“ O Trio” na cela…
Alguns jovens,
com os seus quinze aninhos de idade, numa friorenta tarde de dezembro de mil
novecentos e sessenta e oito, época natalícia, filhos legítimos da ribeira,-
Toninho “Zurique”, Santos, Candinho e João Muchacho- estavam a jogar futebol, no caminho
que separava as casas do Bairro de S.
Vicente de Paulo, em plena rua de S. João.
No calor do jogo,
o Ribeirinho acidentalmente, mandou uma bolada ao neto do Li e, depois de muito
alvoroço, o Li -Alfredo Barros Lima, pescador mestre da motora Daniel José-apresentou
queixa no posto da GNR de Esposende, tendo
o processo seguido para o Tribunal já que o Li, teimosamente, não
perdoou ao Ribeirinho, que se tinha “desfeito em mil desculpas”.
Os três amigos, afirmaram, no Tribunal de Esposende, que
não tinham visto nada, contudo o “Caravelha”, como testemunha, tinha dito em
tribunal que eles tinham visto tudo e que
estavam a mentir…
Já dentro do
tribunal, o Candinho começou a espreitar por uma “frincha” da porta da sala de
audiências e, por mero azar, foi visto pelo
“Garcia velho” que ficou possesso e furioso, e de dedo em riste,
virou-se para o Candinho disse-lhe, num tom de voz ameaçador:
Ó seu vadio, vais
para o xadrez e não vai demorar muito tempo…
O Candinho, descalço, tremia “como varas verdes” pois, possuía “cadastro”
uma vez que , já tinha sido
preso, por ser apanhado, a pescar à
lampreia, num dia da estacada e, como castigo, foi condenado a “serviço
comunitário” sendo obrigado a limpar o rio Cávado onde se amontoava o entucho
das cheias. Claro que, o Candinho, não aceitou o castigo e foi parar à cadeia
tendo afirmado que estava melhor preso que a trabalhar para o “tenente”…
O Adão, escrivão
do tribunal, ia registando, na sua velha máquina de escrever “Olímpia”, todos
os pormenores da ocorrência, organizando o processo para o veredicto final.
Depois da audição
final, a mandato do juíz, os três ribeirenses foram conduzidos, pelo sr.
António carcereiro, para a prisão, por terem mentido.
Estiveram presos
durante dois dias e duas noites e na friorenta cela, o Muchacho começou a
chorar, dizendo que não queria morrer!
O Santos,
passava o tempo a cantar o fado para se distrair e a Laura do Roto, que tinha
uma loja perto da cadeia, foi fazer queixa ao carcereiro, senhor António, pai
do Manel Maria da Ritinha Padeira porque não conseguia dormir com tanta
barulheira. O trio foi avisado pelo senhor António mas, a irreverência era
“fogo que não se apagava” com facilidade…
O Santos, continuou
a cantar o fado mais baixinho e parecia um pintassilgo a cantar e a “dobrar”,
ajudado pelo Muchacho! Este amigo desesperado, certo dia, pegou numa vassoura e
queria “matar” o carcereiro porém, o Santos
tirou-a das mãos para não agravar a
situação penal... O João Muchacho ia resmungando para as paredes da cela
e passava o dia a dormir, curtindo as mágoas…
O Candinho que
se encontrava deitado no colchão “pulguento” da cela propôs aos amigos, para
que no dia trinta e um fossem pôr o “Ano Velho Fora” pois, tinha uma carrela,
uma japona do pai e um “sueste” do tio Geno.
O Santos olhou de
soslaio para o amigo e respondeu-lhe prontamente:
O Pai do Santos,
senhor Delfino, junto à lareira de casa, estava à espera do seu filho, para ir
ao mar na Motora, e começou a ficar
preocupado com a sua longa ausência. A senhora Maria Fifas, mãe do Santos,
sentada num carunchoso banco, rezava pela sorte do filhinho que já lhe tinha
pregado muitas partidas e precisava dele para apanhar isca porque tinha uns
banhistas, seus clientes, que vinham aos sábados buscar as suas doses de isca
para pescarem no cais “bilhano” onde as “pintas” estavam a “monte”...
Passadas umas
horas, veio a saber pela “Maranhona” que o seu filho Santos estava preso.
Foi, de imediato, falar com o carcereiro que
lhe disse que o filho realmente estava preso e tinha levado dois dias de prisão
assim como o Candinho Gaivota e o João Muchacho. O Toninho “Zurique” tinha sido
multado e escapara à prisão, por sorte dele!...
Entretando, o
Alfredo Muchacho, pai do João, ao saber da notícia pelo “Caravelha” deslocou-se
à prisão e foi falar com o carcereiro que lhe disse :
- Posso libertar o João, tio Alfredo, umas horas antes …
Não preciso de
favores, respondeu de imediato o Alfredo Muchacho, pois esse vadio vai cumprir
os dois dias e “mais nada”…
Pela noitinha, os
três “artistas” foram soltos e, envergonhados, correram pela ribeira, e só
pararam na Nélia para beberem uns suminhos a “meias” mas, o que eles queriam
era ver a Branquinha de Vila Cova, a esbelta criada do Manel da Nélia…
Neste período natalício,
a Nélia tinha as mesas e os balcões cheios de bolos de rei e muitas outras
guloseimas: uvas passas, nozes, pinhões, figos de mel, frutas cristalizadas,
chocolates…
Estes três
“mosqueteiros” ficaram felizes por terem visto a Branquinha, com o seu avental
folheado e a sua touca rendilhada, mas, perante os olhares ameaçadores do Manel
da Nélia, que já os conhecia como “engatatões”, pagaram a despesa e foram para
as suas casas porque tinham de ir para o mar, às cinco horas da manhã e o sono
atormentava-os…
"Cantinho dos
lobos do Mar"
NOTA:
Isto aconteceu em 1967/68 (?)
História contada, no dia 17 de Setembro de 2014 pelo
Santos Coutinho, Candido V.Boas e João Muchacho, junto à lota e Esposende pelas
11 horas da manhã.
CMLB