A manhã esbracejava-se e o som da “babuja” do mar ecoava na imensidão da ribeira, despertando alguns tordos e “charréus” que dormitavam no seio das silvas e junto às raízes dos juncos, perfumados com translúcidas gotículas de orvalho. O manto que cobria a ribeira encolhia-se de frio perante a aragem gélida que circulava, em ritmo lento, sobre a sua superfície.
Estávamos em mil novecentos e oitenta e seis, um ano em que o mar andava bravo e os pescadores ficavam em terra, passando o tempo nas tascas, em franco convívio, sempre com as malguinhas e tigelas ao lado deles….
O relógio da Igreja Matriz marcava cinco horas matinais e logo as sonoras pancadas dos sinos, acordaram os pescadores do sul, que rapidamente se equiparam, com agasalhos quentes, em direcção à rampa do cais, para mais uma jornada piscatória.
Com o Dimas a dormir, o João Paquete, pescador arguto, inteligente e bem falante, chamou à pressa o sobrinho Tone, para preparar as “artes” para mais uma pescaria no mar. Com os baús nas mãos, preparados pela Laura Paquete, lá foram estes ousados pescadores para a catraia que estava ancorada no cais que baloiçava impulsionada pela pequena ondulação que se fazia sentir.
A embarcação partiu do cais, a remos, em direcção à barra, a velocidade de cruzeiro já que as remadelas eram lentas embora ritmadas pelos musculosos braços e calejadas mãos destes pescadores. Chegada à barra, a catraia entrou no mar, perante ondas sempre agressivas e perigosas e percorrida meia–milha marítima, foram lançadas as linhas das fanecas para as entranhas do mar cuja superfície se mostrava de um azul celeste reluzente e acolhedor .
De regresso a terra, o Tone Paquete, já com as linhas lançadas, gritou para o tio:
Tio, que grande tronco de árvore vai ali sair da barra!
Cala-te Tone, aquilo é um congro “taludo” e estamos ricos sobrinho!...
O Tone pega no bicheiro, que estava na proa e lança-o sobre o congro que nadava num serpentear lento, sem a vivacidade habitual…
O congro sentiu-se cravado e num, safanão forte, livrou-se dos anzóis perante o desespero dos Paquetes.