VIDEOVIGILÂNCIA - O NOVO INVESTIMENTO
É precisamente porque o direito à segurança não pode chocar com o direito à imagem e à reserva da vida privada de cada um de nós que a implementação de câmaras de vigilância, por exemplo nos ditos condomínios privados, exige a aceitação de todos os condóminos, sem uma única excepção.
A lei assim o determina, e bem, porque esta é, na verdade, a única forma de se garantir que ninguém viverá, contra a sua livre vontade, num grande big brother montado ao ar livre e plantado num espaço físico que também lhe pertence.
Mas, o que dizer da prática de instalar câmaras de videovigilância em espaços públicos, como aliás algumas câmaras municipais já fizeram, sendo que outras também se preparam para seguir semelhante prática?
Será que aqueles espaços continuam a ser espaços públicos? Eu diria que não. Quando muito serão espaços públicos “condicionados”, até porque haverá, certamente, muitas outras pessoas que, tal como eu, farão também questão de não os frequentar.
Permitam-me então, e considerando que esta terminologia não existe no nosso vocabulário linguístico, que deixe aqui a sugestão de que adoptemos o termo “espaços públicos condicionados” quando nos referirmos a qualquer área territorial intervencionada com recurso a esta tecnologia, dita de videovigilância.
O combate à criminalidade é, consabidamente, o único suposto desígnio da criação destes espaços públicos condicionados, mas parece-me ser bastante claro que, a partir do momento em que são intervencionados, eles deixam de ser espaços públicos, pelo que deverão ser, naturalmente, rebaptizados.
Mas será que, em boa verdade, alguém pensa - e, já agora, alguém acredita - que a implementação de uma qualquer tecnologia big brother resolve o problema da criminalidade, seja ela de que tipo for?
A verdade é que me choca ser aceitável a existência de espaços públicos “especiais”, em que se pretende exercitar a tarefa de “educar” comportamentos humanos.
Choca-me que se instituam quaisquer medidas ou atitudes, ainda que encapotadas, de promover qualquer tipo de segregação ou discriminação social. Aliás, iniciativas destas deveriam accionar em nós, humanos, um pronto alarme pelo atentado que constituem e encerram, não apenas contra os simples direitos individuais, mas, e muito particularmente, pela promoção de uma objectiva fragmentação da sociedade.
Além de tudo o mais, parece-me ser evidente, e sê-lo-á certamente para quem se digna a um simples olhar para a sociedade em que vive, que a criminalidade não se combate construindo guetos, sejam eles de que tipo forem, montados onde quer que seja.
Objectivamente, quando muito, deslocar-se-ão espacialmente alguns dos locais que são conhecidos como sendo mais vulneráveis à prática de determinados tipos de crime, restando, para gáudio de alguns responsáveis pela gestão do nosso território, seja ele público ou privado, a falsa consolação de poderem interiorizar a também falsa ideia de que “contribuíram” para combater uma que seja das mais comuns práticas criminosas.
E o investimento, esse cresce ràpidamente de rua em rua ou de praça em praça, porque os resultados aparecem (é claro que não há registo de assaltos nestas ruas).
E assim nos vai faltando cada vez menos espaço e tempo até ao grande big brother final.
Em boa verdade, um verdadeiro problema é que o crime não passa ao lado, passa para o lado.
Já o grande problema é que o combate ao dito cujo se faz, sistemàticamente, atirando ao lado.
Rogério Cassona
Membro da Comissão Executiva do PEV
Eleito da CDU na AM de Sintra
Por opção do autor, este texto é escrito seguindo a ortografia anterior ao apelidado de novo acordo ortográfico
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