por Carlos Barros
A estacada….
Foi tradição em
Esposende, durante longos anos, a utilização da estacada – inúmeras estacas de
pinho, espetadas na areia do rio – leito - em forma de bico, chamado fojo - abrangendo
parcialmente as duas margens do rio
Cávado. A rede era presa nas referidas estacas e iam para o fundo, com apoio
dos garruchos-cordas presas às estacas-.
Os paus – estacas - eram
compradas ou surripiadas pelos pescadores nas bouças e eram espetadas com o
auxílio de um maço de madeira. A estacada funcionava em “sociedade” entre os
pescadores de Esposende e de Fão, em dias alternados e a rede só podia ser
instalada ao nascer do sol e ao pôr-do-sol, tinha de ser retirada, visando a
preservação da espécie – ciclóstumes - .
Os pescadores de Fão - António Borda, Tone
Lírio, Arménio, Ascánio…, com os seus barquinhos , colocavam-se perto do “vértice”-fojo- da estacada e com os
seus bicheiros apanhavam as lampreias que se aglomeravam em grande número e os
pescadores de Esposende, - Cândido Curico, tio David Loureiro, Santos, João
Careca, Zé “Bêbado”, Álvaro e João Fá, Serafim,
Guedes…- procediam da mesma
maneira. No dia dezoito de Dezembro era
o início da safra da lampreia e terminava a quinze de Abril e nesse período,
pescavam-se milhares de lampreias que se vendiam, à unidade ou ao quilo, na época-1960… por vinte escudos, ou cinquenta escudos conforme a
quantidade.
Nos rigores do inverno,
com as enxurradas, as redes eram arrastadas e perdiam-se no rio ou no mar,
causando prejuízos aos pescadores. No período da estacada era proibido aos
pescadores, apanharem lampreias na barra ou no rio, com as fisgas, e tantos os
pescadores de Fão, como os de Esposende, mantinha vigilância na barra para
impedir que alguém transgredisse, violando, deste modo, o acordo entre os
pescadores das duas vilas do nosso concelho. Naturalmente, às escondidas, caçavam-se
lampreias porque era muito difícil manter um controlo e vigilância absoluta e, pela
“calada da noite”, as lampreias eram fisgadas e só paravam em casa dos
transgressores….
O Santos, um jovem
pescador astuto, foi para a barra pela tardinha, acompanhado de uns amigos
também pescadores e resolveram apanhar umas lampreias, “à socapa”
e organizaram um plano de actuação para não serem vistos. Com um
bicheiro escondido, lá foram eles para a
Foz do nosso rio Cávado, num dia de nevoeiro e não se encontrava ninguém na
praia, pensavam eles!….
No dia anterior, o Milo,
mais conhecido, pelo Rosas, tinha apanhado duas lampreias no cais da barra mas,
por sorte, não tinha sido descoberto!
Num curto período de
tempo, estes aventureiros, apanharam quatro lampreias, muito “taludas” e todos
ficaram radiantes até que apareceu uma surpresa! O Tio Guedes que andava na
vigilância, no meio do nevoeiro cerrado, viu aqueles “meliantes” com as
lampreias e ordenou-lhes que fossem lançadas ao rio, perante o desespero do Santos que pedia
ao Senhor dos Aflitos para que o tio Guedes mudasse de ideias!...
Caluda, meus vadios, lampreias ao rio e já,
senão à “molho” pela certa, ameaçou o Tio Guedes…
As lampreias já
condenadas, “viram” uma luz ao fundo do túnel já que o Tio Guedes parecia ser o
patrono delas…
Muito desanimado, o Santos
teve que lançar as lampreias ao rio e, uma vez libertadas, continuaram a sua “caminhada”
provavelmente, a caminho da estacada mas aqui sim, poderiam ser apanhadas
porque a tradição assim o permitia…
O Santos olhou para o
Álvaro ”Mudo” e para o seu irmão Serafim e disse-lhes:
Ficamos com o dia estragado
por causa deste tio Guedes que tem a mania que manda…
Mas quem não arrisca,
não petisca, dizia o Santos para os seus amigos, pois amanhã, vamos tentar
outra vez, mas só quando o tio Guedes estiver a dormir a sua soneca lá em casa…
“Pescador de histórias”