Um fadista amachucado…
Por CARLOS BARROS
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Foto: FR |
Na
década de oitenta, muitos pescadores de Esposende, deslocavam-se para longas
paragens, indo pescar para mares mais
ricos em peixes, levando as suas motoras para Sagres, Sines, Vila Nova de Mil Fontes onde
conseguiam obter maiores proventos
económicos na sua atividade piscatória, o que não conseguiam em Esposende
porque a barra era “madrasta”.
Foi
o caso da traineira “Flor de Esposende”,
recheada de experientes pescadores: João Muchacho, Dimas Paquete, David Curico,
João Libânio, Tone Pirata e Domingos da Galga,
que se deslocou para Sagres onde abundava o peixe: tamboril, peixe ruivo, corvinas, robalo, rascasso….
O
sr. Domingos Moina, era o fadista
da tripulação e cantava o fado como um rouxinol e certo dia, teve uma queda no porão e ficou com uma
grande mancha na nádega, torcendo-se com dores e não parava de gritar.
O Muchacho, sempre solidário, levou
o amigo Domingos para o beliche da motora,
onde o espaço escasseava e começou a fazer umas massagens na zona
dorida. Com os seus toques de massagista, o Muchacho deu-lhe, propositadamente,
uma pancada mais forte que o tio
Domingos, desesperado com dores, bateu com a cabeça nas tábuas da cabeceira do
beliche, ficando com um grande “galo” na cabeça.
O
velho Domingos não parava de gritar e com mais uma “porrada” forte do João
Muchacho na zona negra da nádega, o acidentado lançou um novo e lancinante grito e bateu com a outra parte da cabeça nas
tábuas e mais um galo na testa do tio Domingos da Galga que não parava de
barafustar contra aquele massagista de “meia tigela” que era o João Muchacho.
A traineira “Flor de Esposende” atracou no cais em Sagres, após a largada das
redes no mar, e a tripulação começou a sair da motora, sendo o último, o tio Domingos
da Galga que cambaleando e com as mãos na cabeça, lá ia segurando os galos
feitos pelo “artesão” Muchacho.
Era
um dia de Verão e na vila de Sagres estavam muitos turistas e o João Muchacho
teve uma ideia genial: organizou uma sessão de fados ao ar livre, sendo o Domingos Moina o fadista que, por sinal,
tinha uma bela voz.
O
fadista, já com a dor controlada dos galos do “Muchacho” começou a cantar e
aquela gente que ocasionalmente passava na praceta, não longe do paredão, onde
estava toda a tripulação Flor de
Esposende, começou a aglomerar-se e o João Muchacho não perdeu a ocasião e
pegou no boné, cheio de escamas de peixe, “langanho” dos congros e começou a
fazer um peditório e as pessoas foram às suas carteiras e em pouco tempo,
juntou-se muito dinheiro perante a alegria do Tone Paquete, do David Curico e
dos demais amigos.
O
Fadista não parava de cantar e as moedas continuavam a cair no boné e o João
Libânio incitava o Domingos a cantar mais, para juntar mais umas moedinhas,
apoiado pelo Dimas que esfregava as mãos de contente enquanto que o Bertinho
ferrava os dentes de entusiasmo e o Tone
Pirata saltava como um “macaco” de alegria com tantas moedas que continuavam a tilintar.
Já
com a garganta seca, o amigo Domingos Moina, cansou-se e mesmo incitado pelo
David Curico e João Muchacho, não podia
mais e só se imaginava numa tasca a
beber umas valentes malgas para acabar
com aquela maldita “secura” no garganil!
O
João Muchacho, com as moedas e notas, bem presas no boné, levantou a voz e deu
por acabado o espetáculo perante inúmeras palmas dos assistentes que não se
cansavam de aplaudir o grande fadista Domingos Moina que já suava por todos os
poros da pele, nunca mais se lembrando dos “galos” oferecidos pelo Muchacho…
No
final, a tripulação da “Flor de Esposende” foi toda em direção
à tasca e mandaram vir umas malgas de vinho tinto, acompanhadas com bacalhau
frito e umas iscas e permaneceram lá
durante duas horitas, tendo o Tone Pirata bebido mais que os restantes amigos.
As malgas de vinho pareciam que voavam… O Tasqueiro trabalhou
mais nesta parte da tarde, a dar de beber a estes sequiosos esposendenses, que
durante a semana toda, afirmando que
esta gente de Esposende bebiam como “camelos”…
As
moedas recolhidas pelo João Muchacho deu para pagar toda a despesa e ainda
sobrou para comprar uns cigarros, mais baratinhos, “Três Vinte” e “Provisórios” para o Tone
Paquete e Domingos fadista enquanto que o David Curico, ficou mais caro, porque só fumava cigarros com filtro: SG Ventil ou Estoril.
Com
as redes “largadas”, durante a noite, a tripulação da “Flor de Esposende” teve um final de tarde muito feliz e na tasca,
já com uns copos entornados, o Domingos Moina, cantou mais uns fadinhos mas, a
letra estava toda “embaralhada” e a
confusão da música levou a que todos regressassem
às suas ”casas”- porão da motora- porque todos tinham de se levantar cedinho
para alar as redes, durante a noite que
se previa friorenta.
Às
duas horas da manhã, estes corajosos pescadores estavam todos a pé, em direção
às motoras que estavam ancoradas no cais e lá partiram, numa manhã serena e com
o luar ainda a despontar, todos alegres e sorridentes com o Domingos Moina na casa do Leme a entoar uns fadinhos,
mas em silêncio porque a voz não dava para mais…
História contada pelo João Muchacho, no dia
20 de fevereiro, pelas 11 horas da manhã, junto ao Bairro Sucupira-Esposende.