sábado, 2 de março de 2019

CANTINHO DOS LOBOS DO MAR

 por Carlos Barros 

Uma sande especial…

Esposende espreguiçava-se e deleitava-se no seu leito, um grande ”lençol de água”, adocicado com o aroma do Cávado, cobria-lhe o seu corpo e com a aproximação da tardinha, sombria e invernosa, os esposendenses desfrutavam-se com uma sã e sempre agitada convivência.  
Na Havaneza, café  popular,  juntavam-se os amigos, preparando-se para as “partidas” onde o humor estava sempre presente. O café  Primorosa, era um espaço  mais frequentado pela “Velha–Guarda”  comercial e intelectual dessa época, onde se discutiam os negócios, o futebol,  enquanto que alguns –Abílio Coutinho, Álvaro do Talho, João “Calhandra”…- ”aqueciam” as pedras dos dominós” para  umas renhidas partidas onde o silêncio era proibido!

O Zé Dias, carteiro profissional, exemplar chefe de família, tinha acabado de consertar  algumas chuteiras dos jogadores do ESC- Esposende  Sport  Club-, cosendo as solas, fixando as “travessas”  com algumas taxas ou  engraxando  as já desgastadas botas de futebol.
Já tinha dado  a “volta” na sua bicicleta, distribuindo as cartas e algumas encomendas  pelas casas da vila e estava na hora do descanso e dos amigos.
Chegado à Havaneza, O Zé Dias, juntou-se ao seu amigo  Barros Lima, e no bilhar livre, o Catora e o Quim Serralheiro mediam forças, com as suas desastradas tacadas, olhando sempre para o marcador dos bilhares porque o dinheiro, nesse tempo, era escasso. O Zé Dias gostava de enfrentar o Catora mas, nem sempre ganhava e quando perdia, saía do café e descarregava  a sua revolta, dando alguns murros, na parede da Misericórdia, provavelmente, “acordando” alguns Santos e o S. Cristovão era uma dessas vítimas…
Já na Havaneza, o Zé Dias pediu uma sande de queijo ao  senhor Franquelim e, com andamento apressado, foi à casa de banho, quase escorregando numa casca de limão, perdida talvez  de um carioca de alguma Madame que tivesse bebido no Salão de Chã…
O Barros Lima, sempre astuto e brincalhão, presenciando a pressa do amigo, foi  ao WC das mulheres e sacou de uma sabonete Patti, já muito gasto,  e colocou-o, “à sorrateira” dentro do pão do Zé Dias. No regresso do “serviço”, o nosso amigo carteiro,  dirigiu-se ao balcão e com avidez pegou na sande, supostamente de queijo e, com uma forte trincada, porque a fome apertava, engoliu sofregamente, a sande  e, de imediato,  lançou um grito desesperado  ao saborear o “condimento” que já “viajava” pela goela abaixo…
Quem me fez isto! Bandidos, corrécios vão pagá-las ameaçou o Dias!
Os clientes profissionais da Havaneza, caladinhos, nada confessaram justificando-se que estavam a jogar bilhar, exibindo  grandes “carambolas” perante o empregado Jerónimo que estava a servir um copo de vinho ao Fernandinho ferreiro. A D. Angelina,  a “leste” do que se passava,   vendia  um pirolito ao Sotero que tinha arranjado cinco escudos, dados pelo tio Alberto Costa.
O Barros Lima disfarçava a sua cumplicidade e olhava para o Zé Dias que cuspia para todo o lado, irritado com esta partida que lhe tinham pregado.
Não faz mal, senhor Franquelim,  quero outra sande mas, não saio daqui….
O Valdemar, com o seu longo e ensebado casaco, espreitava à porta do café e chamava pelo senhor Franquelim:
-“Calchinhas”, eu vi tudo, foi o “barrolime”  que pôs o sabonete na sande do Zé Dias!
 O Zé Dias, ao ouvir este testemunho,  atirou-se ao Barros Lima mas, este muito  lesto, saiu pela porta fora da Havanza  e só parou em casa, fugindo a “sete pés” livrando-se de uns murros ou lambadas, sempre certeiras, do Zé Dias, conhecido por “Osse” do Bonanza”!
Durante uns dias, o Barros Lima andou fugido do seu amigo e quando estava à porta da Havaneza, perguntava ao senhor Franquelim:
- O Zé Dias está aí?
- Não, podes entrar que não há perigo, anunciava  o senhor Franquelim, com a sua voz enrouquecida, com a D. Angélica,  alheia a toda esta situação, servindo uma tacinha ao Tibério.
Como o tempo “apaga” as mágoas e  as vinganças,  o Zé Dias, homem bondoso e prestável, recuperou a amizade com o Barros Lima que, em futuros encontros, pagou umas sandes ao seu velho amigo, e a amizade regressou ao seio destes dois castiços esposendenses.
O Zé Dias nunca mais pediu uma sande na Havaneza, com o Barros Lima presente…
“Pescador de histórias”