por Carlos Barros
Uma sande especial…
Esposende espreguiçava-se e deleitava-se no seu leito, um
grande ”lençol de água”, adocicado com o aroma do Cávado, cobria-lhe o seu
corpo e com a aproximação da tardinha, sombria e invernosa, os esposendenses
desfrutavam-se com uma sã e sempre agitada convivência.
Na Havaneza, café popular, juntavam-se
os amigos, preparando-se para as “partidas” onde o humor estava sempre
presente. O café Primorosa, era um espaço mais frequentado
pela “Velha–Guarda” comercial e intelectual dessa época, onde se discutiam
os negócios, o futebol, enquanto que alguns –Abílio Coutinho,
Álvaro do Talho, João “Calhandra”…- ”aqueciam” as pedras dos dominós” para umas
renhidas partidas onde o silêncio era proibido!
O Zé Dias, carteiro profissional, exemplar chefe de família,
tinha acabado de consertar algumas chuteiras dos jogadores do ESC-
Esposende Sport Club-, cosendo as solas, fixando as
“travessas” com algumas taxas ou engraxando as
já desgastadas botas de futebol.
Já tinha dado a “volta” na sua bicicleta, distribuindo
as cartas e algumas encomendas pelas casas da vila e estava na hora
do descanso e dos amigos.
Chegado à Havaneza, O Zé Dias, juntou-se ao seu amigo Barros
Lima, e no bilhar livre, o Catora e o Quim Serralheiro mediam forças, com
as suas desastradas tacadas, olhando sempre para o marcador dos bilhares porque
o dinheiro, nesse tempo, era escasso. O Zé Dias gostava de enfrentar o Catora
mas, nem sempre ganhava e quando perdia, saía do café e descarregava a
sua revolta, dando alguns murros, na parede da Misericórdia, provavelmente,
“acordando” alguns Santos e o S. Cristovão era uma dessas vítimas…
Já na Havaneza, o Zé Dias pediu uma sande de queijo ao senhor
Franquelim e, com andamento apressado, foi à casa de banho, quase escorregando
numa casca de limão, perdida talvez de um carioca de alguma Madame
que tivesse bebido no Salão de Chã…
O Barros Lima, sempre astuto e brincalhão, presenciando a
pressa do amigo, foi ao WC das mulheres e sacou de uma sabonete
Patti, já muito gasto, e colocou-o, “à sorrateira” dentro do pão do
Zé Dias. No regresso do “serviço”, o nosso amigo carteiro, dirigiu-se
ao balcão e com avidez pegou na sande, supostamente de queijo e, com uma forte
trincada, porque a fome apertava, engoliu sofregamente, a sande e,
de imediato, lançou um grito desesperado ao saborear o
“condimento” que já “viajava” pela goela abaixo…
Quem me fez isto! Bandidos, corrécios vão pagá-las ameaçou
o Dias!
Os clientes profissionais da Havaneza, caladinhos, nada
confessaram justificando-se que estavam a jogar bilhar, exibindo grandes
“carambolas” perante o empregado Jerónimo que estava a servir um copo de vinho
ao Fernandinho ferreiro. A D. Angelina, a “leste” do que se passava, vendia um
pirolito ao Sotero que tinha arranjado cinco escudos, dados pelo tio Alberto
Costa.
O Barros Lima disfarçava a sua cumplicidade e olhava para
o Zé Dias que cuspia para todo o lado, irritado com esta partida que lhe tinham
pregado.
Não faz mal, senhor Franquelim, quero outra
sande mas, não saio daqui….
O Valdemar, com o seu longo e ensebado casaco, espreitava
à porta do café e chamava pelo senhor Franquelim:
-“Calchinhas”, eu vi tudo, foi o “barrolime” que
pôs o sabonete na sande do Zé Dias!
O Zé Dias, ao ouvir este testemunho, atirou-se
ao Barros Lima mas, este muito lesto, saiu pela porta fora da Havanza e
só parou em casa, fugindo a “sete pés” livrando-se de uns murros ou lambadas,
sempre certeiras, do Zé Dias, conhecido por “Osse” do Bonanza”!
Durante uns dias, o Barros Lima andou fugido do seu amigo
e quando estava à porta da Havaneza, perguntava ao senhor Franquelim:
- O Zé Dias está aí?
- Não, podes entrar que não há perigo, anunciava o
senhor Franquelim, com a sua voz enrouquecida, com a D. Angélica, alheia
a toda esta situação, servindo uma tacinha ao Tibério.
Como o tempo “apaga” as mágoas e as vinganças, o
Zé Dias, homem bondoso e prestável, recuperou a amizade com o Barros Lima
que, em futuros encontros, pagou umas sandes ao seu velho amigo, e a amizade
regressou ao seio destes dois castiços esposendenses.
O Zé Dias nunca mais pediu uma sande na Havaneza, com o
Barros Lima presente…
“Pescador de histórias”