A lampreia desovada… 
Finais
da década de sessenta, “cheirando”  o
final do ano de  1968, o verão tinha
chegado  e a “seita” da ribeira, os
nortenhos, comandados pelo Aré Mendanha, com a sua “farda esfarrapada”, camisa
sem botões e calças com uma coleção de remendos alinhavados, preparava-se para
as suas aventuras em terra ou no rio, de preferência, onde se sentia “como
peixe na água”. 
Era
um grupo de crianças, sempre alegres e hábeis na aventura porque os brinquedos
na época, não abundavam e  havia  fome e miséria, em diversos extratos sociais,
da então vila de Esposende, e a RUA era o local para espraiar  o direito e o desejo de brincar, num convívio
interativo com a Natureza: rio, mar, terra-ribeira, Pinhal Careca,  Campos de futebol- do Serralheiro, do
Emilinho, Faustina, Junqueira, Ribeira, Pinto entre outros, 
Nessa
altura, era uma geração de ribeirenses bastante diversificado- Luciano Garcia,
Arnaldo , Adriano Vareiro, Carlitos, Abílio, Santos, Toninho Batecas,
Alfredinho, Zé do Fá,  Armindo, Pezinho
Arrebita, Marques , Gomes, Duarte,…- e todos eles constituíam um grupo unido na
“arte de brincar” e mesmo de sobreviver…
Quando  as calças estavam molhadas,  colocava-as a secar , nos varais da ribeira ou
no monte das silvas e andava de cuecas que pareciam uma rede de pesca…
Estávamos
no período da pesca à  lampreia, já no
seu declinar, e este”King” da ribeira, sabia que a tia Quina do Guedes e a Tia
Ção do Tatá,  queriam lampreias para
vender aos banhistas de Braga e  nada
melhor que uma incursão nas águas cristalinas do nosso rio Cávado, à procura do
desejado  ciclóstomo”.
O
Aré,  sempre descalço, porque o par de
sapatos que tinha em casa, era para os domingos e dias festivos, decidiu fazer
uma travessia no rio Cávado, com os seus “súbditos” – Marino, Santos, Guedes,
…- e deslocando-se para a rampa sul, 
começou a nadar para as “croas”-areais no meio do rio…-  na esperança de encontrarem uma lampreia  perdida ou desorientada e deu-se um milagre:
-
Marino, apanhei uma lampreia e  é
“taluda, gritou o Aré  com os seus “sete
foles”!
-
O Santos espantado pela façanha do seu amigo, 
gritou:
-
Aré, anda para terra e vamos já vendê-la à tia Quina do Guedes que ela tem
clientes, isto perante o ar impávido do Marino…
Com
a lampreia já em terra, bem transportada e agarrada nos  sólidos dentes do Aré,  foi levada à casa do Guedes onde se
encontrava a tia Quina à porta observando alguns  turistas, pescadores desportivos,  a comprar isca à tia  Maria 
Fifas,  no bairro de S. Vicente de
Paulo.
A
tia Quina ao ver a lampreia , comprou-a, num “abrir e fechar de olhos” mal ela
sabia que a lampreia estava desovada, já que o seu aspeto não enganava…
O
Aré, acompanhado com os seus comparsas, quando 
recebeu cinco “croas “das mãos da tia Quina, acelerou a grande
velocidade e só parou na padaria Beirão, onde comprou uma sêmea e duas” bicas”
e estava o dia ganho para esses “mariolas”!
 Meu Deus, Marino, a tia Quina vai-nos matar
quando olhar para a lampreia desovada que parecia uma “defunta”…
A
“comandita “fugiu a sete pés” , em direção à ribeira, onde  se realizava um jogo de futebol Norte-Sul,
entre os tripulantes das traineiras; Tonó, João Careca, Guimarães, Alfredo,
Nibra, Guedes, Quico, Passos, “Morrosol”, Saganito, Miquelino,Mó,  em suma , a “velha guarda”,  veterana mas sempre bem dispostos e
aguerridos durante o jogo, já que se jogava a dinheiro ou a rodadas de
vinho-tigelas/malgas na Tasca da Zeza da Labrista, Abilio Coutinho ou, algumas
vezes,  no Barrigana ou Marino. Durante o
jogo, sem árbitro, “berrava-se” mais do que se jogava e as discussões eram
frequentes e  a “porrada” era um pouco
habitual e quando acontecia, o jogo acabava…
  Junto a uns juncos, no paredão do rio, “ este
maralhal” sentou-se e encheu o “bandulho” 
com a sêmea e alguma fruta “surripiada” do campo do Mota Campos, num dos
seus habituais, assaltos à fruta e com a  “morte da fome”, sempre momentânea, nada
melhor que uns mergulhos nas “escadinhas” para 
comerem uns tremoços da Tia Amália que estavam sempre a “curar”  no fundo do rio, perto das famosas
“escadinhas”… Uns buracos nos sacos de serapilheira e os tremoços  depressa viajavam para os estômagos  destes “meninos do rio”…
 No final do repasto, houve uma reunião junto
ao Salva-Vidas, na rampa  norte, perante
os olhares atentos do Tio Abílio e da Tia Esmeralda, porque nunca era de
confiar nestes  mandriões e estava em
discussão,   uma nova aventura…
Para
o dia seguinte, foi programado um assalto às uvas e figos ao campo do  Zão , que estava sempre vigiado pelo
intempestivo Adolfo que chegou mesmo, a agarrar o famoso Aré, já com uns cachos
de uvas por debaixo da  camisola, e
deu-lhe uma valente “trepa” que ainda hoje, dia 5 de setembro de 2022, o  Jorge Mendanha- Aré- se recordou no café Cine,
quando tomava o seu café, com o seu grande amigo e cunhado Zé Fidó!
 “Velhos tempos”, desabafava, numa breve
conversa, este nosso amigo Jorge Mendanha, na ribeira e no futebol, era
conhecido pelo epíteto de Aré!
Como
“Aré”,  praticamente nasceu, e  como 
Aré, um dia, morrerá, com este apelido de que ele se orgulha, como
símbolo de uma infância e juventude  de
que muito se orgulha.
 Agora, o nosso amigo Aré, assinante e amante
do Jornal Farol de Esposende, vai viajar amanhã, dia 6 de setembro, para a
Córcega, um emigrante que nunca se esqueceu e jamais  se esquecerá 
de Esposende, sua terra Natal.
 Confessava-me ele:
 Carlinhos, o que gosto mais gosto de ler, na
Córcega,  no  nosso jornal-Farol de Esposende- é o” Neco e
o Bóias” porque  faz-me lembrar a minha
infância e juventude…
 Boa viagem amigo, para as terras , não da
“Sardinha”-Sardenha- como dizia o Tachi, mas, para a Córcega ,  para junto dos teus familiares…
                                                                                               
 “O Bóias”
Carlos Manuel de Lima Barros 
Esposende,
4 de setembro de 2022