Um pescador improvisado…
A motora Torrão, cuja proprietária era a Berta Bichesa, estava em mau estado de conservação e as tábuas do convés estavam um pouco
esburacadas, “dançavam” e “chiavam” debaixo
das galochas dos tripulantes e o cheiro
do gasóleo perfumava todo o porão e convés.
Por esta
motora, passaram inúmeros pescadores:
“Ilhoca”, João Mona-emigrante brasileiro-, Manel Sapateiro-Rosário-, Rogério,
Delfino Fifas, Luisinho, Alfredo Muchacho, Pedro, Zé dos Passos…
O Luisinho era o mestre desta embarcação e com a sua experiência, lá ia fintando a
fúria das ondas do mar, na companhia do assustado Zé Pereira dos Passos-, mais conhecido na
gíria dos pescadores por “Zé Tolo”.
A noite
saudava a tripulação, com o seu “manto de estrelas” e a lua iluminava a
esperança destes combativos e corajosos
pescadores de Esposende.
Era o momento
de largar as redes e algumas “rascas” e todos trabalhavam afincadamente apenas, o Zé passava o tempo a “contar as
estrelas”…
Já em pleno mar, não muito longe da costa, o
Pedro gritava:
Tantos
badejos, estão a monte irmãos!...
O Alfredo Muchacho
olhou para o mar e os badejos serpenteavam à superfície e estavam na “babuja”… Pedro pega na linha e vê se pescas algum, desafiou o
tio Alfredo.
Já com as mãos “traçadas” pela linha de tanto
alar, o Pedro, durante uma hora, nada apanhou perante o desespero do Luisinho e
do João Mona que queriam levar uns badejos para casa.
O Tio Alfredo,
nervoso, “arregaçou” a boina para trás, pegou na “cana do leme” e com uma linha, anzol e isco, pôs na mão do Zé e disse-lhe para pescar, empurrando o Pedro que estava a embaraçar…
Tio Alfredo,
eu não sei pescar, se fosse tirar água da motora e encher umas gigas de
fanecas, agora pescar, lamentava o Zé
perante o ar ameaçador do tio Alfredo!
Pesca e caluda, ameaçou o Tio Alfredo com
cara de poucos amigos.
O Ilhoca
fumava o seu cigarrinho encostado à casa do leme, junto a uma bóia, encimada
com uma bandeirola amarela.
O Pedro
encostado à casa do leme mostrava-se
envergonhado com o seu insucesso na pesca ao badejo…
O Zé começou a pescar, olhando sempre para o Tio
Alfredo que estava com o galheiro na mão
e o peixe começou a mordiscar o anzol e, passada uma hora, sob os olhares do Luisinho e da restante tripulação, o Zé
tinha pescado doze valentes badejos e um deles de quase dois quilos de peso.
Boa Zé, és o
maior confortava-o o tio Delfino Fifas,
todo encasacado, defendendo-se da brisa
fria que se fazia sentir.
O Tio Alfredo abraçou o Zé, todo radiante pela façanha do seu amigo, e olhou de canto para o
Pedro e disse-lhe:
- Não tens
vergonha! Não sei que andas aqui a fazer na motora, eu deveria era despachar-te,
pôr-te a “penates” !
O Zé rejubilava
de contente, mostrando os inúmeros badejos que tinha pescado, reluzentes e
escorregadios que iam deslizando na motora ao “sabor” do baloiçar da ondulação
do mar. Apanhou três cavalas que deram muita luta ao serem aladas e o Rogério
Chana, ainda jovem, teve de dar uma ajudazita ao amigo Zé.
O tio Alfredo,
já no regresso à barra, deu um aperto de mão ao Zé e prometeu-lhe uma
malguinha -vinho com gasosa- na tasca do Coutinho embora o Zé não fosse homem
de beber.
Já com a
motora junto ao cais, tripulada pelo Luisinho, o tio Alfredo,
olhou para o Pedro e desabafou:-
- Não prestas
para nada e se o Zé fosse tolo, como
injustamente, lhe chamam, não pescava tantos badejos e só numa hora!...
O Pedro
envergonhado, ia olhando para a
Capelinha de S. Lourenço, para afagar a tristeza que o invadia…Com tanto azar, ainda escorregou
numa das cavalas e caiu desamparado, batendo com a cabeça no alador.
O Torrão de
regresso ao cais, atracou finalmente pela tardinha e toda a tripulação se dirigiu para as suas casas porque o mar esperava-os no dia seguinte e era preciso
descansar e “acumular “ energias para
novas pescarias.