Cantinho dos "Lobos do Mar "
Era uma manhã serena, dia seis de dezembro de mil novecentos e
oitenta e quatro, com uma ténue névoa
afagando a superfície do mar, um
pouco agitado com um vento “roçando “ao tempestuoso
com bandos de gaivotas esventrando os ares, anunciando mau tempo.
Os barcos de pesca de
Esposende, várias motoras e traineiras, sulcavam o mar, à procura do pescado porque os “tempos eram de
miséria e fome”.
Na então vila de Esposende, tinha soado que na costa havia muito camarão e
estava a “monte” e a mensagem chegou ao
João do Fá-João Marcelino Lima de Barros-,
cuja motora estava em plena faina nas águas marítimas de Viana do Castelo onde o peixe e o marisco abundavam.
A traineira do José Paquete tinha apanhado
muito camarão na véspera e esta notícia espalhou-se aos “sete ventos”.
O João do Fá, mestre da embarcação “O mar
obedece a Jesus”, com os seus tripulantes, os irmãos Tino –Ernestino
Moreira Ferreira- e Tone –António Moreira Ferreira-, ambos de Fão, e o
“Morrosol”-Alfredo de Jesus Bernadino- estiveram no arrasto ao camarão e no regresso, a Esposende, onde o João tencionava pintar a motora, mesmo à entrada da barra,
sempre traiçoeira e mortífera, a motora ficou em seco,- na surriba- tendo poderosas vagas apanhado de lado a
embarcação, num ímpeto de força desmesurado,
atingindo a casa de leme-cabine-
que foi “arrancada” e onde se encontrava
o mestre João do Fá, que teve morte quase imediata, tendo os demais tripulantes
sido projetados ao mar e o infeliz Tone
fangueiro, debateu-se corajosamente
contra as águas furiosas desse mar encapelado, e esteve a lutar pela vida
durante muito tempo até que, fisicamente, soçobrou, afogando-se.
Os
demais tripulantes, conseguiram salvar-se, tendo sido um deles, o Alfredo “Morrosol” sido transportado na ambulância, dos Bombeiros
Voluntários de Esposende para o hospital
Valentim Ribeiro tendo os bombeiros Adélio Pezinho e o Artur Miquelino,
prestado os primeiros socorros de
reanimação.
Dizia o Adelinho aflito:
-Artur, o Alfredo está
morto! Ele está branco como a cal!---
-Espera, vamos fazer
reanimação para salvar o homem, disse desesperadamente o Artur Miquelino.
Depois de várias
massagens abdominais, o Alfredo Morrosol começou a abrir os olhos e recuperou
a consciência.
-Estou a tremer, dizia o Morrosol, tiritando de frio ao Adelinho.
-Cala-te, estás vivo meu
homem, saltou de contentamento o Artur e o Adélio Pesinho.
O Ainho -Manuel Viana Eiras-, familiar do
Tone e Tino fangueiro, era para ir nesta
motora, ficou na cama porque anteriormente tinha estado no café ”Doli,” junto aos Bombeiros antigos, até às duas da madrugada, com outros
pescadores, seus amigos, a matar a sede…
Para além do Ainho,
faziam parte da tripulação da embarcação “Mar
obedece a Jesus”, o João “Jeromes”, filho do João do Fá, o Bidú e o
Rogério “Chana” que tiveram a felicidade de não embarcarem na motora, nesse dia
um pouco tempestuoso e de maus presságios.
Esposende ficou de luto com a perda destes
dois esposendenses, com graves repercussões para a família das vítimas, já que
o João do Fá, deixou cinco filhos órfãos
e a viúva Ana Maria, mergulhada em tamanha tragédia teve que enfrentar a vida
para sustentar os seus filhos,-um rapaz e quatro raparigas- e que,
corajosamente, conseguiu, sendo agora pessoas bem sucedidos na vida mas, sempre amargurados
pela morte do seu querido pai.
O João Marcelino, pescador
experiente, muito corajoso e
aventureiro, na ânsia de lutar pela vida, ficou perpetuado no seio da classe
piscatória, era um pescador sociável,
sendo uma referência como homem de coragem e conhecedor dos meandros e traições
do mar e que, naquele malfadado dia, a
fúria do mar e a inconstante barra traíram-no numa “emboscada” inesperada e
fatídica.
Fez no dia vinte e seis de dezembro, vinte e oito anos, que aconteceu esta tragédia em que o mar ”não obedeceu a Jesus” e o Alfredo, por sinal, de Jesus, conseguiu
milagrosamente “safar-se“ retomando a vida de pescador e, mais tarde de
Trolha, onde faleceu, ao cair abaixo de um andaime quando trabalhava na
construção civil.
No dia anterior, o
Santos Coutinho, também pescador experiente, tinha deixado quatro margotas-peixes-
no Café Oliveira para o amigo Alfredo
“Morrasol” e, infelizmente, não chegaram ao seu destino.
O “Mar obedece a Jesus” foi vítima de um mar inesperado, que “cravou”
as suas ondas assassinas contra a embarcação, enlutando Esposende e a sua
classe piscatória, em especial.
Carlos Manuel de Lima
Barros
3
de dezembro de 2012
(Entrevistas com Romão
Miquelino, Santos Coutinho, Ana Maria, Tonó, “Ainho”-Manuel Eiras,- João Careca e Adélio V.Boas