Um turista, azarado…
Estavamos no ano de mil novecentos e sessenta
e dois, quando numa tarde de verão, a motora Filomena Antonieta, com o mestre João
Careca-João Pinto Loureiro- ao leme,
lançou-se ao mar, que se encontrava calmo, no arrasto ao camarão.
Com o mestre
seguiam os seus tripulantes: Alfredo Muchacho, Tonó, António Cabeludo, Tino Fangueiro,
Romão Miquelino, Tone Pirata, Rodolfo “Ilhoca”, Milo Barros e Alfredo “Morrossol”,
uma equipa de pescadores de respeito onde o Morrossol tinha de fazer
continência ao Muchacho, caso contrário ia vassourada no lombo, isto nos momentos de boa
disposição. O Muchacho chamava ao Morrossol por Cornélia, título de um programa
televisivo desses tempos.
A motora, à
saída da barra, dava a força toda e a
ferrugem do cano de escape era aproveitada para o Milo e finado Muchacho, para pintar as caras de alguns tripulantes mais
brincalhões.
Quem quer ser
o Jordão, dizia o Milo para a restante “cambada”? Temos aqui ferrugem que
chegue…
A tripulação,
na zona costeira trabalhou bem, durante algumas horas no arrasto ao camarão, na
“purbeira, no “lares”, no forcadinho ,
locais perto da costa que eram referências para os pescadores.
A “safra” no
final da pescaria foi bastante boa: lavagantes, lagostas, santolas e camarão da
costa, bem graúdo.
No regresso
ao cais norte, na motora, sempre com
o respeitável mestre João Careca ao leme,
reinava a boa disposição, com o Tio Muchacho sempre nas brincadeiras, com o Milo a ajudar à festa e a vítima era
quase sempre o Morrossol que não podia “levantar muito o cabelo”…
Chegada ao cais, a Filomena Antonieta
descarregou o pescado, sendo colocado num gingão para ser vendido, já por
encomenda, para a Póvoa de Varzim, ao comerciante José Reis, homem de negócio,
muito sério e simpático.
Os nossos
pescadores também vendiam o camarão à Zeza da Carqueja mas, esta negociante não
era muito bem vista por eles porque ela enganava-se muito no peso do marisco…
Na sua
mercearia, quando os pescadores vinham com o
marisco, este era posto, pelo Zé Reis , em viveiros, no mar, para mantê-lo vivinho-lavagantes, lagostas…. O
Zé Reis
oferecia presunto e umas garrafas
de vinho à tripulação e que, rapidamente,
ficavam vazias, apenas, o Milo, bebia sumol ou “Canada Dry” ou mesmo pirolito, isto nos dias mais quentes.
Nesta casa comercial,
trabalhou a senhora Maria do Rites, mãe dos nossos amigos esposendenses dr. Fernando Rites e seu irmão, Rogério Rites.
O Alfredo Morrossol foi o encarregado de
levar o marisco ao José Reis, à Póvoa de
Varzim, num gingão, com panos grossos e encharcados por cima, e deslocou-se na
camioneta do “Cascão Linhares“, conduzida pelo “Joaquim das Camionetes”. O escritório do Linhares era em frente dos
Bombeiros velhos, sendo os seus funcionários o Abel da ”Batata” e o António
Pinto que vendiam os bilhetes e responsabilizavam-se pelas encomendas.
O Morrossol, com a sua roupa de pescador, lá
foi na camioneta descansadinho e quando chegou à Póvoa, deixou o marisco em
casa do José Reis que lhe ofereceu uma boa malga de vinho e uma posta de
bacalhau, ficando o Morrossol bem “compostinho”…
O José Reis pagou mil e duzentos escudos pelo
marisco e com tanto dinheiro o amigo Morrossol teve um “ataque de
desonestidade” e pensou:
- Tenho a
minha família em Lisboa e com este dinheirinho, uma “pequena fortuna” para a
época, vou fazer uma visita de surpresa à minha irmã, pensou o amigo Morrossol, já com as notinhas a
aquecer nas mãos calejadas do mar.
Comprou o
bilhete de comboio para o Porto, para a
estação da Campanhã, e lá foi o “turista” no comboio para a cidade invicta,
desejoso por chegar a Lisboa.
Entretanto, o
gingão e os panos tinham chegado na camioneta do Linhares, e o Augusto
Guimarães, homem muito sério, antigo polícia
e engraxador da Nélia, em Esposende foi entregar a encomenda ao João
Careca e restante tripulação, que estava
à espera do dinheiro, para se distribuir o “quinhão” por todos.
Então onde está o dinheiro, Augusto, perguntou o João
Careca!
A mim, não me entregaram nada, respondeu o Augusto
todo aflito!.
Há bronca pela certa, responderam alguns pescadores
da motora.
Será que o Morrossol ficou com o dinheiro, questionou
o Muchacho.
O Tonó, António Chicho e Alfredo Muchacho alugaram o táxi ao António Marques Henriques
e a toda a pressa, foram à Póvoa de Varzim, dirigindo-se à casa
do José Reis à procura do Morrossol.
Zé , o Morrossol esteve aqui, perguntou o João Careca!
Ele entregou-me o marisco, dei-lhe o dinheiro
e foi-se embora respondeu o Zé Reis, com
a maior naturalidade, acrescentando que o viu numa uma loja de roupa de
vestir, perto do seu estabelecimento comercial.
Desconfiado,
o Tonó, sempre espertalhão e
desconfiado, perguntou com a sua “tenebrosa” voz:
-Será que ele foi para Lisboa visitar a irmã?
Malta, vamos
à estação da Campanhã que o “marmanjo” deve estar lá, pronto a partir, disse o
Tonó, gesticulando com ares ameaçadores…
O táxi na
velha estrada número treze, a toda a velocidade, chegou à estação da Campanhã e
lá foram à procura do “turista”.
O comboio para Lisboa não tinha chegado por
sorte da tripulação, e, sentadinho de fatinho branco, calças vincadinhas sapatinho
branco, à “brasuca”, óculos de sol e com risca ao lado, lá estava o Morrossol à
espera do comboio.
Então que estás aqui a fazer na estação, perguntaram
os seus amigos da motora!...
O Morrossol
ficou branco, sem fala e, gaguejando, respondeu:
- Eu perdi a cabeça e ia para Lisboa visitar a minha
irmã e já tenho aqui o bilhete disse o Morrossol, com o ar amedrontado.
Desgraçado,
anda à nossa frente para Esposende que nós iremos vender o bilhete, o que
conseguiram, após
alguns
contactos na bilheteira com os passageiros que estavam na fila para comprarem bilhetes
para os vários destinos.
Onde está o dinheiro do marisco, perguntou o Muchacho
enfurecido com os dentes ”arreganhados”, ao Morrossol?
Ó meu irmão,
gastei-o quase todo na roupa e nos sapatos…
Ò desgraçado,
vamos embora e ainda hoje vais ser morto, ameaçou o Tonó, com o punho fechado.
Durante a
viagem o Morrosssol ouviu das “boas” com algumas ameaças de umas “verdoadas” no
“cachaço”-
O condutor António
Marques Henriques lá ia ouvindo aquela discussão dentro do carro e, pelo
retrovisor, contemplava “o turista” bem vestido, franzindo o ”sobrolho”….
Quando
chegaram à praça de táxis, junto ao largo dos peixinhos, saíram todos, com o
Morrossol, todo “pinote” mal ele sabia que quando chegasse a casa, iria ficar
sem a roupa toda, o que, aliás, veio a acontecer.
O Chico
ficou com a camisa, as calças e o casaco foram distribuídos pelos amigos, ficando o Morrosssol com a roupa da semana,
triste e azarado na frustada aventura para Lisboa que foi interrompida quando
menos esperava…
O Morrossol prometeu pagar a dívida, o que
veio a acontecer, mas a confiança tinha
acabado para com a tripulação da Filomena Antonieta.
O Morrossol, agora mansinho como cordeiro, continuou na Filomena
Antonieta com a restante tripulação e com a dívida paga, a vida continuou e, na
motora, a boa disposição regressou.
“O cantinho dos lobos do
mar”
Carlos
Manuel de Lima Barros
22 de
janeiro de 2013
Trabalho para o mês de fevereiro-Blog-
2013
Nenhum comentário:
Postar um comentário