CANTINHO DOS LOBOS DO MAR por Carlos Barros
“A falsa
goleada….”
Em plena
ribeira, num sábado solarengo, o Pezinho e o Geno depois de tirarem o pilado das redes no paredão,
transportaram-no em gigas, para frente do Salva-vidas, para a secagem porque já estava vendido a uns lavradores de
Palmeira do Faro, e com a tarefa finalizada, combinaram ir a Vila Chã, para assistirem ao Vila Chã-Esposende
para o Torneio Popular inter-freguesias.
O Marrucho, velho amigo, com as suas sobrancelhas peludas e umas suíças a chegarem aos cantos
da boca, tinha convidado estes velhos amigos para o referido jogo e
prometeu-lhes umas malguinhas no bar, caso o Vila Chã ganhasse. E o Marrucho
ainda foi mais longe: prometeu aos manos “Vilas Boas” uma malga por cada golo
que o Vila Chã marcasse ao Esposende!
Os dois
irmãos lá foram a pé até ao alto de Vila
Chã, em direção ao campo do futebol para apoiarem o Esposende-E.S.C. que, nessa altura estava, a participar no
referido torneio popular, no qual participavam várias freguesias do concelho:
Apúlia, Góios, Marinhas, S. P. Antas, Palmeira de Faro…
Por Esposende reinava a calmaria e a ribeira estava
deserta, sem crianças, porque o domingo era para passear, ir à missa e à catequese
e os sapatinhos novos, quem os tinha,
não eram para jogar à bola, para não se
estragarem.
Pelas treze horas, depois de um almoço apressado, os dois irmãos puseram-se a
caminho de Vila Chã, galgando a subida
de S. Lourenço, num passo ritmado e
acelerado porque a secura já estava a apertar a “goela”…
Quando chegaram ao campo pelado do Vila Chã, lá estava o Marrucho à espera dos
convidados que apareceram a suar por todos os poros da pele e valeu-lhes a
boina preta do Pezinho para limpar o
rosto destes dois caminhantes.
Vamos, para começar, beber uma malguinha ao bar,
disse o Marrucho ao Pezinho e ao Geno porque com este calor, morremos de secura…
No balcão de
madeira, decorado com casca de pinheiro e cheirando a resina, duas malgas deslizaram em direcção aos três amigos e
num ápice, o vinho evaporou-se…
Chegada a hora do jogo, o Pezinho, sempre estratega,
propôs uma aposta ao Marrucho.
Marrucho, vamos fazer uma aposta?
Diz lá Pezinho
qual é essa aposta, questionou o
Marrucho com a sua grossa e “arrastada” voz!
O Pezinho
olhou para o Geno, coçou a cabeça e adiantou:
- Por cada golo que o Vila Chã marcar, pagarás uma tigela de vinho, aceitas ou não
Marrucho, perguntou o Pezinho ao seu velho amigo.
O Geno, no canto, do Bar, coçava o nariz e piscava o
olho ao irmão porque antevia uma aposta, quase ganha…
O Marrucho olhou desconfiado para o Pezinho e sem
hesitação respondeu-lhe:
-Nem é tarde, nem é cedo, aceito a proposta…
O jogo tinha começado e gritou-se golo!
Golo de quem, perguntou o Marrucho!
É do Vila Chã.!
O Marrucho
todo contente mandou vir uma rodada para a mesa que logo desapareceu…
Mais um golo! Mais outro golo! Um outro ainda!
São golos do Vila Chã, gritava o Geno que ia
espreitando para o campo quando se gritava golo.
Na realidade,
foram marcados oito golos, mas os sete
foram do Esposende e um do Vila Chã…
O Marrucho depois de pagar as sete rodadas do
saboroso e carrascão vinho tinto, saltava de contente pela “vitória” do Vila
Chã por sete a um, mal ele sabia que o
resultado tinha sido ao contrário! O astuto e cúmplice Geno, para conquistar as malguinhas, falseava o resultado !
O Marrucho, já
à saída do campo saltava de contentamento e de incontida alegria pela “vitória” do Vila Chã,
um resultado histórico conseguido pela sua equipa perante o poderoso Esposende
Sport Clube, filiado na Associação de F. de Braga.
O Juca
que observava a alegria do Marrucho, abeirou-se dele e
perguntou-lhe:
- Porque estás
tão contente Marrucho?
É que o nosso Vila Chã ganhou e logo por sete a
um!...
O Juca surpreendido, chamou pelo Marrucho e
disse-lhe, em voz alta:
O Vila Chã perdeu, mas foi por sete a um!
O que estás a dizer Juca!
É verdade, eu vi o jogo acrescentou o Juca.
Claro, que
sofremos uma grande “capilada” e podiam ser por muitos mais…
Bandidos, o Pezinho e o Geno enganaram-me e beberam sete rodadas de vinho à “minha
conta”, lamentou o Marrucho, com um ar
furioso e ameaçador.
Os dois irmãos já se tinha despedido rapidamente do
Marrucho, antes que este descobrisse a
“marosca”, e já “encharcadinhos”, desceram o S. Lourenço em marcha vertiginosa
em direcção a Esposende e mal chegaram à Vila foram sentar-se no Largo dos
Peixinhos, sobre as frondosas árvores para curtir a “piela”.
O Geraldo, o “De Gaulle” que estava patrulhar o Largo dos Peixinhos, abeirou-se dos manos e
perguntou-lhes porque estavam tão vermelhinhos…
Geraldo
faz-nos um favor?
Claro que faço, se me derem duas croas para uma malguinha na
Nazaré, faço o que vocês quiserem, respondeu prontamente o Geraldo, vestido a rigor com o seu boné de
“almirante”…
Olha, se o
Marrucho aparecer por cá, avisa-nos?
O Geraldo olhou de soslaio para estes seus dois
amigos, coçou o pescoço e desconfiou que cheirava a esturro…
O Geno pôs a mão ao bolso do seu casaco de xadrez e deu, com muito custo, as duas croas ao Geraldo, que tinha ganho na venda de uma dose de isca a um turista de Barcelos, pescador desportivo,
cliente assíduo na lontra, junto à foz do Cávado.
Nessa tarde, o
corpulento Geraldo patrulhou toda a zona limítrofe do Largo dos Peixinhos
e felizmente, para os irmãos Vilas Boas, o Marrucho talvez já muito “entornado”,
não apareceu na vila.
Pela noitinha, o Pezinho e o Geno, levantaram-se dos
bancos ripados do Jardim, já recuperados da longa soneca, dirigiram-se para as suas casas, no Bairro
de S. Vicente Paulo, para comerem o
caldinho e um naco de broa com umas fanecas fritas.
Pelo caminho de regresso a casa, o Geno disse ao seu irmão Pezinho que aquelas
sete malguinhas, já “cá cantavam” mas que tão cedo não iria a Vila Chã….
O Pezinho,
olhou para o mano Geno e deu-lhe um
abraço pela “vitória” conseguida,
concluindo que tinha dado a “volta” ao espevitado Marrucho e ir a Vila Chã, tão cedo, nem pensar…
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