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sexta-feira, 22 de abril de 2022

"Estórias” da Guiné

 A Inha…

Registo: "Estórias” da Guiné

A cabrinha INHA: 

        Os militares da 2ª Companhia de Nova Sintra, com reforços de pelotões de Jabadá/Fulacunda, estiveram envolvidos na abertura da estrada Nova-Sintra –Fulacunda,  em 1973. 

      Ao rasgar essa estrada, por entre  mato denso, iriamos ter problemas com o inimigo, o que se veio a verificar já que fomos emboscados algumas vezes, tentando obstruir a nossa progressão porque esse acesso a Fulacunda não interessava militarmente ao PAIGC.

     O furriel Barros estava com o seu grupo de combate na segurança da estrada, com outro grupo, e estavam homens e mulheres africanas envolvidas na descapinagem do estradão.

 Verifiquei, por mero acaso, que uma indígena tinha apanhado uma cabrinha à mão que se tinha perdido da mãe e perguntei-lhe o que iria fazer com o animal. Prontamente me respondeu, dizendo que a ia matar e depois comê-la!

 Abeirei-me dela e pedi que ma vendesse por 50 pesos, o que concordou perante a minha alegria, vendo que o animal não seria morto.

 No regresso ao destacamento,  trouxe a cabrinha para o quartel, arranjei e adaptei um biberão e comprava leite na cantina e assim a Inha era alimentada por mim com todo o carinho e protecção.

Foi crescendo, dormia debaixo da minha cama na caserna e na parada do destacamento seguia-me para todo o lado.

O Capitão Cirne, queria comprar a Inha mas confesso, que não a vendia por dinheiro nenhum porque gostava muito do animal. A cabrinha era acarinhada pelos soldados do meu  grupo, sendo a coqueluche da companhia e passeava por todo o lado, sem ninguém a molestar.

Tinha chegado a hora do jantar e quando começávamos a comer o arroz com salsichas, vieram os soldados Cruz, Barros e Lurdes à messe e um deles disse-me:

- A INHA “adormeceu”…

Levantei-me a correr para a caserna e encontrei já morta a minha INHA, perante o meu desgosto…

O que aconteceu?

Um dos soldado deu-lhe cascas de manga e provavelmente, teve uma congestão já que só se alimentava de leite e não vi outra razão…

Perdi a vontade de jantar e peguei na cabrinha, enterrei-a junto à caserna e depois coloquei uma cruz com uma lápide com os dizeres:

- “Aqui jaz a INHA”…

Foi um dia triste para mim e para os meus companheiros do pelotão e, nesse mesmo dia, morreu à mesma hora, uma gazela selvagem que tinha sido apanhada pelos militares e que se encontrava num galinheiro-“Gazeleiro”- improvisado….Triste coincidência…

Nunca mais desejei nenhum animal comigo, já que eles querem viver em liberdade, como todos nós, seres humanos que, felizmente, só a conseguimos obtê-la no dia 25 de Abril de 1974.

Contei esta “estória” real, aos meus alunos de Asnela e Teixugueiras-Riodouro- entre muitas outras, contudo, evitei dar a conhecer as “atrocidades”, a violência e o sofrimento que todos nós, ex-militares, fomos vítimas sempre sonhando, com a indómita esperança do fim da “Guerra Colonial”, desiderato conseguido no dia 25 de abril de 1974

 Nova Sintra, 22  abril de 1973

    Carlos Manuel de Lima Barros

(ex-combatente do BART  6520-2ª CART- Guiné 1972/74-24 meses e 48 dias de Guiné)

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