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quinta-feira, 3 de janeiro de 2019

O missal de Natal… por Carlos Barros


O missal de Natal…

Por Carlos Barros

O Carlinhos era um menino da ribeira, corria, jogava futebol, andava às escondidas, jogava aos “ladrões”, apanhava lagostas no matadouro, ia às pinhas mansas com o Tarrio, assistia aos assaltos, liderados pelo Trabuqueta, aos quintais  de  fruta, jogava ao pião,  à bilharda e à “forma” no largo dos peixinhos, pescava à boínha, com uma cana de pesca de “nylon” comprada na cada Gazcidla-Samuel-  era , em suma, um ribeirense de gema, como os Gatinhos, Trabuqueta, Murracas, Zé Conanas, Casimiro Triti, Arrebita, Galgas, Renato, Duarte, Piolho, assim  como os mais velhos, o Quim Tripas, Batista, Pateiro, Lucianinho, Miquelinos, Luizinho Soqueiro, Pompeu, Baiaca, Romão, entre muitos outros.
Estávamos, perto do Natal e o sonho do Carlinhos era ter um missal prático que se vendia, entre outras livrarias,  na Livraria Nelita Editora-Porto, com o seu calendário litúrgico, e pediu ao Menino Jesus , o tão desejado missal, no seu sapatinho.
Todos os domingos “a fio”, o Carlinhos com os seus 12 aninhos,  ia em louca correria para a igreja da Matriz, na hora da missa, para disputar a bandeja do peditório, tendo como adversários, o Manata, o Manelzinho “Pipa” e o Manel Maria da Ritinha Padeira. Quem chegasse primeiro à sacristia, com o sacristão Biomiro da Fura em sentinela, seria o primeiro a levar a tão disputada bandeja. Era um prestígio, na altura, fazer o peditório na missa , sempre alguém, olhava para nós, meros “zé ninguéns” da ribeira!
  Quem tinha um missal eram as pessoas ditas de “posses” e o Carlinhos queria e fazia gosto ir para a missa, com aquele livrinho, de capa plastificada preta, lombada vermelha e com aquela fitinha a marcar as páginas por sinal, com 484 páginas.
Consultou o missal  que falava no Natal, na sua Vigília, na oitava do Natal (1 de Janeiro), nos Evangelhos, nas  Epístolas, nos Cânticos, Orações, Prefácios mas, não falava do sapatinho para  desespero do Carlinhos…
  Junto ao Altar-Mor, estava sempre, na sua cadeira envernizada e aveludada, de tampo amovível, o senhor Marques Henriques, já “entrado na idade”,  e dava sempre a sua esmola: deitava no prato 2$50 cinco croas- e pedia de troco, vinte e quatro tostões…O Carlinhos quando estava de serviço ao peditório, ficava doente ao chegar ao sr. Marques Henriques porque teria que dar os trocos e na Matemática, não era grande craque mas, lá levava a “água ao seu moinho”…
Chegamos nas vésperas de Natal, e pela tardinha o Carlinhos, com as suas irmãs Ló, Lena, Liva, lá foi colocar o sapatinho, junto às trempes, da borralha, onde as carochas, baratas e ratinhos, iam lá pernoitar, no quentinho, ainda com umas achas e pinhas  mal queimadas, fumegando em direcção à chaminé