terça-feira, 22 de julho de 2014

CANTINHO DOS LOBOS DO MAR por CARLOS BARROS

CANTINHO DOS LOBOS DO MAR por CARLOS BARROS
(REPUBLICAÇÃO)

“Uma travessa voadora”….

   No ano de mil novecentos e sessenta e quatro, o cais de Esposende, acolhia muitas motoras que andavam, em pleno mar, na sua faina piscatória com as suas tripulações sempre ativas e divertidas. O trabalho no mar era sempre acompanhado com brincadeiras, despiques, apostas e diversões, entre a tripulação, tendo como palco, o escorregadio  convés, sempre “oleado” de  “langanhos “ de raias e de congros, bem “taludos”...


  A motora Filomena Antonieta tinha chegado do mar e depois de ancorada  e presa, pelas “amarras” nas argolas do então designado “paredão do Salva-Vidas”, a tripulação começou a descarregar o peixe que era transportado em caixas para  terra. Na rampa, onde se encontravam as bancas da lota, em frente do “Salva-Vidas”, as peixeiras esperavam pelo pescado, num ambiente de alvoroço e de algazarra, numa sessão de gritaria e de constantes ameaças, sempre pugnando pelo melhor preço.    A tia Silvana e a tia Graça, com as gargantas afinadinhas, silenciavam as outras vozes regateiras que se faziam ecoar ao longo da rampa do cais norte.
As autoridades marítimas estavam geralmente presentes no cais, através dos  guardas-fiscais (Lopes, David…) para fiscalizar o pescado que saía das motoras .
 O Tenente Tavares Coelho era a autoridade máxima da Delegação Marítima de Esposende que se localizava no Largo Rodrigues Sampaio, perto do Armazém /mercearia e tasca do Abílio Coutinho.
 A tia Esmeralda do Salva-Vidas costumava, por respeito ou “exigência”,  oferecer uns peixinhos ao sr. Tenente e para o efeito, levava sempre  uma travessa de porcelana, já com muitos “agrafes”, onde os peixes eram colocados, oferecidos pelos mestres das motoras.
 Na motora, o tio Alfredo Muchacho não gostava muito destes “arranjos”  e disse ao Romão:
- Romão, hoje o Tenente vai ter uma surpresa…
O Romão” Magnório” começou a esfregar as mãos de contente porque sabia que iria haver  tramóia e perguntou ao divertido tio Alfredo, o que estava a  tramar!
Romãozinho, quando a tia Esmeralda vier com a travessa buscar o peixe, dá-lhe um tropeção para fazer voar a travessa … O Morrossol estava a ouvir a conversa e prontificou-se também, a entrar na cena, oferecendo-se para dar uma rasteira ao Magnório…
O Romão e o Morrossol saltaram, como gafanhotos, de contentes no  poupa da motora, longe dos ouvidos das muitas peixeiras presentes, entre as quais a Tia Esmeralda.
O Romão olhou para o tio Alfredo Muchacho e  disse-lhe que ainda  há pouco tempo tinha “roubado” dois coelhos à Tia Luzia e três galinhas no quintal da Escola, à D. Loca e  tinha feito uma grande  patuscada no “Zip Zip” onde todo o “mundo comeu”…Quem fez isto é porque tem coragem, confessava descaradamente o Romãozinho ao tio Alfredo. Este ficou convencido que tinha ali, o artista ideal para a sua ideia!
Já o peixe estava quase descarregado no paredão, quando a tia Esmeralda, com o seu colorido xaile, pelas costas, aproximou-se, com a travessa, já com umas fanecas e dois pequenos badejos, dados pelo João Careca quando, inesperadamente, o Morrossol empurrou o Romão ao encontro da tia Esmeralda, batendo com a mão direita na travessa e esta, despedaçou-se em mil cacos contra as pedras, com os peixes a mergulharem para o fundo do rio.
 Meu vadio, maldito que partiste a minha  travessa e agora o  senhor tenente  não vai levar peixe, lamentou em alta berraria a tia Esmeralda, com gestos  desesperados, ameaçando o Romão, enquanto que o Morrossol se esquivava para dentro do porão da motora, simulando  lavar o convés.
O Magnório fugiu em grande correria para dentro da Maria Antonieta  onde o tio Alfredo Muchacho o esperava, muito contente, abraçando efusivamente o Romão, felicitando-o pela façanha.
  Romão, pega no baú e vai depressa para casa porque a tia Esmeralda anda atrás de ti e levas estas fanecas e chicharros para o jantar porque o tenente, desta vez, vai ver o peixe por “um canudo”…
CMLB

Esposende  30 de abril de 2014

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