A Inha…
Registo: "Estórias” da
Guiné
A cabrinha INHA:
Os militares da 2ª Companhia de Nova
Sintra, com reforços de pelotões de Jabadá/Fulacunda, estiveram envolvidos na
abertura da estrada Nova-Sintra –Fulacunda,
em 1973.
Ao rasgar essa estrada, por entre mato denso, iriamos ter problemas com o
inimigo, o que se veio a verificar já que fomos emboscados algumas vezes,
tentando obstruir a nossa progressão porque esse acesso a Fulacunda não
interessava militarmente ao PAIGC.
O
furriel Barros estava com o seu grupo de combate na segurança da estrada, com
outro grupo, e estavam homens e mulheres africanas envolvidas na descapinagem
do estradão.
Verifiquei, por mero acaso, que uma
indígena tinha apanhado uma cabrinha à mão que se tinha perdido da mãe e
perguntei-lhe o que iria fazer com o animal. Prontamente me respondeu, dizendo
que a ia matar e depois comê-la!
Abeirei-me dela e pedi que ma vendesse por
50 pesos, o que concordou perante a minha alegria, vendo que o animal não seria
morto.
No regresso ao destacamento, trouxe a cabrinha para o quartel, arranjei e
adaptei um biberão e comprava leite na cantina e assim a Inha era alimentada
por mim com todo o carinho e protecção.
Foi crescendo, dormia debaixo da minha
cama na caserna e na parada do destacamento seguia-me para todo o lado.
O Capitão Cirne, queria comprar a Inha mas
confesso, que não a vendia por dinheiro nenhum porque gostava muito do animal.
A cabrinha era acarinhada pelos soldados do meu
grupo, sendo a coqueluche da companhia e passeava por todo o lado, sem
ninguém a molestar.
Tinha chegado a hora do jantar e quando
começávamos a comer o arroz com salsichas, vieram os soldados Cruz, Barros e
Lurdes à messe e um deles disse-me:
- A INHA “adormeceu”…
Levantei-me a correr para a caserna e
encontrei já morta a minha INHA, perante o meu desgosto…
O que aconteceu?
Um dos soldado deu-lhe cascas de manga e
provavelmente, teve uma congestão já que só se alimentava de leite e não vi
outra razão…
Perdi a vontade de jantar e peguei na
cabrinha, enterrei-a junto à caserna e depois coloquei uma cruz com uma lápide
com os dizeres:
-
“Aqui jaz a INHA”…
Foi um dia triste para mim e para os meus
companheiros do pelotão e, nesse mesmo dia, morreu à mesma hora, uma gazela
selvagem que tinha sido apanhada pelos militares e que se encontrava num
galinheiro-“Gazeleiro”- improvisado….Triste coincidência…
Nunca mais desejei nenhum animal comigo,
já que eles querem viver em liberdade,
como todos nós, seres humanos que, felizmente, só a conseguimos obtê-la no dia
25 de Abril de 1974.
Contei esta “estória” real, aos meus
alunos de Asnela e Teixugueiras-Riodouro- entre muitas outras, contudo, evitei dar
a conhecer as “atrocidades”, a violência e o sofrimento que todos nós,
ex-militares, fomos vítimas sempre sonhando, com a indómita esperança do fim da
“Guerra Colonial”, desiderato conseguido no dia 25 de abril de 1974
Carlos
Manuel de Lima Barros
(ex-combatente do
BART 6520-2ª CART- Guiné 1972/74-24
meses e 48 dias de Guiné)