ESPOSENDE E O SEU CONCELHO


domingo, 3 de agosto de 2014

CANTINHO DOS LOBOS DO MAR por Carlos Barros

    
Um pescador improvisado…

 A motora Torrão, cuja proprietária era a Berta Bichesa, estava  em mau estado de conservação e as tábuas do convés estavam um pouco esburacadas, “dançavam” e “chiavam” debaixo das galochas dos  tripulantes e o cheiro do gasóleo perfumava todo o porão e convés.
 Por esta motora, passaram inúmeros pescadores: “Ilhoca”, João Mona-emigrante brasileiro-, Manel Sapateiro-Rosário-, Rogério, Delfino Fifas, Luisinho, Alfredo Muchacho, Pedro, Zé dos Passos…
 O Luisinho era o mestre desta embarcação e com a sua experiência, lá ia fintando a fúria das  ondas do mar, na companhia do assustado Zé Pereira dos Passos-, mais conhecido na gíria dos pescadores por “Zé Tolo”.
  A noite saudava a tripulação, com o seu “manto de estrelas” e a lua iluminava a esperança destes  combativos e corajosos pescadores de Esposende.
  Era o momento de largar as redes e algumas “rascas” e todos trabalhavam afincadamente apenas, o Zé passava o tempo a “contar as estrelas”…
  Já em pleno mar, não muito longe da costa, o Pedro gritava:
   Tantos badejos, estão a monte irmãos!...
   O Alfredo Muchacho olhou para o mar e os badejos serpenteavam à superfície e estavam na “babuja”… Pedro pega na linha e vê se pescas algum, desafiou o tio Alfredo.
  Já com as mãos “traçadas” pela linha de tanto alar, o Pedro, durante uma hora, nada apanhou perante o desespero do Luisinho e do João Mona que queriam levar uns badejos para casa.
   O Tio Alfredo, nervoso, “arregaçou” a boina para trás, pegou na “cana do leme”  e com uma linha, anzol e isco, pôs na mão do Zé e disse-lhe para pescar, empurrando o Pedro que estava a embaraçar…
  Tio Alfredo, eu não sei pescar, se fosse tirar água da motora e encher umas gigas de fanecas, agora pescar, lamentava o Zé perante o ar ameaçador do tio Alfredo!
    Pesca e caluda, ameaçou o Tio Alfredo com cara de poucos amigos.
   O Ilhoca fumava o seu cigarrinho encostado à casa do leme, junto a uma bóia, encimada com uma  bandeirola amarela.
    O Pedro encostado à casa do leme mostrava-se envergonhado com o seu insucesso na pesca ao badejo…
     O Zé  começou a pescar, olhando sempre para o Tio Alfredo que estava com o galheiro na mão e o peixe começou a mordiscar o anzol e, passada uma hora, sob os olhares do Luisinho e da restante tripulação, o Zé tinha pescado doze valentes badejos e um deles de quase dois quilos de peso.
    Boa Zé, és o maior confortava-o o tio Delfino Fifas, todo encasacado, defendendo-se da brisa fria que se fazia sentir.
    O Tio Alfredo abraçou o Zé, todo radiante pela façanha do seu amigo, e olhou de canto para o Pedro  e disse-lhe:
     - Não tens vergonha! Não sei que andas aqui a fazer na motora, eu deveria era despachar-te, pôr-te a “penates” !
    O Zé rejubilava de contente, mostrando os inúmeros badejos que tinha pescado, reluzentes e escorregadios que iam deslizando na motora ao “sabor” do baloiçar da ondulação do mar.  Apanhou três cavalas que deram muita luta ao serem aladas e o Rogério Chana, ainda jovem, teve de dar uma ajudazita ao amigo Zé.
    O tio Alfredo, já no regresso à barra, deu um aperto de mão ao Zé e prometeu-lhe uma malguinha -vinho com gasosa- na tasca do Coutinho embora o Zé não fosse homem de beber.
     Já com a motora  junto ao cais, tripulada pelo Luisinho, o tio Alfredo, olhou para o Pedro e  desabafou:-
   - Não prestas para nada e se o Zé fosse tolo, como injustamente, lhe chamam, não pescava tantos badejos e só numa hora!...
   O Pedro envergonhado, ia olhando para a Capelinha de  S. Lourenço, para afagar a  tristeza que o invadia…Com tanto azar, ainda escorregou numa das cavalas e caiu desamparado, batendo com a cabeça no alador.
   O Torrão de regresso ao cais, atracou finalmente pela tardinha e toda a tripulação se dirigiu para as suas casas porque o mar esperava-os no dia seguinte e era preciso descansar e   “acumular “ energias para novas pescarias.


Curiosidades
   Na primeira quinzena do mês de julho, os pescadores de Esposende fartaram-se de apanhar cavalas e inúmeros cardumes foram malhados nas redes. Os clientes da lota de Esposende, compraram muita cavala, a preços irrisórios e muitas caixas ficaram por vender e algumas delas foram para isca.
  Eu , com frequentador assíduo da lota, não me recordo de tanta cavala pescada, embora seja um peixe muito saudável, não tem, contudo,  grande valor comercial nestas paragens.
Cavala:-Peixe teleósteo perciformes da família dos escombrídeos, do género “scomberomorus”, ger. Pelágicos e migratórios, que possuem corpo alongado , pouco comprimido, cabeça afilada e “focinho” pontiagudo sendo o  seu dorso   azul-escuro  e ventre prateado. Há várias variedades de cavalas: Cavala-perna-de-moça, cavala-preta,  cavala sardinheira, cavala verdadeira,  (com grande valor comercial), cavala branca, cavala canguçu,  cavala-pintada, cavala africana, cavala-aipi,…
O termo cavalada significa atitude ou fala indelicada; grosseira; brutalidade; asneira; disparate.
Cavalão:-cavalo grande; indivíduo muito alto e corpulento; indivíduo rude  e grosseiro:
Cavalar:  que pertence à raça do cavalo relativo a ou próprio de cavalo:
Cavala:-Zoologia- Espécie de sarda, encontra-se nas águas  quentes do Atlântico e Pacífico.

Consultas: Dicionário Houaiss da L. P.-Temas e debates-Instituto António Houaiss de Lexicografia Portugal-Lisboa 2005;Dicionário Enciclopédico Português-Editorial Verbo, S.A. 2006.
                               

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