Uma rampa fatídica...
Alfredo de Sousa Costa, mais conhecido popularmente, por Alfredo da Mouca,
foi carpinteiro de profissão, nasceu no longevo ano de 1910, data histórica da
implantação da República Portuguesa, tendo emigrado para o Brasil a 19 de maio de 1952, onde residia na Rua
Monte Alverne – 21 (dados fornecidos pelo Consul Geral da República Portuguesa
no Brasil)
Esteve embarcado no Navio de Fio – Brasil - tendo tirado o passaporte
nesse mesmo ano de 1952 para permanecer no “País Irmão”.
Trabalhou em terras brasileiras durante sete anos para sustentar a
família tendo regressado mais tarde, ao “seu” Esposende.
A sua esposa Laurinda Augusta de Barros, falecida no dia 27 de Dezembro
de 2001, teve de “criar” os seus filhos,
numa sociedade em que se vivia com extremas carências a todos os níveis e
Esposende não podia fugir à regra…
De regresso das “Terras de Vera Cruz”, dedicou-se à pesca em Esposende,
andou no barco “Três Marias” e na Motora do Carvalhal- “Candelárias” e,com o seu trabalho, conseguiu arranjar pecúlio
financeiro para apoiar, ao longo dos anos, a sua numerosa família constituída por 11
filhos – 3 rapazes e 8 raparigas- .
O tio Alfredo tinha comprado o barco “Mar Sagrado” que era do Américo de
Gandra e lançou-se na faina
piscatória, sendo um bom pescador,
embora de personalidade um pouco ríspida mas, era um homem muito correto e
respeitador.
Da campanha do seu barco faziam parte o Eduardo Costa, Tio Tuta, João
Mona, Zé Loureiro, Fofó e Manuel Costa, pescadores experientes embora alguns
fossem jovens e com poucas vivências das
irreverências do pérfido mar.
Tio Alfredo do Mouco frequentava, no seu tempo de lazer, a mercearia/armazém/tasco do AbilioCurvão ,
no Largo Rodrigues Sampaio e no inverno com
o mar ”a mais” , “mar cão” ou ” picado”, os pescadores ficavam em terra, sendo
o local de convívio os tascos e em Esposende existiam alguns: Lucas, Barrigana, Berta Bichesa, António do Sul, Lininha Patela, Zezinha, Abílio Coutinho, Nazaré, Mário Casais, Zip Zip entre outros.
Um dia, o Carlinhos da Jandira estava de serviço ao balcão do tasco do
seu tio Abílio Coutinho, servindo as malguinhas ou tigelas de vinho aos clientes
habituais e o tio Rogério, era um desses habituais clientes. Numa tardinha
friorenta, o Rogério estava junto aos sacos de milho que se amontoavam no
armazém, fora do balcão e olhou para o
Alfredo do Mouco que, acabara de entrar no tasco e, após breve saudação,
desafiou-o para uma aposta:
Alfredo, queres apostar que pego pelas orelhas deste saco de milho, com os dentes e levanto-o no ar?
O tio Alfredo começou a coçar a cabeça e duvidou da força dental do Rogério e, pensando, por
breves segundos, aceitou a aposta e quem
perdesse, acrescentou ele, pagaria duas
tigelas de vinho.
O Lourenço, homem de recados, preparava-se para levar umas encomendas,
vindas dos autocarros da “Viúva”, à Farmácia Monteiro e olhou, através dos seus
óculos muito graduados, para os dois apostadores, de uma forma expectante.
O Tio Rogério, pleno de energia, fez “ginástica aos maxilares” dirigiu-se para o saco, todo confiante e
abocanhou umas das orelhas da
serapilheira e levantou o saco, uns dez
centímetros acima do cimentado e
frio chão da loja.
O tio Alfredo atónito e cabisbaixo,
aceitou a derrota e, como homem honesto
mandou o Carlinhos pôr duas malgas de vinho para o Rogério que, num
ápice, as bebeu, para não
“arrefecerem”, como habitualmente dizia.
Abílio põe no rol estas duas malguinhas que amanhã venho pagá-las, pediu
o tio Alfredo, ao Coutinho.
Como homem honesto, no dia seguinte, pelas 15 horas o tio Alfredo lá foi
pagar as malguinhas e a dívida foi "riscada" do “livro dos assentos” ou
“borrão”.
O tio Alfredo nunca ia para o mar,
sem primeiro o observar, e isso dava-lhe
sorte, confessava ele aos seus amigos da faina e chegava a subir, em manhãs
invernosas, por umas escadinhas da “torre de vigia”, uma estrutura de ferro enferrujada pelo tempo,
para verificar as condições do mar. Essa “torre” estava colocada num local estratégico,
junto da casa do senhor Adelino Torres, no Largo Rodrigues Sampaio e dispunha
de uma robusta base de cimento, como
alicerce.
No dia 2 de agosto de 1967, o tio
Alfredo ia na sua motorizada, buscar combustível para o motor do barco que tinha
sido reparado por um técnico de Matosinhos e na subida da rampa da Rua Vasco da
Gama, consumou-se uma tragédia: uma camioneta que ia para a Festa da Agonia, de
Viana do Castelo colidiu com a motorizada, cujo motor tinha avariado, e a
tragédia consumou-se e atropelou mortalmente este infortunado esposendense.
Esposende “vestiu-se de luto” e
aquela respeitável família ficou com dificuldades económicas mas, a
solidariedade, palavra tão “deliciosa e humana” quando praticada, garantiu a
sobrevivência dos filhos do Tio Alfredo e todos felizmente, singraram na vida, tornando-se cidadãos
respeitáveis.
A classe piscatória não se esquecerá do Tio Alfredo do Mouco muito menos
o Carlinhos da Jandira que teve uma grande convivência, na loja/armazém doAbilioCurvão,
onde no Inverno, quando o mar era agreste ou “mar cão” e não aceitava os
pescadores no seu regaço, o tio Alfredo
ia beber a sua tigelinha de vinho e comer umas iscas de bacalhau feitas pela
tia Alice.
O tempo não apaga da sua memória, os homens bons e o tio Alfredo era um
desses ilustres esposendenses.
Neste dia 19 de agosto de 2022, ano das Comemorações dos 450 anos da elevação
de Esposende a Vila e a Concelho e na semana das Festas da Agonia, dedico
este texto à família do malogrado e saudoso senhor Alfredo do Mouco
Carlos Manuel de Lima Barros
Esposende, 19
de agosto de 2022
C.M.L.B.