terça-feira, 5 de abril de 2022

Carlos Manuel de Lima Barros

 A estacada em Esposende….

Foi tradição em Esposende, durante longos anos, a utilização da estacada – inúmeras estacas de pinho, espetadas na areia do rio – leito - em forma de  bico, chamado fojo - abrangendo parcialmente   as duas margens do rio Cávado. A rede era presa nas referidas estacas-toros de pinho- e iam para o fundo, com apoio dos garruchos-cordas presas às estacas-.

Os paus – estacas - eram compradas ou surripiadas pelos pescadores nas bouças e eram espetadas com o auxílio de um “maço de madeira”. A estacada funcionava em “sociedade” entre os pescadores de Esposende e de Fão, em dias alternados e a rede só podia ser instalada ao nascer do sol e ao pôr-do-sol, tinha de ser retirada, visando a preservação da espécie – ciclóstumes - .

 Os pescadores de Fão - António Borda, Tone Lírio, Arménio, Ascánio…, com os seus barquinhos , colocavam-se  perto do “vértice”-fojo- da estacada e com os seus bicheiros apanhavam as lampreias que se aglomeravam em grande número e os pescadores de Esposende, - Candido Curico, tio David Loureiro, Santos , João Careca, Zé “Bebado”, Álvaro e  João  Fá, Serafim,  Guedes…-  procediam da mesma maneira.

O dia dezoito de  Dezembro era o inicio da safra da lampreia e terminava a quinze de Abril e nesse período, pescavam-se milhares de lampreias que se vendiam, ao quilo, na época-1960… por vinte  escudos, ou cinquenta escudos conforme a quantidade e, mais tarde, eram vendidas à unidade , como hoje sucede.

Nos rigores do inverno, com as enxurradas, as redes eram arrastadas e perdiam-se no rio ou no mar, causando prejuízos aos pescadores, perante uma barra-Foz- sempre pérfida e  perigosa.

 No período da estacada era proibido aos pescadores, apanharem lampreias na barra ou no rio, com as fisgas, e os pescadores de Fão e de Esposende, mantinha vigilância na barra para impedir que alguém transgredisse, violando, deste modo, o acordo entre os pescadores das duas vilas do nosso concelho. Naturalmente, às escondidas, “caçavam-se” lampreias porque era muito difícil manter um controlo e vigilância absoluta e, pela “calada da noite”, as lampreias eram fisgadas e só paravam em casa dos transgressores/surripiadores.

 O Santos, um jovem pescador astuto, fugindo à mãe, a tia Maria Fifas, foi para a barra pela tardinha, acompanhado de uns amigos também pescadores, resolveram apanhar umas lampreias, “à socapa”  e organizaram um plano de actuação para não serem vistos. Com um bicheiro escondido, lá foram para a Foz do nosso rio Cávado, num dia de nevoeiro e não se encontrava ninguém na praia,  pensavam eles!…. Era um ambiente de enigma e de “suspense”!!!!

No dia anterior, o Milo, mais conhecido, pelo Rosas, tinha apanhado duas lampreias no cais da barra mas, por mero acaso, não tinha sido descoberto!

Num curto período de tempo, estes aventureiros, apanharam quatro lampreias, muito “taludas” e todos ficaram radiantes até que apareceu uma surpresa! O Tio Guedes que andava na vigilância, no meio do nevoeiro cerrado, viu aqueles meliantes com as lampreias e mandou pô-las  ao rio, perante o desespero do Santos que pedia ao Senhor dos Aflitos para que o tio Guedes mudasse de ideias!..

 -Caluda, meus vadios, lampreias ao rio e já, senão à “molho” pela certa, ameaçou o Tio Guedes, homem corpulento e de elevado sentido de justiça.

As lampreias já condenadas, “viram” uma luz ao fundo do túnel já que o Tio Guedes parecia ser o patrono delas…

Muito desanimado, o Santos teve que lançar as lampreias para o rio e, uma vez libertadas, continuaram a sua “caminhada” provavelmente, a caminho da estacada mas aqui sim, poderiam ser apanhadas porque a tradição assim o permitia…

O Santos olhou para o Álvaro mudo e para o seu irmão Serafim e disse-lhes:

-Ficamos com o dia estragado por causa deste tio Guedes e por hoje, estamos desgraçados que não há “Money-pataco- para ninguém!…O Álvaro “Mudo”, cabisbaixo olhava tristonho para a sua japona esverdeada e de soslaio olhou para o Santos e  desabafou:

-Ficamos em seco “irmão” e eu que pensava beber umas tigelas de vinho no Barrigana , na Lucas ou mesmo ao Abilio Coutinho que tem lá uma” pinga” do Tio Firmino de Vila Cova que nem imaginas! Até pinta o fundo da malguinha…

Mas quem não arrisca, não petisca, dizia o Santos para os seus amigos, pois amanhã, vamos tentar outra vez, mas só quando o tio Guedes estiver a dormir a soneca lá em casa…

 Uma nova incursão ao rio, pela noitinha, com o Tio Guedes a dormir um sono profundo, segundo informações fornecidas pelos filhos, o trio de aventureiros lá foram, com os longos bicheiros às costas, para o “cú de baleia” e conseguiram fisgar 7 lampreias que foram divididas pelos três e logo vendidas aos “banhistas” por 50 escudos, cada uma.

 Como a divisão  das lampreias  entre eles, não era exata, duas para cada um, sobrava uma  que foi para   a tia Amália dos tremoços que não comia lampreia há muito tempo, como tinha confessado, na mercearia/armazém do Coutinho quando tinha ido comprar tremoços para “curar” nas escadinhas do rio.

 

“O BÓIAS” 

Carlos Manuel de Lima Barros                      

Esposende, 12 de  abril de 2022

 

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