Republicação
Caranguejos à “Luz do dia”…
Caranguejos à “Luz do dia”…
por Carlos Barros
O rio Cávado,
embora sonolento, despertava e, com as suas
águas límpidas e espelhadas, corria vagarosamente para montante, beijando os
juncais, o limo que serpenteava no leito do rio e a bodelha, airosamente
dançava, agarrada à penedia que a acorrentava.
As gaivotas
argentíferas espalhavam-se nos areais, atentas ao que se passava à superfície
do rio, arregalando os olhos quando uns
peixinhos, ainda alevins, vinham à superfície, provocando pequenas ondulações que
se perdiam contra os baixios das “croas”.
A motora do
João Libânio, “Flor de Esposende” ficou
atracada , nesse sábado e a sua tripulação ficou em terra para “arranjar” as
redes contudo, nesse tempo de penúria social e económica,
urgia encontrar meios de subsistência e o Dimas e o João, ainda jovens, eram
pescadores muito trabalhadores e não desperdiçavam oportunidades para pescar no rio ou mar, quando este deixava…
Em terra
também “pescavam” nos quintais onde
abundava a fruta…
O Dimas –Dimas Sousa Alves Miquelino-e o João da
Libânia,- João de Lemos- nessa manhã
não foram ao mar e combinaram uma pescaria
aos robalos ou aos negrões que
percorriam a borda do mar, a umas escassas quatro milhas da
costa.
A embarcação “Luz do Dia”, pertencente ao Tone Fifas
-António Pinto de Jesus Nibra-
matricula “ES 116 L”, movida por um pequeno e enferrujado motor “Yamaha”
de vinte cavalos, apetrechou-se com uns
tremalhos, já a pedir “aposentação”,
vindos de uma motora e, na rampa sul, partiu em direção ao mar que
estava relaxado na sua imensidão.
Com a
terra a desaparecer do alcance destes porfiados pescadores, foram lançadas as redes ao mar, e só restava
esperar por uns dias para alar os tremalhos na esperança de uma boa pescaria.
A embarcação navegou, de regresso à
terra, durante uma hora, aplanando pela superfície deslizante do mar e sob o olhar de
cardumes de cavalas e negrões que
nadavam à tona da água.
A “Luz do Dia” aportou, pela tardinha, na
rampa do sul, com os dois pescadores
animados, perspetivando uma boa pescaria, num regresso ao seio das suas
famílias.
Passados
três dias, os nossos heróis,
pegaram no barquinho do Tone do
Fifas, e com a luz do dia a romper o horizonte, foram alar os tremalhos .
Já em pleno mar,
as redes
foram aladas, e milhares de
caranguejos, navalheiras e algumas santolas “barbudas”, começaram a entrar no barco e robalos nem
vê-los!...
Meus Deus, que é isto gritava o João para o
seu amigo Dimas!
Estamos
desgraçados, isto não dá, nem para a gasolina que gastamos, lamentava o João da Libânia.
Maldita hora que
viemos para o mar, antes ficássemos na Nazaré a beber umas malgas de vinho, com
uns nacos de bacalhau frito, concluía o Dimas, que suava por todos os poros da
pele, de tanto puxar pelas redes cheias de “marisco” de terceira.
Passadas umas
breves horas, o barco ficou cheio de caranguejos e a borda da embarcação estava a
um palmo da superfície das águas e uma breve inclinação era naufrágio
pela certa.
O Dimas, teve
que sair do barco no baixio, e empurrou-o cuidadosamente ao longo da restinga
de areia sempre “pró“ sul até à direção
da “Casa do Povo” e, chegado a este
ponto de referência, saltou para dentro do barco. Com a vara, o João começou a
acionar “o motor” dos músculos e a “Luz
do Dia”, atracou na rampa, em frente da casa do sr. Belemino onde o
esperava, a Cândida Saganito e a Carmo Fifas esperançadas em vender alguns
robalos aos banhistas.
O Jerones que
andava às lagostas nas pocinhas do matadouro,
veio dar uma ajuda para desmalhar os caranguejos que não se
cansavam de atacar com as suas tenazes serrilhadas as mãos calejadas destes
dois amigos.
O barco mal
atracou na rampa, repleta de limo, foi recebido pela Cândida e pela Carmo que ficaram
desesperadas perante a mísera pescaria e
desabafaram:
- Meu Deus, quem nos irá comprar estes caranguejos
todos?
Ainda bem que
enquanto esperava, peguei numa enxada e num caco e fui à isca e ganhei o dia,
com menos trabalho, e fui mais esperta que vocês, desabafou a Cândida Saganito para o Dimas e João, de rostos
amargurados.
Coçando a
cabeça o João Libânio tristonho sugeriu que se levassem umas
sacadas destes crustáceos ao Dr. Jorge Moreira e ao Castro da Mercedes de
Barcelos que estavam de férias em Esposende para ver se “caia alguns trocos” na
algibeira…
A Cândida foi
buscar o seu “Toyota” – carrinho de mão- e encheu-o com centenas de
caranguejos e foi vendê-los porta a porta, tendo passado
pela Havaneza, Berta Bichesa e o António
do Sul que ficaram com umas sacadas de caranguejos para os clientes petiscarem, com umas cervejas cristal a
acompanhar, naquelas tardes de sábado e
domingo, dias de repouso dos pescadores.
Nesse dia, toda a caranguejada foi dada e
vendida tendo a Tininha e o Manel Monção levado um bom quinhão. O Manel, saudoso amigo, foi comê-las ao Marino, bem
cozidinhas e com piri-piri a “chamar” malgas de vinho para apagar o calor…
A Tininha no seu carrinho foi vendê-las a
Palmeira do Faro e a Perelhal, juntamente
com margotas, bodiões, salemas e algumas tremedeiras dadas pelos mestres das
motoras.
O Dimas depois de
ancorar o barco, olhou para o João da
Libânia e disse-lhe:
- Cunhado, tão cedo não irei às
caranguejas antes prefiro ir à isca!
Dimas, sou um
pouco resmungão, mas agora estou de acordo contigo, acrescentou o João da
Libânia, já de regresso a casa…
09 de julho de 2013 -(entrevistas com o João Lemos e
Dimas Miquelino)
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