Estávamos
em plena época natalícia e era tempo das férias de Natal, momento para
as grandes aventuras, com a mente destas crianças da ribeira, viradas para o
Pai Natal, presépio e para as saborosas mas,
modestas , prendas no sapatinho.
Nos anos sessenta e setenta, a “rapaziada” da
vila de Esposende, tinha os seus
territórios definidos e eram acérrimos defensores
dos mesmos: o Norte e o Sul. A Central,
a Lagoa e o Jardim, eram “domínios” com
pouca presença “militar” e em momentos “quentes”, distribuíam-se pelo Norte ou pelo Sul.
No
território sulista, imperava o
secretismo porque os “altos comandos”, “O Speedy”, Fernando “O Poupinha”,
Chico Viana, Chico “Manata”, Mário
Trabuqueta e o Gonçalo estavam em reunião, num barraco- Escola Naútica de
Esposende- pertencente ao Quim serralheiro.
O “itinerante” e respeitado Quim Tripas, com a sua armadura em cartão
duro e uma espada em madeira, de cor prateada, mantinham a segurança ao
acampamento. As hostes sulistas receavam
incursões dos nortistas mais belicistas, já que o “renegado” nortista Fernando
Quintino, habitante da “fortaleza de S. Vicente de Paulo”, tinha sido visto a vigiar o acampamento, pelas
“bandas” da casa do Fernandinho e da “Minórica”.
Com “mapas
marítimos”-portulanos, feitos com papel grosso de embrulhar o bacalhau,
e rascunhos, elaborados magistralmente pelo cerebral “Speedy”, traçavam-se planos
de atuação para a grande
“Expansão Marítima” ao rio Cávado, tentando descobrir-se novas
ilhas (torrões no meio do rio) e expulsar as gaivotas e maçaricos que tanto
incómodo causavam a estes ousados
exploradores e navegadores.
Era necessário uma “Nau” e o
Chico Viana, levantou a voz
dizendo que tinha uma em casa, o que criou “suspense” em todos os navegadores
presentes. Em grande correria, o Chico foi a casa, aproveitando a ausência da
mãe, que tinha ido à ribeira estender roupa para corar, e na sua sala estava um grande baú que guardava a roupa
da família.
Sem hesitar, o Chico arrancou, com um martelo enferrujado, as dobradiças do tampo do malão, os pregos voaram contra o estuque da parede, e a improvisada “Nau” foi trazida às costas, para junto dos seus amigos que estavam ansiosamente à espera da prometida embarcação, a “Nau Chiconeta”-Catrineta-.
Sem hesitar, o Chico arrancou, com um martelo enferrujado, as dobradiças do tampo do malão, os pregos voaram contra o estuque da parede, e a improvisada “Nau” foi trazida às costas, para junto dos seus amigos que estavam ansiosamente à espera da prometida embarcação, a “Nau Chiconeta”-Catrineta-.
Quando os “navegadores guerreiros” viram
a barcaça, foi o delírio !
Quem vai ser o Capitão do Barco, questionou o
Mário Trabuqueta, também conhecido por “Faísca”?
O
Gonçalo , gritou :
- Tem de ser o Quim
Tripas que é o mais velho e corajoso e
nada como um peixe !
Meus amigos, é preciso muita corda para prendermos
a “Nau”, apelou o “Speedy” aos seus
subordinados, que estavam a comer umas
uvas “surripiadas “ do campo do Emilinho, na noite anterior.
Passada
meia hora, a rapaziada tinha trazido vários metros de corda necessária para o empreendimento marítimo.
A “Nau”, que tinha sido colocada , junto do
campo do Emilinho, foi levada para o cais sul para os preparativos finais. As
expectativas eram enormes em descobrir “novos
mundos e novas paragens” e cerebral “Speedy”, o “grande Infante D.
Henrique”, mandou prender a “Nau” à extensa corda, cheia de nós, à proa
“quadrada” da embarcação, cujo casco era
de luxo, já que era forrada ou calafatada com couro grosso tornando-a
resistente e impermeável.
Os aparelhos de
navegação limitavam-se, não a um astrolábio improvisado, mas um “quadrante”-
quatro navegadores- que faziam os seus
palpites a “olho nu-”.
O grande “capitão de Mar”, Quim Tripas
descalço, meteu-se dentro da “Nau”,
equilibrando-se, e com a maré a encher, lá foi navegando em direção ao
“desconhecido” ou melhor, aos torrões .
A rapaziada no cais, comandados pelo burguês
mercantil, Trabuqueta, vestido de calça
branca, com fidalguia, ia largando lentamente, a corda até que esta “acabou” e a “Nau” começou a balançar
perigosamente, contra as ondas do “Oceano Cávado” e o inesperado aconteceu: a “Nau
Chiconeta” naufragou e afundou-se na “fossa de Mindanau- poço do
Matadouro- e o Quim Tripas, excelente nadador,
com umas braçadas chegou a terra firme, sendo aplaudido pelos restantes navegadores e guerreiros do clero
esposendense.
Se a
minha mãe descobrir não irei ter prendas, neste Natal, no sapatinho, lamentava o Chico!
Não há problema, disse o ilustre “ Infante
D. Henrique”, amanhã iremos descobrir a “Nau” no fundo do rio, e trazemo-la
para tua casa…
O Chico, nessa noite nem dormiu e a sorte
dele é que a mãe, Elisinha Alves, ainda não tinha, milagrosamente, notado pela falta da tampa do baú .
Pela manhã, o “exército” reuniu, sob o
comando do Quim Tripas, recentemente promovido a “Capitão de Barco” e, com a maré vaza, lá foram para o meio do rio até ao local do naufrágio.
Com tanta sorte, lá estava a “Chiconeta”
enterrada no areal, já cheia de limo e com irões e caranguejas a deleitarem-se sobre o forro de pele, espreguiçando-se, no cavername da
“nau”.
A
“Chiconeta” foi transportada para terra, com o Chico todo sorridente, com a recuperação da faustosa embarcação…
O restante “maralhal” foi para o acampamento
para prepararem as espadas e os cavalos para a guerra Norte-Sul que se
aproximava.
O Zé Alberto dispunha de material de guerra
moderno, como espadas, elmos e armaduras
em folheta zincada, feito na oficina do pai, o que provocava inveja aos seus companheiros combatentes cujo modesto armamento,
era feito de madeira dos caixotes do sabão e de latas das salsichas, como escudos. O exército popular dispunha de
simples arcos e flechas de vime verde e resinoso,
apenas o Armindo “carabina”, dispunha
desse armamento, feitos com varetas de
guarda-chuvas, última tecnologia da moda!
Já em
casa, a Elisinha, mãe do Chico, pela
noitinha chamou-o e disse-lhe:
Que
mala é esta, quem foi que fez isto?
O Chico
abanou a cabeça e tremendo como
“varas verdes” respondeu que nada sabia…
Está
bem, meu menino, desabafou a bondosa
Elisinha, mas eu, nem quero saber mais da história porque senão temos festa
aqui em casa…
O Chico serenou, foi para a cama e dormiu um
sono profundo, sonhando com os grandes
navegadores portugueses e com o grande
Quim Tripas e “Speedy”, o “Infante D. Henrique de Esposende”, que enfrentaram
as sombras das Torres do Ofir- Adamastor-
e as mortíferas vagas do rio Cávado.
Nesse ano de mil novecentos e sessenta e um,
num tempo de paz e harmonia, com o Natal “às portas”, foram declaradas tréguas entre o Norte e o Sul, não
por muito tempo, porque estas crianças aventureiras e irrequietas, precisavam sempre de ação e para elas, parar era
morrer!
CARLOS BARROS
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