Covid-19 – Os Verdes
Denunciam Despedimentos
nos Setores do Calçado,
Vestuário e Têxtil
O Grupo Parlamentar Os Verdes, entregou na
Assembleia da República uma pergunta, em que questiona o Governo,
através do Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança
Social, sobre denúncias recebidas pela DGERT e pelo ACT
relativas a despedimentos ocorridos nos setores do calçado, vestuário e têxtil
desde a declaração do estado de emergência
Pergunta:
Com o novo contexto da pandemia provocada pelo Covid-19 são
muitas as situações nas quais as empresas encontram uma oportunidade para
justificar a dispensa e o despedimento de trabalhadores, retirar dividendos das
reduções salariais ao abrigo dos processos de layoff apoiados pelo Estado e
pela Segurança Social com evidentes vantagens na redução de custos para a sua
atividade.
Tais decisões empresariais conduzem a uma clara diminuição das
garantias e direitos laborais, comprometendo o poder de compra dos
trabalhadores e das suas famílias, e interferindo e fragilizando diretamente a
estabilidade económica do país, situação que poderá vir afetar a própria
atividade industrial e comercial.
Se as micro, pequenas e médias empresas se vêm confrontadas com
situações verdadeiramente críticas do ponto de vista da subsistência, o mesmo
cenário não se verifica nos grandes grupos económicos que acumularam
significativos lucros ao longo dos anos, incluindo aqueles que contribuem para
o PIB nacional.
Para muitas destas empresas existe um claro aproveitamento na
dispensa dos funcionários, sendo que são os trabalhadores precários,
nomeadamente os temporários, os mais afetados por esta nova vaga de desemprego
“imposta” pela atual conjuntura ao abrigo da crise pandémica com repercussões
gravosas sobre a estabilidade social e financeira das famílias.
Ao mesmo tempo que se inviabiliza a estabilidade profissional à
luz do atual contexto também a capacidade de luta e defesa dos direitos
laborais é posta em causa, estando as estruturas sindicais condicionadas e
limitadas na sua atividade.
No que respeita os processos de layoff a alteração ao
Decreto-Lei n.º 10-G/2020 de 26 de março, concretamente a retificação ao artigo
13º, veio eliminar a diferença de tratamento entre trabalhadores afetos ao
layoff e colegas que não se encontram sob este regime, permitindo assim
proteger igualmente estes últimos face à cessação de contratos de trabalho ao
abrigo das modalidades de despedimento coletivo ou despedimento por extinção do
posto de trabalho.
Contudo, as empresas que recorram a este regime simplificado de
layoff podem não renovar contratos a termo, ou seja, as medidas do Governo não
abrangem a caducidade de contratos de trabalho nem a denúncia de contratos de
trabalho em período experimental de 180 dias.
Nesta situação estão muitos jovens trabalhadores que, para além
de contratos a prazo, se encontram em situação de grande precariedade como nos
casos de falsos recibos verdes. Para estes o despedimento acarreta a total
ausência de proteção social. O número de trabalhadores sem vencimento disparou,
colocando milhares de famílias em situação de risco, conforme noticia o jornal
Expresso no dia 11 de abril.
Em setores específicos como o calçado, o vestuário e o têxtil,
as condicionantes colocadas pelos ajustamentos e restrições das diferentes
atividades e serviços neste período de isolamento e de estado de emergência,
vieram agravar situações de instabilidade e empregabilidade de milhares de
trabalhadores destas indústrias que já haviam sofrido as consequências, no
último ano, da diminuição do número de encomendas e das exportações.
Deste modo, a atual situação veio contribuir para adensar os
processos de insolvência, de suspensão da atividade por tempo indeterminado e
dispensa de um significativo número de trabalhadores com vínculos precários.
Já em 2019, a indústria do calçado tinha registado uma quebra de
8% nas exportações, após um ciclo de 8 anos de crescimento e lucros
significativos até 2018.
Em São João da Madeira duas importantes unidades industriais de
calçado, entre as quais uma empresa com 40 anos de atividade, que produzia
calçado de luxo, e mais recentemente em março deste ano uma outra com 78 anos
de existência, encerraram as suas portas, levando a centenas de situações de
desemprego.
Em fevereiro de 2020, situação idêntica se verificou em Vizela,
afetando 150 trabalhadores da indústria de calçado de uma empresa de renome que
encerrou as 13 sapatarias do grupo. Semanas antes, o mesmo proprietário tinha
encerrado duas fábricas de calçado em Oliveira de Azeméis, deixando 110
operários em igual situação.
No mês de março, numa altura em que já se faziam sentir os
impactos negativos da contaminação por Covid-19, quer pelo número de infetados
que afetavam a região, quer pelos constrangimentos económicos associados à
suspensão de serviços, comércio e da indústria, em Felgueiras e Lousada cerca
de 1200 trabalhadores dos setores do calçado, têxtil e vestuário foram mandados
para casa.
Cerca de uma dezena de empresas suspenderam a atividade por
tempo indeterminado e verificaram-se situações de imposição unilateral de gozo
de férias, já no caso de empresas de maiores dimensões estas têm vindo a
anunciar o regime de layoff.
Só no concelho de Felgueiras foram 800 os trabalhadores de
empresas de pequena e grande dimensão afetados pela suspensão da atividade.
Lousada e Freamunde são também disso exemplo.
Em Castelo de Paiva, 40 trabalhadoras de uma empresa de costura
de calçado passaram, num período de 15 dias, de uma situação de layoff para o
despedimento. A insolvência declarada por aquela empresa a 3 de abril, deixará
as funcionárias sem rendimentos até ao final de maio, altura em que preveem ter
acesso ao subsídio de desemprego. Em setembro e dezembro do ano passado estas
mulheres tinham já estado numa situação de grande vulnerabilidade, obrigadas a
ir para casa, face à falta de encomendas.
Por sua vez na área do vestuário, o maior cliente do setor, o
grupo de retalho espanhol Inditex, que encerrou as 335 lojas que tem em
Portugal e 1600 no país de vizinho, devido ao novo coronavírus, poderá colocar
em causa a subsistência de inúmeras micro e pequenas empresas nacionais, uma
vasta maioria sediada no norte do país e que trabalham maioritariamente para
aquela multinacional. Algumas dessas empresas concentradas nos concelhos de
Lousada e Penafiel, na região do Tâmega e Sousa, sendo previsível um
preocupante aumento dos níveis de desemprego na região, caso persistam a falta
de encomendas do grupo que anunciou um lucro de 3.639 milhões até janeiro de
2020, um aumento de 6% dos lucros entre fevereiro de 2019 e janeiro de 2020
face ao período anterior, e que para além de mais,, constituiu uma provisão de
287 milhões de euros para o impacto no negócio causado pelo Covid-19.
Em 2019, a multinacional com base em princípios de “baixo-preço”
deslocalizou os seus fornecedores o que se traduziu numa perda de produção para
países como Marrocos e Turquia. Perante a instabilidade gerada pela
multinacional, entraram em insolvência confeções de pequena dimensão em concelhos
como Fafe, Guimarães, Vizela, Póvoa de Lanhoso, Vila Verde e Barcelos. Estas
microempresas que laboram em regime de subcontratação, muitas das quais
trabalham à peça com margens de lucro muito reduzidas, vêm-se agora, mais do
que nunca, numa posição de grande incerteza face ao futuro.
Por último, as medidas impostas pelo isolamento social levam a
que o acesso a serviços públicos como segurança social e IEFP, nomeadamente, a
possibilidade de agendamento de marcações, se faça por telefone ou online, por
e-mail ou no site.
Existem reclamações por parte dos trabalhadores, que se
encontram em situação de desemprego ou sem proteção social, pela demora na
obtenção de respostas por parte destes serviços o que se traduz numa solução
tardia e adiada a problemas de carácter urgente como acesso ao subsídio de
desemprego, o requerimento de apoio excecional no âmbito da COVID-19 para
trabalhadores e empresas, ou ainda o subsídio de assistência a filhos e netos.
Uma dificuldade acrescida prende-se com o facto de acesso à
internet estar longe de ser generalizado a toda a população e da dificuldade e
falta de conhecimento técnico de muitos trabalhadores, o que configura um
obstáculo no acesso aos serviços digitais, para realização da inscrição para
emprego e a submissão eletrónica do requerimento do subsídio de desemprego.
Assim, ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais
aplicáveis, solicito a S. Exª O Presidente da Assembleia da República que
remeta ao Governo a seguinte Pergunta, para que o Ministério do Trabalho,
Solidariedade e Segurança Social, me possa prestar os seguintes
esclarecimentos:
1 - O MTSS tem conhecimento do número de denúncias recebidas
pela DGERT e pelo ACT relativas a despedimentos ocorridos nos setores do
calçado, vestuário e têxtil desde a declaração do estado de emergência?
2 - O MTSS tem conhecimento do número de contratos de trabalho
cessados por iniciativa das empresas destes sectores e que contribuem para
engrossar os números de trabalhadores desempregados, em igual período?
3 - O MTSS prevê o reforço de recursos humanos na ACT, bem como
de apoios à deslocação dos inspetores às empresas, por forma a fiscalizar
situações de despedimento cujos indícios de ilegalidade sejam manifestos,
evitando-se assim o abuso do atual estado de emergência por parte de entidades
patronais?
4 - Qual o número de empresas que solicitaram a insolvência
afetas a estes setores desde a declaração do estado de emergência?
5 - Quais as medidas previstas pelo Governo por forma a garantir
proteção social aos trabalhadores temporários ao serviço nestes setores e
dispensados pelas empresas de trabalho temporário no atual contexto de
pandemia? O Governo tem conhecimento do número de trabalhadores de trabalho
temporário que se encontram nesta situação?
6 - Face às limitações no acesso aos serviços do IEFP,
consequentes situações de atraso no atendimento telefônico e agendamento
presencial e pelo facto do acesso à internet não ser generalizado a todos o que
tem levado a atrasos na inscrição para acesso ao subsídio de desemprego, prevê
o Governo reforçar o atendimento presencial para estas situações?
7 - Em tais casos poderá, no contexto extraordinário em que
vivemos, ser criada uma exceção de modo a que o acesso ao subsídio de
desemprego tenha como referência a data constante na declaração da situação de
desemprego emitida pela empresa, e não a data de inscrição no IEFP, dado o
atraso na resposta dos serviços por forma a garantir um acesso mais célere àquela
prestação de apoio?
O Grupo Parlamentar Os Verdes