MAX
Alex estava numa de sete cucos.
A mãe andava mais que preocupada e atarefada em arranjar-lhe fato alugado para a Comunhão Solene pois dinheiro era coisa que rareava lá em casa. De resto, poucos dos colegas de doutrina se dariam ao luxo de pôr fatiota nova, à excepção do filho do juiz e de uma ou outra moça filha de lavrante rico lá das redondezas.
Na formação dos gabirus para o retrato da praxe - alinhados à custa de uns penicões do “Fura”- sacristão que vestira a pele de sargento naquele domingo especial - este e aquele miúdo ainda destoava na sua camisolita simples com calça de fioco e a camisa branca estriada do ano anterior.
Pela enésima vez, o fotógrafo batera o “boneco” mas havia sempre algum que cegava ao flash e aquele outro que virava a cabeça para sudoeste, no momento de ficar relembrado para a posteridade. Alex lá se perfilou numa das duas filas de cima, entalado entre o “Cuco” e o Gonçalo, pois este, de tão alto e magricelas, na ponta do banco, fazia de trapezista para não tombar de lado, por qualquer rabanada de vento ou, mais receoso, se o “Atita” fazia músculo, para tentar mostrar o terço e o livrinho da comunhão, em cada mão, à boa maneira bíblica de Aarão. Nas filas de baixo, protegidas, púdicas de virgindade e ancoradas na santa Fé pelo arcipreste, as meninas pavoneavam-se nos seus vestidos de pré- noivas enquanto uma ou outra ia fazendo já olhinhos aos futuros namorados.
- Toca a olhar p’rá qui – berrava o retratista – … um e dois… três!
Mas o dia da Comunhão Solene fora tão só o culminar de horas e horas a fio de catequese, de Domingos e finais de tarde e só os mais assíduos haveriam de decorar todos aqueles credos. Já fora de prazo, ainda era preciso convencer o santo do arcipreste de que o garoto não pudera ir todos aqueles dias pois fora ajudar o pai, ao mar; e o reverendo lá se deixava ir na onda, se entretanto soubessem, ao menos, os Mandamentos da Santa Madre Igreja e, no mínimo, rezar o Acto de Contrição, para se poderem confessar. Após juras daquelas mães zelosas, lá se completou o número certo e necessário. Talvez que estes “últimos fossem os primeiros” aos olhos do Criador.
A catequese para o grande dia era repartida entre o salão por cima da sacristia e a nave da igreja que juntava o tutti para os cânticos da missa da Comunhão. Com a pedaleira do harmónio ao fundo para se sobrepor aos desafinanços dos “Ataus” e dos “Barriganas” que teimavam nos seus baixos rinocerônticos, o arcipreste bem que se esforçava por os fazer abafar nos sopraninos tímbricos das meninas que, essas sim, faziam concorrência ao coral dos Querubins e Serafins, lá nas alturas dos céus, e já estariam até na lista de espera de Santa Cecília, padroeira dos músicos, quando chegasse a hora delas! Desesperado pela barulheira, o bom do padre mandou o seu “sargento-mor” calá-los à força. O “Fura” não se fez rogado e distribuiu mais meia dúzia de croques naqueles contrabaixos inoportunos, que passaram, desde então, a afinar aos soluços, enquanto disfarçavam as lágrimas pelo K.O. técnico.
Quanto aos Mandamentos, Sacramentos e doutrina em geral, a prova dos noves ainda deixava muito a desejar:
- Então diz lá tu, aí ao fundo – inquiria o arcipreste – quem é a Terceira Pessoa da Santíssima Trindade?
Responde o “Faztudo”:
- Num sei, Sr. Arcipreste …
- Não sabes? Vamos lá: Pai, Filho e …Esp….
- Esprito!?
- Valha-te Nosso Senhor Jesus Cristo! Espírito Santo!
Inquirindo outro malandreco, perguntou-lhe pelo “rei” dos apóstolos.
- É S. Paulo!? - Miou um dos “Gatinhos”.
- S. Paulo? Uma paulada merecias tu. De que lado és?
- Sou do sul, Sr. Arcipreste.
- Então, não há na vossa festa uma marcha bonita?
- Ah! É a marcha de S. Pedro!
- Vês como sabes? O “rei” dos apóstolos é então … (?) S. Pedro.
- Aí ao meio, tu, o de cabelo espetado – virando-se para o Rique das Voltas – diz lá os Sacramentos da Santa Madre Igreja.
- 1º Baptismo, 2º Confrimação, 3º‘Caristia, 4º P’nitença, 5º (?) Quinta Unção, 6º Orde e 7º Patrimóne!
Risada geral que só abrandou quando de novo o sacristão distribuiu mais uns tabefes secos à claque camuflada lá atrás, no último banco. Serenada a cambada, o santo do padre continuava o exame final da doutrina. Mudando agora de táctica, perguntava às moças:
- Ora então, diz lá tu, Maria da Luz, qual é o 1º Mandamento da Lei de Deus?
- Adorar um só Deus e amá-lO acima de todas as coisas!
- Muito bem, menina. Vêem rapazes, quem tem vindo à catequese nunca esquece!?
Como podia Alex esquecer também aquela alma de verdadeiro exemplo de caridade cristã que a todos dera já um empurrãozinho para encostá-los à porta do céu? Como não lembrar aquelas traquinices em que a brincar se aprendia o sério da vida e o alimento do espírito, mesmo que com a fraqueza do corpo pela fome de então?
A esta mesma hora, lá no alto, Santa Cecília deverá estar com os mesmos problemas a tentar ensaiar com alguns destes gabirus!...
Alex estava numa de sete cucos.
A mãe andava mais que preocupada e atarefada em arranjar-lhe fato alugado para a Comunhão Solene pois dinheiro era coisa que rareava lá em casa. De resto, poucos dos colegas de doutrina se dariam ao luxo de pôr fatiota nova, à excepção do filho do juiz e de uma ou outra moça filha de lavrante rico lá das redondezas.
Na formação dos gabirus para o retrato da praxe - alinhados à custa de uns penicões do “Fura”- sacristão que vestira a pele de sargento naquele domingo especial - este e aquele miúdo ainda destoava na sua camisolita simples com calça de fioco e a camisa branca estriada do ano anterior.
Pela enésima vez, o fotógrafo batera o “boneco” mas havia sempre algum que cegava ao flash e aquele outro que virava a cabeça para sudoeste, no momento de ficar relembrado para a posteridade. Alex lá se perfilou numa das duas filas de cima, entalado entre o “Cuco” e o Gonçalo, pois este, de tão alto e magricelas, na ponta do banco, fazia de trapezista para não tombar de lado, por qualquer rabanada de vento ou, mais receoso, se o “Atita” fazia músculo, para tentar mostrar o terço e o livrinho da comunhão, em cada mão, à boa maneira bíblica de Aarão. Nas filas de baixo, protegidas, púdicas de virgindade e ancoradas na santa Fé pelo arcipreste, as meninas pavoneavam-se nos seus vestidos de pré- noivas enquanto uma ou outra ia fazendo já olhinhos aos futuros namorados.
- Toca a olhar p’rá qui – berrava o retratista – … um e dois… três!
Mas o dia da Comunhão Solene fora tão só o culminar de horas e horas a fio de catequese, de Domingos e finais de tarde e só os mais assíduos haveriam de decorar todos aqueles credos. Já fora de prazo, ainda era preciso convencer o santo do arcipreste de que o garoto não pudera ir todos aqueles dias pois fora ajudar o pai, ao mar; e o reverendo lá se deixava ir na onda, se entretanto soubessem, ao menos, os Mandamentos da Santa Madre Igreja e, no mínimo, rezar o Acto de Contrição, para se poderem confessar. Após juras daquelas mães zelosas, lá se completou o número certo e necessário. Talvez que estes “últimos fossem os primeiros” aos olhos do Criador.
A catequese para o grande dia era repartida entre o salão por cima da sacristia e a nave da igreja que juntava o tutti para os cânticos da missa da Comunhão. Com a pedaleira do harmónio ao fundo para se sobrepor aos desafinanços dos “Ataus” e dos “Barriganas” que teimavam nos seus baixos rinocerônticos, o arcipreste bem que se esforçava por os fazer abafar nos sopraninos tímbricos das meninas que, essas sim, faziam concorrência ao coral dos Querubins e Serafins, lá nas alturas dos céus, e já estariam até na lista de espera de Santa Cecília, padroeira dos músicos, quando chegasse a hora delas! Desesperado pela barulheira, o bom do padre mandou o seu “sargento-mor” calá-los à força. O “Fura” não se fez rogado e distribuiu mais meia dúzia de croques naqueles contrabaixos inoportunos, que passaram, desde então, a afinar aos soluços, enquanto disfarçavam as lágrimas pelo K.O. técnico.
Quanto aos Mandamentos, Sacramentos e doutrina em geral, a prova dos noves ainda deixava muito a desejar:
- Então diz lá tu, aí ao fundo – inquiria o arcipreste – quem é a Terceira Pessoa da Santíssima Trindade?
Responde o “Faztudo”:
- Num sei, Sr. Arcipreste …
- Não sabes? Vamos lá: Pai, Filho e …Esp….
- Esprito!?
- Valha-te Nosso Senhor Jesus Cristo! Espírito Santo!
Inquirindo outro malandreco, perguntou-lhe pelo “rei” dos apóstolos.
- É S. Paulo!? - Miou um dos “Gatinhos”.
- S. Paulo? Uma paulada merecias tu. De que lado és?
- Sou do sul, Sr. Arcipreste.
- Então, não há na vossa festa uma marcha bonita?
- Ah! É a marcha de S. Pedro!
- Vês como sabes? O “rei” dos apóstolos é então … (?) S. Pedro.
- Aí ao meio, tu, o de cabelo espetado – virando-se para o Rique das Voltas – diz lá os Sacramentos da Santa Madre Igreja.
- 1º Baptismo, 2º Confrimação, 3º‘Caristia, 4º P’nitença, 5º (?) Quinta Unção, 6º Orde e 7º Patrimóne!
Risada geral que só abrandou quando de novo o sacristão distribuiu mais uns tabefes secos à claque camuflada lá atrás, no último banco. Serenada a cambada, o santo do padre continuava o exame final da doutrina. Mudando agora de táctica, perguntava às moças:
- Ora então, diz lá tu, Maria da Luz, qual é o 1º Mandamento da Lei de Deus?
- Adorar um só Deus e amá-lO acima de todas as coisas!
- Muito bem, menina. Vêem rapazes, quem tem vindo à catequese nunca esquece!?
Como podia Alex esquecer também aquela alma de verdadeiro exemplo de caridade cristã que a todos dera já um empurrãozinho para encostá-los à porta do céu? Como não lembrar aquelas traquinices em que a brincar se aprendia o sério da vida e o alimento do espírito, mesmo que com a fraqueza do corpo pela fome de então?
A esta mesma hora, lá no alto, Santa Cecília deverá estar com os mesmos problemas a tentar ensaiar com alguns destes gabirus!...