A estacada em Esposende…
Estava
na Escola de Asnela-Riodouro – e
perguntei aos meus alunos se conheciam a lampreia ou ouviram falar dela e a
resposta foi quase unânime e responderam negativamente e como o tema do Estudo
do Meio era sobre as Atividades Económicas, apresentei esta história que foi
explorada em várias aulas.
Naturalmente, que este texto foi resumido e
simplificado para os meus alunos do 3º/4º anos de escolaridade e esta narrativa
foi enviada para um jornal e, mais tarde, publicada.
Foi
tradição em Esposende, durante longos anos, a utilização da estacada – inúmeras
estacas de pinho, espetadas na areia do rio – leito- em forma de bico, chamado fojo-abrangendo
parcialmente as duas margens do rio
Cávado. A rede era presa nas referidas estacas-toros de pinho- e iam para o
fundo, com apoio dos garruchos-cordaspresas às estacas-.
Os
paus –estacas- eram compradas ou surripiadas pelos pescadores nas bouças e eram
espetadas com o auxílio de um “maço de madeira”. A estacada funcionava em
“sociedade” entre os pescadores de Esposende e de Fão, em dias alternados e a
rede só podia ser instalada ao nascer dosol
eao pôr-do-sol, tinha de ser retirada, e este procedimento visava a preservação da
espécie – ciclóstumes-.
Os traquejados pescadores de Fão- António
Borda, Tone Lírio, Arménio, Ascánio…, com os seus barquinhos ,
colocavam-se perto do “vértice”-fojo- da
estacada e com os seus bicheiros apanhavam as lampreias que se aglomeravam em
grande número e os pescadores de Esposende, - CandidoCurico, tio David
Loureiro, Santos , João Careca, Zé “Bebado”, Álvaro e João
Fá, Serafim, Guedes…- atuavam da mesma maneira, recolhendo para os seus
barcos, as preciosas e fugídias
lampreias.
O
dia dezoito de Dezembro era o inicio da
safra da lampreia e terminava a quinze de Abril e nesse período, pescavam-se
milhares de lampreias que se vendiam, ao quilo,isto na época-1960… por
vinte escudos, ou cinquenta escudos
conforme a quantidade e, mais tarde, eram vendidas à unidade , como hoje
sucede.
Nos
rigores do inverno, com as enxurradas, as redes eram arrastadas e perdiam-se no
rio ou no mar, causando prejuízos aos pescadores, perante uma barra-Foz- sempre
pérfida e perigosa.
No período da estacada era proibido aos
pescadores, apanharem lampreias, na barra ou no rio, com as fisgas,e os
pescadores de Fão e de Esposende, mantinha vigilância apertada na barra para
impedir que alguém transgredisse, violando, deste modo, o acordo entre os
pescadores das duas vilas do nosso concelho. Naturalmente, às escondidas, “caçavam-se”
lampreias porque era muito difícil manter um controlo e vigilância absoluta e, pela
“calada da noite”, as lampreias eram fisgadas e só paravam em casa dos
transgressores/surripiadores.
Um dia, o Santos, um jovem pescador astuto,fugindo à
mãe, a tia Maria Fifas, foi para a barra pela tardinha, acompanhado de uns
amigos também pescadores e resolveram apanhar umas lampreias, “à socapa” e organizaram um plano de actuação para não
serem vistos. Com um bicheiro escondido no meio de uns arbustos, lá foram para
a Foz do nosso rio Cávado, num dia de nevoeiro e não se encontrava ninguém na
praia, pensavam eles!…. Estava um ambiente
para grandes façanhas, com uma neblina que ajudava à aventura…
No
dia anterior, o Milo, mais conhecido, pelo Rosas, tinha apanhado duas lampreias
no cais da barra mas, por mero acaso, não tinha sido descoberto!
O
Santos em colaboração com os seus amigos, num curto período de tempo, apanharamquatro
lampreias, muito “taludas” e todos ficaram radiantes até que apareceu uma
surpresa!
O
Tio Guedes que andava na vigilância, no meio do nevoeiro cerrado e viu aqueles
meliantes com as lampreias e mandou pô-las ao rio, perante o desespero do
Santos que pedia ao Senhor dos Aflitos para que o tio Guedes mudasse de
ideias!..
-Caluda,
meus vadios, lampreias ao rio e já, senão à “molho” pela certa, ameaçou o Tio
Guedes, homem corpulento e de elevado sentido de justiça.
As
lampreias já condenadas, “viram” uma luz ao fundo do túnel já que o Tio Guedes
parecia ser o patrono delas…
Muito
desanimado, o Santos, sob os olhares do restante maralhal, teve que lançar as lampreias para o rio e, uma
vez libertadas, continuaram a sua “caminhada” provavelmente, a caminho da
estacada mas aqui sim, poderiam ser apanhadas porque a tradição e a lei , assim
o permitia…
O
Santos olhou para o Álvaro” Mudo” e para o seu irmão Serafim e disse-lhes:
-Ficamos
com o dia estragado por causa deste tio Guedes e por hoje, estamos desgraçados
que não há “Money-pataco- para ninguém!…O Álvaro “Mudo”, cabisbaixo olhava
tristonho para a sua japona esverdeada e de soslaio olhou para o Santos e desabafou:
-Ficamos
em seco “irmão” e eu que pensava beber umas tigelas de vinho no Barrigana , na
Lucas ou mesmo ao Abilio Coutinho que tem lá uma” pinga” do Tio Firmino de Vila
Cova que nem imaginas! Até pinta o fundo da malguinha…
Mas
quem não arrisca, não petisca, dizia o Santos para os seus amigos, pois amanhã,
vamos tentar outra vez, mas só quando o tio Guedes estiver a dormir a soneca lá
em casa…
Uma nova incursão ao rio, pela noitinha, com o
Tio Guedes a dormir um sono profundo, segundo informações fornecidas pelos
filhos, o trio de aventureiros lá foram, com os longos bicheiros às costas,
para o “cú de baleia” e conseguiram fisgar 7 lampreias que foram divididas
pelos três e logo vendidas aos “banhistas” por 50 escudos, cada uma.
Como a divisão
das lampreias entre eles, não era
exata, duas para cada um, a que sobrou foi para a tia Amália dos tremoços que não comia
lampreia há muito tempo, como tinha confessado , na mercearia/armazém do
Coutinho quando tinha ido comprar tremoços para “curar” nas escadinhas do rio.
O “trio da ribeira” ficou radiante da vida e
o dinheiro deu pra comprar uma bola de “capão” para rolar na ribeira, em jogos
a “cinco croas” e durante uns dias , estes amigos da venda das lampreias , amealharam um pecúlio
para uns lanches no “Zip Zip” ou umas sandes, com finos a acompanhar, no Café
da Havaneza onde o Jerónimo, zeloso
empregado de mesa, os servia com aquele sorriso sempre brincalhão.
Nota: “estória” real, com personagens também reais.
Esposende, 18 de janeiro
de 2023
“O Bóias”
Carlos
M. L. Barros