ESPOSENDE E O SEU CONCELHO


domingo, 18 de dezembro de 2022

CANTINHO DOS LOBOS DO MAR por Carlos Barros

 Republicação

 Os engraxadores de Esposende

 


         Tendo como palco de trabalho, a Praça do Município, os engraxadores de Esposende constituíram um pequeno estrato sócio-profissional deveras importante, iniciando a sua atividade na década de 60 prolongando-se ao longo de vários anos.

Foram inúmeros os engraxadores que trabalharam, assiduamente, nessa Praça do Município, debaixo das árvores, engraxando as botas e os sapatos  aos  sábados e, especialmente ,aos Domingos, depois da missa, onde a clientela se aglomerava para uns “bate-papos”, raramente comentando as homilias proferidas pelo senhor Arcipreste.

O “pomo” das discussões eram os jogos do Esposende Sport Clube – ESC- e das jogadas do Fernando Inheco, do Leonel Laguna ou das grandes defesas do guarda-redes Mó, sendo evocado o excelente convívio entre o Esposende e o Cabeceirense cujos dirigentes e jogadores, no final dos jogos, confraternizavam entre si, com jantaradas e apetitosos lanches, estando sempre presente, a “vinhaça” e as “cervejolas”…

         Era um "corropio" constante de clientes que se aperaltavam aos domingos, com os seus sapatos espelhados, alguns de verniz e a fatiota passadinha a ferro de engomar  e a camisinha "Terylene-TV".

Muitos engraxadores passaram a sua "arte de bem engraxar" no espaço da Câmara Municipal entre eles destacaram-se: João Monção, (provavelmente, mais antigo engraxador de Esposende), Joaquim Monção, Manuel Monção, Franquelim da Neta e seus filhos "Quelim" e Tita, Luciano Polieira, Toninho "Zerique", Tim da Carvalha, entre outros.

         O senhor Guimarães, homem de uma dimensão humana exemplar, engraxava os sapatos, numa primeira fase, na Barbearia "Sport" do senhor  António e Lando Barbeiro na rua Direita e, mais tarde, começou a engraxar no café Nélia, por baixo do Hotel e, junto a uma coluna, esperava pacientemente, pelos seus clientes habituais. Era um engraxador, por excelência e sapatos sujos que passassem pela sua mão, transformavam-se em autênticos espelhos e aquele pano de lustro, na sua fase final da engraxadela, "chiava" que nem um rato...

         O  “mestre Guimarães”, pai dos meus amigos Paulo, Pedro e Romão, trabalhou como  empregado de café e chegou  mesmo a ser proprietário de um Café na Póvoa de Varzim mas, por motivos de saúde, teve que regressar ao seu cantinho de Esposende, exercendo a atividade de um exímio engraxador, muito procurado, por vários esposendenses. O senhor Areias, o Abílio Coutinho, António Terra, Álvaro do Talho, professor Fernando Marques Henriques, professores Carlos Martins e Agostinho Gonçalves e senhor Lamela entre outros, eram clientes assíduos e davam sempre uma gorjeta ao hábil engraxador que redobrava os seus esforços, puxando, durante mais tempo, o lustro com o agastado pano.

         O Manuel Monção trabalhou como engraxador 38 anos consecutivos, e aos domingos, era sempre "a aviar" e nem sempre havia tempo, em períodos festivos e religiosos, de ir "comer" e, muitas vezes, a Laida Polieira, esposa do M. Monção, trazia-lhe meia sêmea, bem recheada com queijo, marmelada ou chouriço, e a fome encarregava-se de fazer desaparecer, num ápice, esse "condimento alimentar" ou "ração de combate". Trabalhar como engraxador era um combate árduo, um complemento financeiro para as famílias de parcos recursos económicos.

         O nosso amigo Manuel Sacramento, homem trabalhador, não exercia a sua atividade de engraxador como profissão exclusiva, porque trabalhava, como auxiliar do motorista, no Sr. António Duarte que possuía uma empresa de transporte de mercadorias, transportando mercearia diversa, adubos, farinhas, materiais de construção, cereais. A  Manuel Monção era "pau  para toda a obra" e o que queria era trabalhar e ganhar dinheiro para sustento da sua família.

         O Franquelim era um artista por natureza e a sua caixa da graxa, era um "museu de arte", com peixes, enguias, caranguejos, raias e outras espécies piscícolas, tudo isto incrustado, pela ação de um  formão ou de um mero prego, no latão ou estanho que forrava a sua  caixa da graxa.

         No dia 7 de Fevereiro, numa passeata momentânea,  deparei, junto à Câmara Municipal de Esposende, com o Manuel Monção, com uma caixa da graxa, novinha em folha, em plena laboração, estando à espera de clientes junto à arcada da Câmara Municipal de Esposende.

         Era o regresso auspicioso de uma longa tradição e os meus amigos Zé Rego, Paulo Chouriça, fizeram questão em estrear o engraxador e, em breves minutos, quatro sapatos circulavam, muito espelhadinhos, na "calçada" da rua Primeiro de Dezembro -Rua Direita-.

   Muito por perto deste cenário, o Nelson, excelente mecânico e dedicado Bombeiro, irmão do Ildo, comentava muito efusivamente, o regresso do Monção às "lides" das engraxadelas, aplaudido, pelo Tim Marino que apreciava este regresso, talvez esperando que o Manel fosse  beber uma malguinha ao Tasco Marino, fazendo-lhe companhia, nessa manhã friorenta e chuvosa, o que não acontece. O  frio e a chuva não demoveram o Monção para uma "goelada"  de branquinho ou de um tintol carrascão e ainda por cima, nas nossas redondezas! Apareceram mais dois “indivíduos suspeitos” como potenciais clientes para  engraxarem os sapatinhos mas, muito apressados, seguiram para a missa e “tudo o vento levou”…

         Manuel Monção, velho Manel Sacramento, sejais bem-vindo a esta tradição de engraxadores e, para os Esposendenses, é apenas ir aos seus bolsos e tirar uma moeda de 1 Euro  e a engraxadela  fica feita! O pincel, a graxa, a escova e o pano de brilhar, são peças de uma engrenagem afinada e eficaz.

Eu, como testemunha, neste  precioso momento, olhei mais para os sapatos  brilhantes do Rego e do Paulo Chouriça, do que para  o rosto deles! Um feliz regresso aos "valores e tradições" ancestrais de Esposende.

Obrigado Monção, velho amigo por me teres recordado os meus tempos passados, quando tu me engraxavas os meus sapatos, aos domingos, embora fosse mais cliente do Tita e do "Quelim", por serem meus amigos de escola.

         Naquele tempo, “dois escudos “ ou  “cinco croas” bastavam para pôr os sapatinhos asseados e reluzentes.

         No momento que escrevo este texto, já passados alguns anos, estes engraxadores rumaram para a “derradeira morada” contudo, fica em memória esta profissão muito dignificante que desapareceu de Esposende, perante a minha “vil tristeza”…

         Nestes 450 anos de Elevação de Esposende a Vila e Concelho, recordar os engraxadores é uma justiça já que foram homens que tinham Esposende no coração, constituindo a Alma da nossa Vila/Cidade, durante longos anos das suas vivências.

 

 Carlos Manuel de Lima Barros.

 

Esposende, 19 de agosto de 2022

Nenhum comentário:

Postar um comentário