sábado, 18 de maio de 2013

CANTINHO DOS LOBOS DO MAR

REPUBLICAÇÃO
“Vamos às solhas!...”.


A primavera batera  “às portas” da vila de Esposende e, numa  pujante manhã,  a vida começava a despertar para a faina diária e a “criançada” saltou da cama, atraída pela manhã primaveril que a natureza presenteava, como sempre,  os esposendenses.
 Numa casinha simples, térrea  e acolhedora, a norte de Esposende, perto da igreja matriz, junto ao lavadouro público, a  Rosa peixeira já estava a pé e os filhos- Carlos,  Tone…- já se encontravam bem acordados, pelo “despertador matinal”  que era o chilrear dos tordos e da outra passarada que se tinha instalado, com a sua orquestra, nas palmeiras da casa dos padres.
Vamos rapazes, todos para o tanque lavar a cara e está um belo dia para ir  às solhas,  disse a tia Rosa, já prontinha para  recolher os chicharros e vendê-los, no cantinho das sete moléstias.
 Num ápice o “exército” foi organizado  com o Carlos Bicho, como “general” das tropas, com os seus “soldados,”  Tonho, Tone Bichesa e o Miguéis,” O Azar” e,  todos eles, pegaram  nas redes das solhas (redes do bucho), que estavam no corredor da entrada,  foram para a zona do Hotel Suave-Mar, fazer os “lanços” iniciais.
Quando ia o João Calhandra, o Carlos  Bicho perdia o “posto” e quem comandava as” tropas” era o sr. João, pessoa muito afável e respeitadora.
Estes  jovens  pescadores, sem  apoio do barco, percorriam o rio todo  lés-a-lés, até à ponte de Fão e nas lages, perto desta  ponte, nos torrões, as solhas estavam acamadas, e a rede enchia-se  rapidamente, sendo guardadas num saco grande de linhagem, dado pelo Abílio Coutinho, do seu armazém de cereais.
No rio, a azáfama começava a eclodir e uma vez a rede esticada,  começava-se, a bater no fundo do areal, com as varas,  para as solhas irem ao encontro da rede que as aprisionava.
Estamos todos “partidinhos” queixava-se o “Azar”,  para os seus amigos, todo molhadinho e já cansado de lutar contra a  fria corrente do rio, já que a maré estava a encher.
O Tonho, sempre  a resmungar,  ameaçou que à tarde não viria outra vez às solhas porque  tinha um jogo na ribeira contra o sul e logo “à croa”!...

 O Carlos Bicho deu um grito à rapaziada:
- “Caluda”, seus malandros vamos mas é trabalhar porque a mãe já está com o caldo de farinha  na mesa e nós aqui na moleza…
As solhas foram todas trazidas, de barco, da ponte de Fão para casa, com os sacos recheados e quando a  tia  Rosa viu aquela pescaria desabafou:
-Meus filhinhos, que grande pescaria! Vocês merecem um prémio, pois vou, amanhã, ao  Marino comprar-vos uma bola de futebol e um pião ao Abílio Coutinho !
O Tonho ao ouvir a mãe a falar de bola deu um salto e foi contra  o guarda-louça, que  quase ia  partindo,  uma malga, comprada na louceira.
As solhas foram espalhadas no chão e contaram-se setenta dúzias que foram vendidas à Inocência da Pelada - mãe do Quico, João Careca, Zé Fofó..-, a  vinte e cinco tostões a dúzia.
A tia Inocência ia a Barcelos e a Braga de “caminheta”  vender essas solhas e só regressava a casa, na camioneta do Linhares, pela tardinha, com a algibeira  repleta de notas de vinte escudos e algumas de cinquenta, sem contar com as  muitas moedas que tilintavam ao ritmo largo da passada da tia Inocência.
Nas redes chegavam-se a malhar sáveis e lampreias que eram vendidas à tia Churra- Maria de Saúde Lemos- a cinco croas e esta peixeira deslocava-se muitas vezes, a pé, ao Castelo, pela praia buscar o pescado na sua gamela de madeira,  para vender pelas aldeias, chegando a ir a pé a Barcelos, onde as suas clientes a esperavam.
Estes “famosos pescadores” de solhas chegavam a levar  o João Café e o João Conde com eles para o rio,  e no final da pesca, também levavam o seu “quinhão”.
Estes pescadores quando saíam do rio, estavam sempre à espreita  porque o Lázaro da Delegação Marítima não perdoava a multa que era de cinco croas e quando eram surpreendidos,  fugiam e punham o peixe fora ou escondiam-no no meio das silvas da ribeira. Quando  não iam às solhas, estes corajosos rapazinhos, iam apanhar guita para a pancada do mar que, na altura, dava bom dinheiro: quarenta escudos, o quilo-.
 Essa  “guita”-tipo de algas marinhas- transportada em carrelas, era seca, na ribeira e nos  campos, e vendida ao quilo para fabrico de produtos farmacêuticos e plásticos.
O Romão Miquelino, sempre astuto e aventureiro, ia à ribeira onde a guita estava a secar e “roubava” umas manadas para vender e comprar cigarros que fumava às escondida dos pais e na Páscoa, este “mariola” passeava de cigarro, geralmente provisórios ou definitivos, pelo paredão, longe dos olhares dos amigos que o poderiam denunciar. Era o Romão , “no seu melhor”!... Foi empregado da Nélia e  chegava a deslocar-se de “toiota”—carrinho de mão- ao Ofir, levar grades de cervejas, pirolitos e uns garrafões de vinho e, quando a sede apertava, em pleno Verão, o Romão, à sucapa, com o dedo mindinho,  empurrava o berlinde do pirolito para baixo, e saia uma bufada de gás, e toca a esvaziar um pouco do líquido “alimonado” pela “goela” abaixo.
Ingerido o pirolito, forças físicas eram revigoradas e a viagem tornava-se mais rápida! Os “deuses” não o denunciava mas, que havia reclamações pelos “defeitos” dos pirolitos, era um facto!...
Para além destes pescadores de rio, o tio Zé Pirata era também um pescador de solhas experiente e não gostava nada ver no rio aquela “cambada”  que se fartava de apanhar solhas…
Nesses tempos, o Álvaro Li, Zé Bebado, Tio Cálica e o tio Alfredo Fá também dispunham de  redes de bucho para as  solhas e faziam  boas pescarias.
O  nosso rio Cávado  sustentava famílias de pescadores  que pescavam algum pescado-  solhas em abundância, mujos-erigos, barbos, robalos, sáveis, enguias, “carangueijas” ,  lampreias…- com as  corajosas peixeiras – Tia Churra,  Silvana, pai do Pezinho,  tia Graça, tia Antónia da Galga- a deslocarem-se a pé às aldeias percorrendo  vários quilómetros até  Barcelos, para venderem o peixe. As contas eram feitas com feijões, com processos matemáticos rudimentares mas, rigorosos e o lucro era distribuído no fim das vendas, após  salutares discussões e regateios…Essas peixeiras  eram “economistas” rigorosas  que  deviam fazer inveja aos nossos políticos, dos tempos atuais…
À tarde, o sol convidava a uns mergulhos nas escadinhas  e o  Tonho, Carlos Bicho, Azar e Tone Bichesa, de cuecas , lançavam-se  em voo picado para as águas serenas e amenas do Cávado.  Os “calções de banho” improvisados, eram secos ao sol, sobre as silvas e varais e, posteriormente, os nossos amigos  iam para casa em grande correria,  “comer o jantar”, uns chicharros fritos com batatas cozidas, molhadas com pouco azeite, comprado na mercearia do Coutinho ou na Lucas e umas côdeas de pão de milho.
As lavadeiras,  recolhiam  a roupa que estava a corar sobre a erva e os arames improvisados e  regressavam  às suas casas, muito apressadas porque os filhos esperavam pelo “caldo” e algum “prezigo” milagroso…
Quando os tordos e os “Charréus”, pela tardinha, começavam a  chilrear nas palmeiras da Casa dos Padres, era sinal para  todos irem para a cama, onde dormiam todos juntos,  armazenando novas energias, para  as acostumadas pescarias  às solhas para o dia seguinte.
Chegava o silêncio da noite , a Igreja Matriz silenciava os sinos, o  sacristão ” Biomiro”, alfaiate de profissão, apagava as velas dos altares, fechava as portas da igreja e regressava à sua casa para o justo descanso.
Uma lavandisca perdida na rua, levantava voo para destino incerto, fugindo ao ar frio que começava a atormentar a noite.
Entrevistado: Manuel Carlos Vilas Boas Cardoso
Dia 12 de março de 2013
Peixaria Rosa- 10.30 horas 

3º JANTAR CONVÍVIO do 37º Aniversário da Equipa de Juniores do E.S.C. - Época de 1976/1977


quinta-feira, 16 de maio de 2013

CARLOS BARROS - 6º ANIVERSÁRIO DO FALECIMENTO DE JOSÉ PINTO DE JESUS NIBRA



 O José Pinto de Jesus Nibra, o nosso Zé Nibra-  merece uma menção honrosa neste  sexto aniversário do seu falecimento.
          O Zé Nibra era um abnegado e sábio  pescador, incansável  no rio, mar e terra, tendo  a família  como  centro do seu universo, um marido exemplar, pai dedicado e um avô orgulhoso dos seus netinhos.
            Nas artes de pesca era “professor distinto” e o seu barco “actividade” fez furor na pesca de robalos. Na sua motora “Marco Filipe” tive o prazer, pela primeira vez, de conhecer o mar e recolheu-me ao seu lado, na casa do leme.
Nessa  viagem  marítima, aos confins do desconhecido, dizia-me:
-“Menino , olha sempre p´ra terra para não enjoares”! Nessa viagem “Além –Mar” resisti  e o Zé “Pancas” que me acompanhou,  “largou as tripas” porque feriu esta regra…
           Com arte e desmedida sabedoria  confecionou o massame e velame da catraia “Santa Maria dos Anjos”.
            O meu pai foi  caçador e o Zé Nibra era seu colaborador na passagem de barco para as “croas” e “terrões” na caça  aos patos e maçaricos.
            Em casa da minha ”avó do pão” o Zé  sempre teve o seu quinhão e o meu pai mandava-o para o quintal para apanhar fruta para a família. Para mim, tinha sempre um sorriso, um aceno de simpatia, um sentido de humor distinto e na sua motora, quando ancorado no cais, ele dava-me um espacinho para me deleitar de barriga para cima, apanhando sol, balançando ao sabor das ondas do rio. Era um prazer indescritível, viver este “baloiçar” quando terminava as minhas aulas no Externato Infante Sagres e me aventurava na ribeira, “ornamentada”, com as belas e coloridas motoras, ancoradas no paredão, recuperando “forças” para a próxima maré.
             Era um sono curto,  deliciante e que só acordava  quando a bola corria na ribeira…
            Para o meu amigo Zé Nibra e sua família que muito estimo, aqui deixo este singelo testemunho que nada representa em relação à dimensão humana, social e cultural que ele sempre representou para a classe piscatória de Esposende e  para todos nós,  esposendenses.
CARLOS BARROS