CANTINHO DOS LOBOS DO MAR por CARLOS BARROS
“Uma travessa voadora”….
No ano de
mil novecentos e sessenta e quatro, o cais de Esposende, acolhia muitas motoras
que andavam, em pleno mar, na sua faina piscatória com as suas tripulações
sempre ativas e divertidas. O trabalho no mar era sempre acompanhado com brincadeiras,
despiques, apostas e diversões, entre a tripulação, tendo como palco, o
escorregadio convés, sempre “oleado”
de “langanhos “ de raias e de congros,
bem “taludos”...
A motora Filomena
Antonieta tinha chegado do mar e depois de ancorada e presa, pelas “amarras” nas argolas do então
designado “paredão do Salva-Vidas”, a tripulação começou a descarregar o peixe
que era transportado em caixas para
terra. Na rampa, onde se encontravam as bancas da lota, em frente do
“Salva-Vidas”, as peixeiras esperavam pelo pescado, num ambiente de alvoroço e
de algazarra, numa sessão de gritaria e de constantes ameaças, sempre pugnando
pelo melhor preço. A tia Silvana e a
tia Graça, com as gargantas afinadinhas, silenciavam as outras vozes regateiras
que se faziam ecoar ao longo da rampa do cais norte.
As autoridades marítimas estavam geralmente presentes
no cais, através dos guardas-fiscais
(Lopes, David…) para fiscalizar o pescado que saía das motoras .
O Tenente
Tavares Coelho era a autoridade máxima da Delegação Marítima de Esposende que se
localizava no Largo Rodrigues Sampaio, perto do Armazém /mercearia e tasca do
Abílio Coutinho.
A tia
Esmeralda do Salva-Vidas costumava, por respeito ou “exigência”, oferecer uns peixinhos ao sr. Tenente e para
o efeito, levava sempre uma travessa de
porcelana, já com muitos “agrafes”, onde os peixes eram colocados, oferecidos
pelos mestres das motoras.
Na motora,
o tio Alfredo Muchacho não gostava muito destes “arranjos” e disse ao Romão:
- Romão, hoje o Tenente vai ter uma surpresa…
O Romão” Magnório” começou a esfregar as mãos de
contente porque sabia que iria haver
tramóia e perguntou ao divertido tio Alfredo, o que estava a tramar!
Romãozinho, quando a tia Esmeralda vier com a
travessa buscar o peixe, dá-lhe um tropeção para fazer voar a travessa … O
Morrossol estava a ouvir a conversa e prontificou-se também, a entrar na cena,
oferecendo-se para dar uma rasteira ao Magnório…
O Romão e o Morrossol saltaram, como gafanhotos, de
contentes no poupa da motora, longe dos
ouvidos das muitas peixeiras presentes, entre as quais a Tia Esmeralda.
O Romão olhou para o tio Alfredo Muchacho e disse-lhe que ainda há pouco tempo tinha “roubado” dois coelhos à
Tia Luzia e três galinhas no quintal da Escola, à D. Loca e tinha feito uma grande patuscada no “Zip Zip” onde todo o “mundo
comeu”…Quem fez isto é porque tem coragem, confessava descaradamente o
Romãozinho ao tio Alfredo. Este ficou convencido que tinha ali, o artista ideal
para a sua ideia!
Já o peixe estava quase descarregado no paredão,
quando a tia Esmeralda, com o seu colorido xaile, pelas costas, aproximou-se,
com a travessa, já com umas fanecas e dois pequenos badejos, dados pelo João
Careca quando, inesperadamente, o Morrossol empurrou o Romão ao encontro da tia
Esmeralda, batendo com a mão direita na travessa e esta, despedaçou-se em mil
cacos contra as pedras, com os peixes a mergulharem para o fundo do rio.
Meu vadio,
maldito que partiste a minha travessa e
agora o senhor tenente não vai levar peixe, lamentou em alta berraria
a tia Esmeralda, com gestos desesperados,
ameaçando o Romão, enquanto que o Morrossol se esquivava para dentro do porão
da motora, simulando lavar o convés.
O Magnório fugiu em grande correria para dentro da
Maria Antonieta onde o tio Alfredo
Muchacho o esperava, muito contente, abraçando efusivamente o Romão,
felicitando-o pela façanha.
Romão,
pega no baú e vai depressa para casa porque a tia Esmeralda anda atrás de ti e
levas estas fanecas e chicharros para o jantar porque o tenente, desta vez, vai
ver o peixe por “um canudo”…
CMLB
Esposende
30 de abril de 2014
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