domingo, 11 de maio de 2014

CANTINHO DOS LOBOS DO MAR por CARLOS BARROS

CANTINHO DOS LOBOS DO MAR por CARLOS BARROS


Um engate frustado
 
 Estavamos num domingo, e os pescadores de Esposende estavam todos em terra porque o mar estava “bravo” – “de mais” e os jovens Ilhoca, Bidú e Passos andavam todos aperaltados pela vila, de camisinhas de xadrez  de flanela  e calças vincadas e com sapatinhos a brilhar, com um pouco de lodo nas solas e uns rasgos de limo encravados na  biqueira dos sapatos, com as solas rotas.
  Com esta tarde soalheira, os três amigos foram à Pensão Rego beber umas malguinhas de vinhaça e mais depressa entraram quando viram, no hall de entrada, duas beldades, caídas do céu, que refrescaram logo a vaidade destes três mosqueteiros.
-Ilhoca,  olha para aquelas “gajas” são boas como milho, desabafou Passos Chino.
- “Tá calado” que vamos engatá-las disse logo o Ilhoca perante o olhar indiferente do Bidú.
   Sentaram-se à mesa e o Ilhoca pegou no Jornal de Notícias que estava sobre a mesa, ainda manchado com as cores do vinho, e começou a ler.
   As raparigas olhavam de soslaio para estes três intelectuais de “algibeira” e fizeram um sorriso comprometedor.
-Ó Ilhoca tu não sabes ler, disse o Chino num tom de voz desafiador e provocador.
   -Eu sei ler muito bem porque o meu professor foi o professor  Agostinho C. Manca que me ensinou muito bem, com aquelas letras de folheta, respondeu o Ilhoca num tom de voz altivo, para as meninas ouvirem.
   Então lê aqui, perguntou o Chino ao Ilhoca apontando para um título do Jornal onde estava escrito: ”Paulo VI, veio a Portugal”.
  O Ilhoca levantou o Jornal, e leu em voz alta:-
   Pau...Pau…lo vi, vei..ve..i..o a Portugal” leu “fluentemente” o Ilhoca aos seus amigos.
  O Bidú, que não conhecia uma letra do “tamanho de um boi” aplaudiu e bateu muitas palmas para as meninas ouvirem e ficarem impressionadas com estes três cultos leitores.
  O Passos que conhecia a numeração romana ensinada pela Professora D. Isolina e corrigiu o Ilhoca:
  Ó seu “burro” não é “vi” é sexto, em romano, respondeu com ares de sabichão o Passos para o seu amigo que estava corado, olhando para as garotas que se riam com aquela cena teatral.
O Bidú, irritado, gritou:
-Ó Fernando , manda mas é três malgas de vinho e umas iscas de bacalhau da Lininha, para o balcão e a leitura não me interessa porque estes tipos são uns analfabetos como eu….
O Passos levantou-se do banco e olhando para as meninas,  com ares de “engatatão” disse-lhes:
Olhai minhas donzelas, eu sou o mais inteligente de Esposende e como pescador ninguém me bate e se tivesse posses, seria Doutor como o meu primo Dr. Juvenal.
  Estas veraneantes, levantaram-se e saíram pela porta fora da Pensão, num passo lesto e ritmado.
   O Bidú e o Ilhoca, piscaram o olho um ao outro, saíram da tasca e foram para o paredão onde se sentaram, observando aquelas mulheraças que passeavam por entre os varais da ribeira, abanando os “traseiros” e pontapeando os juncos que se atravessavam no seu caminho.
   De vez em quando, estas “ninfas do Cávado” paravam nas silvas e apanhavam e comiam umas saborosas e  “gordulhas” amoras silvestres.
  Olha, o doutor ficou a beber na pensão e nós estamos a olhar para estes “traços”! Então não somos ”finos” concluiu o Bidú para o seu amigo Ilhoca?
Está calado “home” que o Passos pode ouvir, exclamou o Ilhoca com uma voz de “pintassilgo”…
  As duas donzelas, fizeram uma pausa no seu olhar, dirigiram-se em direção ao rio, junto às “escadinhas, onde o Armindo Murraca e o Paulo Gatinho pescavam à “chuncalhada” aos irões que estavam grossos”, enquanto que o Santos e o Pezinho apanhavam isca no lodo, junto ao cais partido, em frente do salva vidas.
 As esbeltas jovens, com meias de vidro, “afagando” as suas belas pernas, deliciaram-se a ver tantos irões a “rabiarem” numa panela de alumínio, toda esburacada que o o Manel Chora tinha trazido da cozinha, sem a mãe saber.
 O Ilhoca e o Bidú, ficaram ciumentos por verem as suas “amadas” junto aqueles dois ”meias-lecas”, olhando-os  com ternura, e admiradas pela sua arte de pescar.
 O Passos espavorido, apareceu na ribeira, à procura dos dois amigalhaços e ao vê-los no paredão   gritou-lhes:
 “Homes”,  vamos embora que o Zé Paquete já me avisou que temos que ir “P´ró ”mar às duas da manhã e esta “pescaria” não dá nada e ainda temos de tirar água da catraia e nem sei onde estão os vertedouros…
  Estas meninas são muito “finas “ para nós que só cheiramos a peixe e foi por isso que não nos ligaram nada e só aqueles dois “vadios” é que tiveram sorte, lamentou O Bidú !...
 Quem me dera ser irão para estar junto delas, desabafou o Passos para os dois amigos, muito desolados pelo falhanço do engate.
  As duas jovens recolheram à pensão e nunca mais foram vistas nas redondezas de Esposende e veio a saber-se mais tarde, que eram raparigas de Pica de Regalados e que tinha vindo passar o fim de semana à Pensão Rego,
   Os três mosqueteiros, nas visitas diárias à tasca da Pensão Rego perguntavam sempre ao Fernando, empregado de balcão pelas “jeitosas”, ao que ele  prontamente respondia:
  Voaram como gaivotas para o mar e até eu ainda espero por elas!...
 Esta história nasceu de uma entrevista informal, na rua N.Srª da Graça- feita pelo Carlos Barros ao seu amigo José Rego, no dia 17 de fevereiro, pelas 16 horas.  C

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