco tempo, juntou-se muito dinheiro perante a alegria do Tone Paquete, do David Curico e dos demais amigos.
   O Fadista não parava de cantar e as moedas continuavam a cair no boné e o João Libânio incitava o Domingos a cantar mais, para juntar mais umas moedinhas, apoiado pelo Dimas que esfregava as mãos de contente enquanto que o Bertinho ferrava os dentes de  entusiasmo e o Tone Pirata saltava como um “macaco” de alegria com tantas moedas que  continuavam a tilintar.
   Já com a garganta seca, o amigo Domingos Moina, cansou-se e mesmo incitado pelo David Curico e João Muchacho, não  podia mais e só se  imaginava numa tasca a beber umas valentes malgas para  acabar com aquela maldita “secura” no garganil!
    O João Muchacho, com as moedas e notas, bem presas no boné, levantou a voz e deu por acabado o espetáculo perante inúmeras palmas dos assistentes que não se cansavam de aplaudir o grande fadista Domingos Moina que já suava por todos os poros da pele, nunca mais se lembrando  dos “galos” oferecidos pelo Muchacho…
   No final,  a tripulação da “Flor de Esposende” foi toda em direção à tasca e mandaram vir umas malgas de vinho tinto, acompanhadas com bacalhau frito e umas iscas e  permaneceram lá durante duas horitas, tendo o Tone Pirata bebido mais que os restantes amigos.
  As malgas de vinho  pareciam que voavam… O Tasqueiro trabalhou mais nesta parte da tarde, a dar de beber a estes sequiosos esposendenses, que durante a semana toda,  afirmando que esta gente de Esposende bebiam como “camelos”…
   As moedas recolhidas pelo João Muchacho deu para pagar toda a despesa e ainda sobrou para comprar uns cigarros, mais baratinhos,  “Três Vinte” e “Provisórios” para o Tone Paquete e Domingos fadista enquanto que o David Curico, ficou mais caro, porque  só fumava cigarros com  filtro: SG Ventil ou Estoril.
  Com as redes “largadas”, durante a noite, a tripulação da “Flor de Esposende” teve um final de tarde muito feliz e na tasca, já com uns copos entornados, o Domingos Moina, cantou mais uns fadinhos mas, a letra estava toda “embaralhada”  e a confusão da música levou  a que todos regressassem às suas ”casas”- porão da motora- porque todos tinham de se levantar cedinho para  alar as redes, durante a noite que se previa friorenta.
  Às duas horas da manhã, estes corajosos pescadores estavam todos a pé, em direção às motoras que estavam ancoradas no cais e lá partiram, numa manhã serena e com o luar ainda a despontar, todos alegres e sorridentes com o Domingos  Moina na casa do Leme a entoar uns fadinhos, mas em silêncio porque a voz não dava para mais…
História contada pelo João Muchacho, no dia 20 de fevereiro, pelas 11 horas da manhã, junto ao Bairro Sucupira-Esposende.

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