segunda-feira, 22 de agosto de 2022

CANTINHO DOS LOBOS DO MAR por Carlos Barros

Uma rampa fatídica...

Alfredo de Sousa Costa, mais conhecido popularmente, por Alfredo da Mouca, foi carpinteiro de profissão, nasceu no longevo ano de 1910, data histórica da implantação da República Portuguesa, tendo emigrado para o Brasil a 19 de maio de 1952, onde residia na Rua Monte Alverne – 21 (dados fornecidos pelo Consul Geral da República Portuguesa no Brasil) 

Esteve embarcado no Navio de Fio – Brasil - tendo tirado o passaporte nesse mesmo ano de 1952 para permanecer no “País Irmão”.

Trabalhou em terras brasileiras durante sete anos para sustentar a família tendo regressado mais tarde, ao “seu”  Esposende.

A sua esposa Laurinda Augusta de Barros, falecida no dia 27 de Dezembro de 2001, teve de  “criar” os seus filhos, numa sociedade em que se vivia com extremas carências a todos os níveis e Esposende não podia fugir à regra…

De regresso das “Terras de Vera Cruz”, dedicou-se à pesca em Esposende, andou no barco “Três Marias” e na Motora do Carvalhal- “Candelárias” e,com  o seu trabalho, conseguiu arranjar pecúlio financeiro para apoiar, ao longo dos anos,  a sua numerosa família constituída por 11 filhos – 3 rapazes e 8 raparigas- .

O tio Alfredo tinha comprado o barco “Mar Sagrado” que era do Américo de Gandra e  lançou-se na faina piscatória,  sendo um bom pescador, embora de personalidade um pouco ríspida mas, era um homem muito correto e respeitador.

Da campanha do seu barco faziam parte o Eduardo Costa, Tio Tuta, João Mona, Zé Loureiro, Fofó e Manuel Costa, pescadores experientes embora alguns fossem jovens e com poucas vivências  das irreverências do pérfido mar.

Tio Alfredo do Mouco frequentava, no seu tempo de lazer,  a mercearia/armazém/tasco do AbilioCurvão , no Largo Rodrigues Sampaio e  no inverno com o mar ”a mais” , “mar cão” ou ” picado”, os pescadores ficavam em terra, sendo o local de convívio os tascos e em Esposende existiam alguns:  Lucas, Barrigana, Berta Bichesa,  António do Sul,  Lininha Patela,  Zezinha, Abílio Coutinho, Nazaré, Mário Casais, Zip Zip entre outros.

Um dia, o Carlinhos da Jandira estava de serviço ao balcão do tasco do seu tio Abílio Coutinho, servindo as malguinhas ou tigelas de vinho aos clientes habituais e o tio Rogério, era um desses habituais clientes. Numa tardinha friorenta, o Rogério estava junto aos sacos de milho que se amontoavam no armazém,  fora do balcão e olhou para o Alfredo do Mouco que, acabara de entrar no tasco e, após breve saudação, desafiou-o para uma aposta:

Alfredo, queres apostar que pego pelas orelhas deste saco de  milho, com os dentes e levanto-o no ar?

O tio Alfredo começou a coçar a cabeça e duvidou  da força dental do Rogério e, pensando, por breves  segundos, aceitou a aposta e quem perdesse, acrescentou ele,  pagaria duas tigelas de vinho.

O Lourenço, homem de recados, preparava-se para levar umas encomendas, vindas dos autocarros da “Viúva”, à Farmácia Monteiro e olhou, através dos seus óculos muito graduados, para os dois apostadores, de uma forma expectante.

O Tio Rogério, pleno de energia, fez “ginástica aos maxilares”  dirigiu-se para o saco, todo confiante e abocanhou  umas das orelhas da serapilheira e levantou o saco, uns dez  centímetros acima do  cimentado e frio chão da loja.

O tio Alfredo atónito e cabisbaixo, aceitou a derrota e, como homem honesto  mandou o Carlinhos pôr duas malgas de vinho para o Rogério que, num ápice,  as bebeu, para não “arrefecerem”, como habitualmente dizia.

Abílio põe no rol estas duas malguinhas que amanhã venho pagá-las, pediu o tio Alfredo, ao Coutinho.

Como homem honesto, no dia seguinte, pelas 15 horas o tio Alfredo lá foi pagar as malguinhas e a dívida foi "riscada" do “livro dos assentos” ou “borrão”.

O tio Alfredo nunca ia para o  mar, sem  primeiro o observar, e isso dava-lhe sorte, confessava ele aos seus amigos da faina e chegava a subir, em manhãs invernosas, por umas escadinhas da “torre de vigia”, uma  estrutura de ferro enferrujada pelo tempo, para verificar as condições do mar. Essa “torre” estava colocada num local estratégico, junto da casa do senhor Adelino Torres, no Largo Rodrigues Sampaio e dispunha de uma robusta  base de cimento, como alicerce.

 No dia 2 de agosto de 1967, o tio Alfredo ia na sua motorizada, buscar combustível para o motor do barco que tinha sido reparado por um técnico de Matosinhos e na subida da rampa da Rua Vasco da Gama, consumou-se uma tragédia: uma camioneta que ia para a Festa da Agonia, de Viana do Castelo colidiu com a motorizada, cujo motor tinha avariado, e a tragédia consumou-se e atropelou mortalmente este infortunado esposendense.

 Esposende “vestiu-se de luto” e aquela respeitável família ficou com dificuldades económicas mas, a solidariedade, palavra tão “deliciosa e humana” quando praticada, garantiu a sobrevivência dos filhos do Tio Alfredo e todos felizmente,  singraram na vida, tornando-se cidadãos respeitáveis.

A classe piscatória não se esquecerá do Tio Alfredo do Mouco muito menos o Carlinhos da Jandira que teve uma grande convivência, na loja/armazém doAbilioCurvão, onde no Inverno, quando o mar era agreste ou “mar cão” e não aceitava os pescadores no seu  regaço, o tio Alfredo ia beber a sua tigelinha de vinho e comer umas iscas de bacalhau feitas pela tia Alice.

O tempo não apaga da sua memória, os homens bons e o tio Alfredo era um desses ilustres esposendenses.

Neste dia 19 de agosto de 2022, ano das Comemorações dos 450 anos da elevação de Esposende a Vila e a  Concelho e na semana das Festas da Agonia, dedico este texto à família do malogrado e saudoso senhor Alfredo do Mouco

 Carlos Manuel de Lima Barros

Esposende, 19 de agosto de 2022

C.M.L.B.