quarta-feira, 22 de novembro de 2017

Por CARLOS BARROS

Um Natal especial….

  Em pleno período natalício, o senhor David Loureiro gozou um dia de folga e, como amante do mar, foi dar uma voltinha pelo areal até Cepães, sempre à procura de novidades e oportunidades….
  O senhor David, antigo guarda fiscal, sempre gostou do rio e do mar e um dos seus últimos barcos de pesca e recreio foi o ALVOR que acabou por ser destruído pelas tumultuosas marés que se fizeram sentir no passado inverno, no rio Cávado tendo a água do rio chegado a galgar a marginal, lançando muito  entulho para terra.
 Este esposendense nas suas horas vagas, percorria o rio Cávado lés-a-lés apanhando, à rede ou com recurso ao “carapau”, solhas e irões, estes no meio do limo ou por debaixo dos pedregulhos.
  O David, em sua casa, estava a conversar com a mulher sobre o almoço para esse dia e, com a mão na cabeça, coçando-se de uma mosca que lhe estava a atormentar, perguntou-lhe:
 -Mulher, o que vamos comer ao nosso almoço?
Olha que o Natal está perto e  temos de comprar bacalhau graúdo na Zeza Labrista!...
 -Ó homem apetecia-me um peixinho e um robalinho vinha a matar, respondeu a sua estimada esposa-Maria Prazeres- muito prontamente.
 -Meu Deus, onde vou arranjar um robalo, se fossem umas fanequinhas, ainda se arranjavam, agora um robalo mulher, nem penses….Isto é comer dos ricos…
  O David, não quis mais conversa com a mulher, com receio que ela pedisse um salmonete ou um rodavalho, fugiu em grande correria pela porta fora em direcção à praia para ver o mar no seu patrulhamento habitual.
 O David andou alguns quilómetros pelo areal até às rochas de Cepães e,  já um pouco cansado, regressou pela areia húmida, desviando-se de alguns godos que estavam a descoberto.
  No seu percurso, o mestre David viu um aldeão, pescador de ocasião, a pescar no mar, a alar a “cediela” com muito esforço, num carrinho de pesca todo ferrugento, e trazia um valente robalo de dois quilos e meio que foi puxado para terra, com muito esforço.
  O David, pensou para si mesmo:
 - Esta é a oportunidade da minha vida!
 Ele abeirou-se do pescador e com ar de muita aflição, acenou-lhe com os seus musculosos braços e disse-lhe:
- Amigo, não leve este robalo para casa que está envenenado e ainda ontem foram duas pessoas para o nosso hospital Valentim Ribeiro, por causa de robalos que tinham comido!
  O que está a dizer, meu senhor, este peixe está envenenado, perguntou, o pescador, muito espantado e desalentado!
  O David apontou para a espuma da arrebentação das ondas e disse ao pescador que, aparentava muito amadorismo, que essa espuma era venenosa e entrava nas guelras dos peixes, envenenando-os…
  Não o leve e o que lhe posso fazer é levá-lo, neste saco que tem aí, para o lixo, propôs o senhor David ao incauto pescador “de Avintes e acrescentou que lhe fazia um grande favor….
  O arguto David pegou no robalo em direcção ao Farol e levou-o para casa todo contente, em passo acelerado não vá o pescador descobrir a marosca….
 Chegado a casa, enfeitada com uma simples ornamentação natalícia,  sita na rua de S. João, o David entrou abruptamente pela porta dentro, e gritou para a mulher:
- Temos aqui um robalo grande para o almoço que bicharoco!
- “Home” onde o compraste, perguntou a Maria ao David, que estava ofegante de tanto acelerar o passo?
  Olha Maria, pega e cala-te, não quero destas conversas, acrescentou o David, todo sorridente e com ar triunfante.
O Menino Jesus, foi  nosso amigo e isto é presente do sapatinho…
 A mulher assou o robalo com batatas do Zão e uns grelinhos comprados na loja da “Laura do Roto”, junto à cadeia, almoçaram satisfeitos, com os seus  três filhos. Uma pinguinha de vinho Felgueiras, comprado na Zeza da Labrista, ajudou a “empurrar o delicioso repasto.
 Este robalo sabe a pato, disse o David à mulher!
O quer estás a dizer David, isto não é pato mas robalo estás com os copos?
  Bem mudemos de conversa, pediu o David à sua desconfiada esposa cuja conversa estava a “cheirar a esturro”….
  O nosso ardiloso amigo, bem alimentado saiu de casa e foi tomar um café à Primorosa, onde estavam a jogar dominó, alguns dos seus amigos, -João Calhandra, Abílio Coutinho, Sousa e Álvaro do Talho- enquanto o Dr. Belchior fazia as palavras cruzadas, em francês, numa mesa junto à montra e o senhor António Fandino lia o Comércio do Porto, ao balcão com a “Fina” a mirar…
Já pela tardinha, o senhor David despediu-se dos seus amigos e foi para casa e quando estava prestes a fechar a porta às chaves, ouve um bater na porta, um som estridente e contínuo.
De imediato abriu-a e quem seria?
Pensou ele, será o Pai Natal?
Precisamente, o pescador do robalo que, muito sorridente, entregou-lhe um saco de batatas novas, um molhe de cebolas e um grande galo acastanhado, de crista arrebitada e de aspecto fanfarrão.
 Senhor David, não tenho palavras a dizer pois, o senhor salvou a minha família toda da morte porque me livrou daquele robalo envenenado, agradeceu com muita gentileza, o pobre pescador.
O David, com o seu ar de benevolente, disse-lhe que teria ido para o inferno, se não tivesse tomado aquela atitude e esclareceu ao pobre homem, que o robalo tinha sido enterrado no seu quintal.
  A mulher do senhor David que estava junto às trempes a aquecer a sopa , junto ao borralho,  chamou pelo marido para vir comer o resto do “robalo envenenado” que tinha sobrado do meio-dia..
Ainda hoje, a Maria Prazeres, desconhece como tinha aparecido aquele robalo milagroso lá em casa….
“Pescador de histórias” 

                                                O “BÓIAS”

Dezembro de 2015