segunda-feira, 5 de setembro de 2022

CANTINHO DOS LOBOS DO MAR por Carlos Barros

 

 A lampreia desovada…

Finais da década de sessenta, “cheirando”  o final do ano de  1968, o verão tinha chegado  e a “seita” da ribeira, os nortenhos, comandados pelo Aré Mendanha, com a sua “farda esfarrapada”, camisa sem botões e calças com uma coleção de remendos alinhavados, preparava-se para as suas aventuras em terra ou no rio, de preferência, onde se sentia “como peixe na água”.

Era um grupo de crianças, sempre alegres e hábeis na aventura porque os brinquedos na época, não abundavam e  havia  fome e miséria, em diversos extratos sociais, da então vila de Esposende, e a RUA era o local para espraiar  o direito e o desejo de brincar, num convívio interativo com a Natureza: rio, mar, terra-ribeira, Pinhal Careca,  Campos de futebol- do Serralheiro, do Emilinho, Faustina, Junqueira, Ribeira, Pinto entre outros,

Nessa altura, era uma geração de ribeirenses bastante diversificado- Luciano Garcia, Arnaldo , Adriano Vareiro, Carlitos, Abílio, Santos, Toninho Batecas, Alfredinho, Zé do Fá,  Armindo, Pezinho Arrebita, Marques , Gomes, Duarte,…- e todos eles constituíam um grupo unido na “arte de brincar” e mesmo de sobreviver…

Quando  as calças estavam molhadas,  colocava-as a secar , nos varais da ribeira ou no monte das silvas e andava de cuecas que pareciam uma rede de pesca…

Estávamos no período da pesca à  lampreia, já no seu declinar, e este”King” da ribeira, sabia que a tia Quina do Guedes e a Tia Ção do Tatá,  queriam lampreias para vender aos banhistas de Braga e  nada melhor que uma incursão nas águas cristalinas do nosso rio Cávado, à procura do desejado  ciclóstomo”.

O Aré,  sempre descalço, porque o par de sapatos que tinha em casa, era para os domingos e dias festivos, decidiu fazer uma travessia no rio Cávado, com os seus “súbditos” – Marino, Santos, Guedes, …- e deslocando-se para a rampa sul,  começou a nadar para as “croas”-areais no meio do rio…-  na esperança de encontrarem uma lampreia  perdida ou desorientada e deu-se um milagre:

- Marino, apanhei uma lampreia e  é “taluda, gritou o Aré  com os seus “sete foles”!

- O Santos espantado pela façanha do seu amigo,  gritou:

- Aré, anda para terra e vamos já vendê-la à tia Quina do Guedes que ela tem clientes, isto perante o ar impávido do Marino…

Com a lampreia já em terra, bem transportada e agarrada nos  sólidos dentes do Aré,  foi levada à casa do Guedes onde se encontrava a tia Quina à porta observando alguns  turistas, pescadores desportivos,  a comprar isca à tia  Maria  Fifas,  no bairro de S. Vicente de Paulo.

A tia Quina ao ver a lampreia , comprou-a, num “abrir e fechar de olhos” mal ela sabia que a lampreia estava desovada, já que o seu aspeto não enganava…

O Aré, acompanhado com os seus comparsas, quando  recebeu cinco “croas “das mãos da tia Quina, acelerou a grande velocidade e só parou na padaria Beirão, onde comprou uma sêmea e duas” bicas” e estava o dia ganho para esses “mariolas”!

 Meu Deus, Marino, a tia Quina vai-nos matar quando olhar para a lampreia desovada que parecia uma “defunta”…

A “comandita “fugiu a sete pés” , em direção à ribeira, onde  se realizava um jogo de futebol Norte-Sul, entre os tripulantes das traineiras; Tonó, João Careca, Guimarães, Alfredo, Nibra, Guedes, Quico, Passos, “Morrosol”, Saganito, Miquelino,Mó,  em suma , a “velha guarda”,  veterana mas sempre bem dispostos e aguerridos durante o jogo, já que se jogava a dinheiro ou a rodadas de vinho-tigelas/malgas na Tasca da Zeza da Labrista, Abilio Coutinho ou, algumas vezes,  no Barrigana ou Marino. Durante o jogo, sem árbitro, “berrava-se” mais do que se jogava e as discussões eram frequentes e  a “porrada” era um pouco habitual e quando acontecia, o jogo acabava…

  Junto a uns juncos, no paredão do rio, “ este maralhal” sentou-se e encheu o “bandulho”  com a sêmea e alguma fruta “surripiada” do campo do Mota Campos, num dos seus habituais, assaltos à fruta e com a  “morte da fome”, sempre momentânea, nada melhor que uns mergulhos nas “escadinhas” para  comerem uns tremoços da Tia Amália que estavam sempre a “curar”  no fundo do rio, perto das famosas “escadinhas”… Uns buracos nos sacos de serapilheira e os tremoços  depressa viajavam para os estômagos  destes “meninos do rio”…

 No final do repasto, houve uma reunião junto ao Salva-Vidas, na rampa  norte, perante os olhares atentos do Tio Abílio e da Tia Esmeralda, porque nunca era de confiar nestes  mandriões e estava em discussão,   uma nova aventura…

Para o dia seguinte, foi programado um assalto às uvas e figos ao campo do  Zão , que estava sempre vigiado pelo intempestivo Adolfo que chegou mesmo, a agarrar o famoso Aré, já com uns cachos de uvas por debaixo da  camisola, e deu-lhe uma valente “trepa” que ainda hoje, dia 5 de setembro de 2022, o  Jorge Mendanha- Aré- se recordou no café Cine, quando tomava o seu café, com o seu grande amigo e cunhado Zé Fidó!

 “Velhos tempos”, desabafava, numa breve conversa, este nosso amigo Jorge Mendanha, na ribeira e no futebol, era conhecido pelo epíteto de Aré!

Como “Aré”,  praticamente nasceu, e  como  Aré, um dia, morrerá, com este apelido de que ele se orgulha, como símbolo de uma infância e juventude  de que muito se orgulha.

 Agora, o nosso amigo Aré, assinante e amante do Jornal Farol de Esposende, vai viajar amanhã, dia 6 de setembro, para a Córcega, um emigrante que nunca se esqueceu e jamais  se esquecerá  de Esposende, sua terra Natal.

 Confessava-me ele:

 Carlinhos, o que gosto mais gosto de ler, na Córcega,  no  nosso jornal-Farol de Esposende- é o” Neco e o Bóias” porque  faz-me lembrar a minha infância e juventude…

 Boa viagem amigo, para as terras , não da “Sardinha”-Sardenha- como dizia o Tachi, mas, para a Córcega ,  para junto dos teus familiares…

                                                                                              

 “O Bóias”

Carlos Manuel de Lima Barros

Esposende, 4 de setembro de 2022

 

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