Em pleno período natalício, o senhor David
Loureiro gozou um dia de folga e, como amante do mar, foi dar uma voltinha pelo
areal até Cepães, sempre à procura de novidades e oportunidades….
O
senhor David, antigo guarda fiscal, sempre gostou do rio e do mar e um dos seus
últimos barcos de pesca e recreio foi o ALVOR
que acabou por ser destruído pelas tumultuosas marés que se fizeram sentir no
passado inverno, no rio Cávado tendo a água do rio chegado a galgar a marginal,
lançando muito entulho para terra.
Este esposendense nas suas horas vagas, percorria
o rio Cávado lés-a-lés apanhando, à rede ou com recurso ao “carapau”, solhas e
irões, estes no meio do limo ou por debaixo dos pedregulhos.
O David, em sua casa, estava a conversar com
a mulher sobre o almoço para esse dia e, com a mão na cabeça, coçando-se de uma
mosca que lhe estava a atormentar, perguntou-lhe:
Olha que o
Natal está perto e temos de comprar
bacalhau graúdo na Zeza Labrista!...
-Ó homem apetecia-me um peixinho e um robalinho
vinha a matar, respondeu a sua estimada esposa-Maria Prazeres- muito
prontamente.
-Meu Deus, onde vou arranjar um robalo, se
fossem umas fanequinhas, ainda se arranjavam, agora um robalo mulher, nem
penses….Isto é comer dos ricos…
O
David, não quis mais conversa com a mulher, com receio que ela pedisse um
salmonete ou um rodavalho, fugiu em grande correria pela porta fora em direcção
à praia para ver o mar no seu patrulhamento habitual.
O David andou alguns quilómetros pelo areal
até às rochas de Cepães e, já um pouco
cansado, regressou pela areia húmida, desviando-se de alguns godos que estavam
a descoberto.
No seu
percurso, o mestre David viu um aldeão, pescador de ocasião, a pescar no mar, a
alar a “cediela” com muito esforço, num carrinho de pesca todo ferrugento, e
trazia um valente robalo de dois quilos e meio que foi puxado para terra, com
muito esforço.
O David, pensou para si mesmo:
- Esta é a oportunidade da minha vida!
Ele abeirou-se do pescador e com ar de muita
aflição, acenou-lhe com os seus musculosos braços e disse-lhe:
- Amigo, não
leve este robalo para casa que está envenenado e ainda ontem foram duas pessoas
para o nosso hospital Valentim Ribeiro, por causa de robalos que tinham comido!
O que está a dizer, meu senhor, este peixe
está envenenado, perguntou, o pescador, muito espantado e desalentado!
O David apontou para a espuma da arrebentação
das ondas e disse ao pescador que, aparentava muito amadorismo, que essa espuma
era venenosa e entrava nas guelras dos peixes, envenenando-os…
Não o
leve e o que lhe posso fazer é levá-lo, neste saco que tem aí, para o lixo,
propôs o senhor David ao incauto pescador “de Avintes e acrescentou que lhe
fazia um grande favor….
O arguto David pegou no robalo em direcção ao
Farol e levou-o para casa todo contente, em passo acelerado não vá o pescador descobrir
a marosca….
Chegado a casa, enfeitada com uma simples
ornamentação natalícia, sita na rua de
S. João, o David entrou abruptamente pela porta dentro, e gritou para a mulher:
- Temos aqui
um robalo grande para o almoço que bicharoco!
- “Home” onde
o compraste, perguntou a Maria ao David, que estava ofegante de tanto acelerar
o passo?
Olha Maria, pega e cala-te, não quero destas
conversas, acrescentou o David, todo sorridente e com ar triunfante.
O Menino
Jesus, foi nosso amigo e isto é presente
do sapatinho…
A mulher assou o robalo com batatas do Zão e
uns grelinhos comprados na loja da “Laura do Roto”, junto à cadeia, almoçaram satisfeitos,
com os seus três filhos. Uma pinguinha
de vinho Felgueiras, comprado na Zeza da Labrista, ajudou a “empurrar o
delicioso repasto.
Este robalo sabe a pato, disse o David à
mulher!
O quer estás a
dizer David, isto não é pato mas robalo estás com os copos?
Bem mudemos de conversa, pediu o David à sua
desconfiada esposa cuja conversa estava a “cheirar a esturro”….
O nosso ardiloso amigo, bem alimentado saiu
de casa e foi tomar um café à Primorosa, onde estavam a jogar dominó, alguns
dos seus amigos, -João Calhandra, Abílio Coutinho, Sousa e Álvaro do Talho-
enquanto o Dr. Belchior fazia as palavras cruzadas, em francês, numa mesa junto
à montra e o senhor António Fandino lia o Comércio do Porto, ao balcão com a
“Fina” a mirar…
Já pela
tardinha, o senhor David despediu-se dos seus amigos e foi para casa e quando
estava prestes a fechar a porta às chaves, ouve um bater na porta, um som
estridente e contínuo.
De imediato
abriu-a e quem seria?
Pensou ele,
será o Pai Natal?
Precisamente, o
pescador do robalo que, muito sorridente, entregou-lhe um saco de batatas
novas, um molhe de cebolas e um grande galo acastanhado, de crista arrebitada e
de aspecto fanfarrão.
Senhor David, não tenho palavras a dizer pois,
o senhor salvou a minha família toda da morte porque me livrou daquele robalo
envenenado, agradeceu com muita gentileza, o pobre pescador.
O David, com o
seu ar de benevolente, disse-lhe que teria ido para o inferno, se não tivesse
tomado aquela atitude e esclareceu ao pobre homem, que o robalo tinha sido
enterrado no seu quintal.
A mulher do senhor David que estava junto às
trempes a aquecer a sopa , junto ao borralho,
chamou pelo marido para vir comer o resto do “robalo envenenado” que
tinha sobrado do meio-dia..
Ainda hoje, a Maria Prazeres, desconhece como tinha aparecido
aquele robalo milagroso lá em casa….
“Pescador de histórias”
“Pescador de histórias”
O “BÓIAS”
Dezembro de
2015