CANTINHO DOS LOBOS DO MAR por CARLOS BARROS
Um engate frustado…
Estavamos num
domingo, e os pescadores de Esposende estavam todos em terra porque o mar
estava “bravo” – “de mais” e os jovens Ilhoca, Bidú e Passos andavam todos
aperaltados pela vila, de camisinhas de xadrez
de flanela e calças vincadas e
com sapatinhos a brilhar, com um pouco de lodo nas solas e uns rasgos de limo
encravados na biqueira dos sapatos, com
as solas rotas.
Com esta tarde
soalheira, os três amigos foram à Pensão Rego beber umas malguinhas de vinhaça
e mais depressa entraram quando viram, no hall de entrada, duas beldades,
caídas do céu, que refrescaram logo a vaidade destes três mosqueteiros.
-Ilhoca, olha
para aquelas “gajas” são boas como milho, desabafou Passos Chino.
- “Tá calado” que vamos engatá-las disse logo o
Ilhoca perante o olhar indiferente do Bidú.
Sentaram-se
à mesa e o Ilhoca pegou no Jornal de Notícias que estava sobre a mesa, ainda
manchado com as cores do vinho, e começou a ler.
As raparigas
olhavam de soslaio para estes três intelectuais de “algibeira” e fizeram um
sorriso comprometedor.
-Ó Ilhoca tu não sabes ler, disse o Chino num tom de
voz desafiador e provocador.
-Eu sei ler
muito bem porque o meu professor foi o professor Agostinho C. Manca que me ensinou muito bem,
com aquelas letras de folheta, respondeu o Ilhoca num tom de voz altivo, para
as meninas ouvirem.
Então lê
aqui, perguntou o Chino ao Ilhoca apontando para um título do Jornal onde
estava escrito: ”Paulo VI, veio a Portugal”.
O Ilhoca
levantou o Jornal, e leu em voz alta:-
Pau...Pau…lo vi, vei..ve..i..o a Portugal” leu “fluentemente” o Ilhoca aos seus
amigos.
O Bidú, que
não conhecia uma letra do “tamanho de um boi” aplaudiu e bateu muitas palmas
para as meninas ouvirem e ficarem impressionadas com estes três cultos
leitores.
O Passos que
conhecia a numeração romana ensinada pela Professora D. Isolina e corrigiu o
Ilhoca:
Ó seu “burro” não é “vi” é sexto, em romano,
respondeu com ares de sabichão o Passos para o seu amigo que estava corado,
olhando para as garotas que se riam com aquela cena teatral.
O Bidú, irritado, gritou:
-Ó Fernando , manda mas é três malgas de vinho e umas
iscas de bacalhau da Lininha, para o balcão e a leitura não me interessa porque
estes tipos são uns analfabetos como eu….
O Passos levantou-se do banco e olhando para as
meninas, com ares de “engatatão”
disse-lhes:
Olhai minhas donzelas, eu sou o mais inteligente de
Esposende e como pescador ninguém me bate e se tivesse posses, seria Doutor
como o meu primo Dr. Juvenal.
Estas
veraneantes, levantaram-se e saíram pela porta fora da Pensão, num passo lesto
e ritmado.
O Bidú e o
Ilhoca, piscaram o olho um ao outro, saíram da tasca e foram para o paredão onde
se sentaram, observando aquelas mulheraças que passeavam por entre os varais da
ribeira, abanando os “traseiros” e pontapeando os juncos que se atravessavam no
seu caminho.
De vez em quando,
estas “ninfas do Cávado” paravam nas silvas e apanhavam e comiam umas saborosas
e “gordulhas” amoras silvestres.
Olha, o
doutor ficou a beber na pensão e nós estamos a olhar para estes “traços”! Então
não somos ”finos” concluiu o Bidú para o seu amigo Ilhoca?
Está calado “home” que o Passos pode ouvir, exclamou
o Ilhoca com uma voz de “pintassilgo”…
As duas
donzelas, fizeram uma pausa no seu olhar, dirigiram-se em direção ao rio, junto
às “escadinhas, onde o Armindo Murraca e o Paulo Gatinho pescavam à
“chuncalhada” aos irões que estavam grossos”, enquanto que o Santos e o Pezinho
apanhavam isca no lodo, junto ao cais partido, em frente do salva vidas.
As esbeltas jovens,
com meias de vidro, “afagando” as suas belas pernas, deliciaram-se a ver tantos
irões a “rabiarem” numa panela de alumínio, toda esburacada que o o Manel Chora
tinha trazido da cozinha, sem a mãe saber.
O Ilhoca e o
Bidú, ficaram ciumentos por verem as suas “amadas” junto aqueles dois ”meias-lecas”,
olhando-os com ternura, e admiradas pela
sua arte de pescar.
O Passos espavorido,
apareceu na ribeira, à procura dos dois amigalhaços e ao vê-los no paredão gritou-lhes:
“Homes”, vamos embora que o Zé Paquete já me avisou que
temos que ir “P´ró ”mar às duas da manhã e esta “pescaria” não dá nada e ainda
temos de tirar água da catraia e nem sei onde estão os vertedouros…
Estas meninas
são muito “finas “ para nós que só cheiramos a peixe e foi por isso que não nos
ligaram nada e só aqueles dois “vadios” é que tiveram sorte, lamentou O Bidú
!...
Quem me dera
ser irão para estar junto delas, desabafou o Passos para os dois amigos, muito
desolados pelo falhanço do engate.
As duas jovens
recolheram à pensão e nunca mais foram vistas nas redondezas de Esposende e veio
a saber-se mais tarde, que eram raparigas de Pica de Regalados e que tinha
vindo passar o fim de semana à Pensão Rego,
Os três
mosqueteiros, nas visitas diárias à tasca da Pensão Rego perguntavam sempre ao
Fernando, empregado de balcão pelas “jeitosas”, ao que ele prontamente respondia:
Voaram como
gaivotas para o mar e até eu ainda espero por elas!...
Esta história nasceu de
uma entrevista informal, na rua N.Srª da Graça- feita pelo Carlos Barros ao seu
amigo José Rego, no dia 17 de fevereiro, pelas 16 horas. C
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