sexta-feira, 11 de outubro de 2013

CANTINHO DOS LOBOS DO MAR - Caranguejos à “Luz do dia”…

Republicação
Caranguejos à “Luz do dia”…
por Carlos Barros


    O rio Cávado, embora sonolento, despertava e, com  as suas águas límpidas e espelhadas, corria vagarosamente para montante, beijando os juncais, o limo que serpenteava no leito do rio e a bodelha, airosamente dançava, agarrada à penedia que a acorrentava.
   As gaivotas argentíferas espalhavam-se nos areais, atentas ao que se passava à superfície do rio, arregalando os olhos  quando uns peixinhos, ainda alevins, vinham à superfície, provocando pequenas ondulações que se perdiam contra os baixios das “croas”.
    A motora do João Libânio,  “Flor de Esposende” ficou atracada , nesse sábado e a sua tripulação ficou em terra para “arranjar” as redes  contudo,  nesse tempo de penúria social e económica, urgia encontrar meios de subsistência e o Dimas e o João, ainda jovens, eram pescadores muito trabalhadores e não desperdiçavam oportunidades para  pescar no rio ou mar, quando este deixava…
    Em terra também “pescavam” nos quintais onde  abundava a fruta…
    O Dimas –Dimas Sousa Alves Miquelino-e o João da Libânia,- João de Lemos- nessa manhã não foram ao mar e  combinaram uma  pescaria  aos robalos ou aos  negrões que percorriam a  borda  do mar, a umas escassas quatro milhas da costa.
    A embarcação “Luz do Dia”, pertencente ao Tone Fifas -António Pinto de Jesus Nibra- matricula “ES 116 L”, movida por um pequeno e enferrujado motor “Yamaha” de  vinte cavalos, apetrechou-se com uns tremalhos,  já a pedir “aposentação”, vindos de uma  motora  e, na rampa sul, partiu em direção ao mar que estava relaxado na sua imensidão.
    Com a terra a desaparecer do alcance destes porfiados pescadores,  foram lançadas as redes ao mar, e só restava esperar por uns dias para alar os tremalhos na esperança de uma boa pescaria.
    A embarcação navegou, de regresso à terra,  durante  uma hora, aplanando pela  superfície deslizante do mar e sob o olhar de cardumes de cavalas e  negrões que nadavam à tona da água.
   A “Luz do Dia” aportou, pela tardinha, na rampa do sul, com os dois pescadores  animados, perspetivando uma boa pescaria, num regresso ao seio das suas famílias.
  Passados  três dias, os nossos heróis,  pegaram no  barquinho do Tone do Fifas, e com a luz do dia a romper o horizonte, foram alar os tremalhos .
  Já em pleno mar,  as redes  foram aladas, e  milhares de caranguejos, navalheiras  e  algumas santolas “barbudas”,  começaram a entrar no barco e robalos nem vê-los!...
  Meus Deus, que é isto gritava o João para o seu amigo Dimas!
  Estamos desgraçados, isto não dá, nem para a gasolina que gastamos, lamentava  o João da Libânia.
  Maldita hora que viemos para o mar, antes ficássemos na Nazaré a beber umas malgas de vinho, com uns nacos de bacalhau frito, concluía o Dimas, que suava por todos os poros da pele, de tanto puxar pelas redes cheias de “marisco” de terceira.
   Passadas umas breves horas, o barco ficou cheio de caranguejos e a borda da embarcação  estava a  um palmo da superfície das águas e uma breve inclinação era naufrágio pela certa.
  O Dimas, teve que sair do barco no baixio, e empurrou-o cuidadosamente ao longo da restinga de areia sempre “pró“ sul  até à direção da “Casa do Povo”  e, chegado a este ponto de referência, saltou para dentro do barco. Com a vara, o João começou a acionar “o motor” dos músculos e a “Luz do Dia”, atracou na rampa, em frente da casa do sr. Belemino onde o esperava, a Cândida Saganito e a Carmo Fifas esperançadas em vender alguns robalos aos banhistas.
  O Jerones que andava às lagostas nas pocinhas  do matadouro,  veio dar uma ajuda  para desmalhar os caranguejos que não se cansavam de atacar com as suas tenazes serrilhadas as mãos calejadas destes dois amigos.
  O barco mal atracou na rampa, repleta de limo, foi recebido pela Cândida e pela Carmo que ficaram desesperadas perante a mísera  pescaria e desabafaram:
- Meu Deus, quem nos irá comprar estes caranguejos todos?
 Ainda bem que enquanto esperava, peguei numa enxada e num caco e fui à isca e ganhei o dia, com menos trabalho, e fui mais esperta que vocês,  desabafou a Cândida  Saganito para o Dimas e João, de rostos amargurados.
 Coçando a cabeça  o João Libânio  tristonho sugeriu que se levassem umas sacadas destes crustáceos ao Dr. Jorge Moreira e ao Castro da Mercedes de Barcelos que estavam de férias em Esposende para ver se “caia alguns trocos” na algibeira…
  A Cândida foi buscar o seu “Toyota” – carrinho de mão- e encheu-o com centenas de caranguejos  e  foi vendê-los porta a porta, tendo passado pela Havaneza, Berta Bichesa  e o António do Sul que ficaram com umas sacadas de caranguejos para os clientes  petiscarem, com umas cervejas cristal a acompanhar, naquelas tardes de sábado e  domingo, dias de  repouso dos  pescadores.
  Nesse dia, toda a caranguejada foi dada e vendida tendo a Tininha e o Manel Monção levado um bom quinhão. O Manel,  saudoso amigo, foi comê-las ao Marino, bem cozidinhas e com piri-piri a “chamar” malgas de vinho para apagar o calor…
  A Tininha no seu carrinho foi vendê-las a Palmeira do Faro e a Perelhal,  juntamente com margotas, bodiões, salemas e algumas tremedeiras dadas pelos mestres das motoras.
 O Dimas depois de ancorar o barco,  olhou para o João da Libânia e disse-lhe:
- Cunhado, tão cedo não irei  às  caranguejas antes prefiro ir à isca!
 Dimas, sou um pouco resmungão, mas agora estou de acordo contigo, acrescentou o João da Libânia, já de regresso a casa…


09 de julho de 2013 -(entrevistas com o João Lemos e Dimas Miquelino)

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