CANTINHO DOS LOBOS DO MAR
por Carlos Barros
Bibliotecas itinerantes:
Estavamos num verão pujante,
ano de 1966, o ”rei-sol” espraiava, com o estendal dos seus raios e o seu
sublime calor, o Largo dos Peixinhos,
com a estátua do pintor Henrique Medina, com os seus estáticos lhos, a observar, as crianças, vindas da ribeira, saltavam os canteiros dos amores-perfeitos
que deslumbravam este espaço ensaibrado, palco de imensas e infinitas brincadeiras: pião,
corda, mata-mata, “ladrões”, bilharda, “escondidinhas”, “às Nações”, ao botão,
ao arco acionado por uma gancheta…
Todas esperavam pela carrinha da Biblioteca Caloust
Gulbenkian para requisitar uns livros, de preferência de “covoiada”-Farwest- ou
de Aventuras e, na espera, alguns ousados, pegavam num fósforo apagado e
desvaziavam os pneus das camionetes do Linhares, estacionadas no Largo dos Peixinhos, junto à Misericórdia.
O Tio Encarnação, sentado junto aos arcos da
Câmara, com o seu agastado e queimado cachimbo, contava anedotas do Bocage, às crianças que, de agradecimento, lhe apanhavam “coriscas/beatas” para depositar
na “boca” do seu cachimbo acastanhado, que se assemelhava a uma “ máquina a vapor”,
com o fumo desvairado, ondulando-se no ar, com as “bufadas” do tio encarnação.
Sentiu-se um barulho de viatura, vindo do
nascente, e eis que aparece, toda imponente, a Carrinha Citroen da Biblioteca
itinerante, com o motorista senhor Herminio, apetrechado com o seu bigodinho,
tipo “esparguete”, guiando a viatura para o lado norte do Largo dos Peixinhos. A seu lado, o senhor
Batista, de uma impar simpatia, abria a porta da carrinha e começava a “caçada”
ao livro, sendo apenas, permitidas, numa fase inicial, duas requisições.
O Quim Tripas, com a
afunga ao pescoço e com uma caixa de
fósforos “Três Quinas” na mão esquerda, olhava de soslaio para os “ pseudo
leitores”, já que ler, para ele , só na
escola porque era obrigado…
O “Quim Tripas” era como
um “ídolo” para as crianças, amigo do
seu amigo de espírito justo, criativo, corajoso e sagaz nas suas empreendedoras
aventuras. Na ribeira, na Junqueira ou nos Pinhais de Esposende e arredores da
Vila, era o REI, acolitado pelos seus
comparsas.
Ele sabia que a maioria, dos “leitores” da
Biblioteca Itinerante, perdia os livros,
muitas vezes, eram lançados para debaixo das camas onde “dormiam” na mesinha de cabeceira, onde
pernoitava o “penico” de esmalte…As
raparigas, eram diferentes, requisitavam e liam os livros porque o raio das
suas aventuras, era de domínio doméstico…
Com os livros requisitados, as crianças, numa enlouquecida correria , iam
para as suas para exercitar a teoria:
lutas de espadas, arcos e flechas, murros
à “Osse”, andar a cavalo à “Kit Carson”,
Buffalo Bill” …
A carrinha da Biblioteca partia, uma lufada
fresca de Cultura, desaparecia por um curto período de tempo e no próximo mês,
o “filme “ repetia-se com os mesmos atores!
Nos dias de Escola Primária, muitos levavam
alguns livros da biblioteca na pasta de “linhagem
ou de cutim” para serem lidos,
sorrateiramente, nas aulas…
No meio da semana, havia alegria e liberdade
no seio das crianças e jovens esposendenses, porque era o momento dos
ribeirenses saírem de casa para requisitarem os seus livros.
No fim das requisições,
como sobremesa, tínhamos as anedotas do
Bocage do tio Encarnação que eram tão
saborosas que explodia o riso às crianças…
“Pescador de histórias”
Esposende, 18 de novembro
de 2019