CANTINHO DOS LOBOS DO MAR
por Carlos Barros
Um Carnaval, com “Vuelta” em Esposende…
O ano de 1967,
transpirava de folia porque estávamos no Carnaval, a Ribeira estava pujante, toda aperaltada, com muitas pessoas à espera pela passagem
dos ciclistas, ao longo da marginal , com o piso ainda poeirento e um pouco
empedrado. Não havia desfiles tradicionais de Carnaval, mas, iria haver, um outro
acontecimento, uma acalorada e competitiva corrida de bicicletas, à volta da então
“Vila de S. Sebastião”…
Alguns dias antes, no
Largo Rodrigues Sampaio, num piso empoeirado e ensaibrado, tinha decorrido uma
disputada corrida de galgos atrás de uma lebre, accionada por um sistema
mecânico, com os galgos do Jaime do talho, a Corsa, de cor cinzenta, e o Coral,
de pelo amarelo torrado, a darem algum festival aos galgos concorrentes, vindos
do Distrito de Braga. O Jorge, o Chico “Dólar”, e o Lano apoiavam os seus
galgos saltando de contentamento com a sua exibição, com o Toninho Losa,
trincando um rebuçado “peitoral”, a teorizar sobre a psicologia dos caninos,
explanando alguns conhecimentos de física mecânica,-roldanas…- ensinada pelo
Dr. Alceu Vinhas, professor do Colégio/Externato Infante Sagres…
O Tininho Magalhães, fotógrafo
profissional, era o principal mentor e organizador deste evento ciclopédico e a
partida era em frente do Farol, sempre pela tardinha, para fugir da vigilância
e do controlo das autoridades,-GNR- sempre vigilantes e repressivas .
O senhor Gomes,
ilustre profissional de fotografia da Foto Bazar, estava numa reportagem de uma
comunhão solene e tinha a agenda preenchida, neste dia da “Vuelta” a Esposende,
embora não fosse “homem” para estas reportagens de exterior….
Era o Zé da Vila,
zeloso funcionário da Câmara M. de Esposende, que dava o sinal de partida, com
uma bandeira feita com um cabo de vassoura e um farrapo branco, dado pela
Julinha, costureira moradora na Rua General Roçadas, que tinha cortado de um
lençol velho e esburacado.
Estavam inscritos 20
corredores, com as suas “pasteleiras” afinadinhas e o Mário Trabuqueta, grande sprínter, tinha ido, previamente, ao Marino beber um copo de leite, como reforço
energético e calórico, na companhia do Purguinha, seu irmão, que ia sentado, todo requintado, no quadro da bicicleta marca, “ Órbita” , empresa
fundada por Aurélio Ferreira-Águeda-.
A meta volante, era
junto ao antigo Núcleo de Campismo de Esposende, onde existiu a Pensão
Suave-Mar e, mais tarde, a Pensão Pôr-de-Sol.
Os directores deste NCE-Núcleo de Campismo de Esposende-
organizava, no salão de entrada, bailes de Carnaval, cuja entrada era paga,
visando a angariação de fundos. Aos
domingos, também havia sessões de cinema, com uma bancada improvisada para os
assistentes-plateia- e os filmes do Cantiflas- “Bombeiro Atómico”…- do actor
Mário Moreno- enchiam a sala…
A “garotada” da classe social “aburguesada” de Esposende, foi
comprar ao Foto Bazar, “bichinhas“, bombas e alguns “estalinhos”, sob os
olhares atentos da senhor Gomes e da Manuela da “Viúva”. No final da corrida, aparecia
o “fogo de artifício”, com a utilização, desse material “pirotécnico”!
O polícia
improvisado deste “Tour”, era o Jaime do Talho com a ajuda do Zé do Alfredo do
talho que iam nas suas “potentes” motorizadas “Pachancho” e “Sachs”, acompanhando os corredores ao longo
do percurso. O Toni Bermudes também acompanhava e apoiava os ciclistas no seu
“moton” Alpine, emprestado pelo seu pai, de cor preta, e que fazia uma grande
barulheira pelo cano de escape, assustando os cães vadios que pululavam pelas
ruas de Esposende…
Os ciclistas estavam
todos prontos na meta e o Zé da Vila deu a partida e assim começou esta grande
corrida com os atletas a pedalarem ao longo da marginal, num “pavée” irregular,
um “treme cús”…
O Mário Trabuqueta, sem
grande esforço, comandou as primeiras centenas de metros e ganhou a meta
volante, ganhando uma garrafa de cerveja Cristal de litro que custava, na
altura, 2$00, na década de sessenta mas, este
ciclista, no final, preferiu o dinheiro que a “basuca”…A sua bicicleta
tinha duas velocidades, uma novidade tecnológica daquela época e as luzes do
farolim estavam avariadas, embora o “dínamo”, em segunda mão, estivesse , aparentemente , em boas condições!
Ao passar pela
estrada nacional, nº 13, o Mário, meteu a segunda velocidade, e tornou a ganhar
a outra meta-volante, estando pleno de força e confiança, era uma espécie de
Emiliano Dionísio, antigo ciclista do Sporting….
Todos gritavam pelo ídolo: Trabuqueta…Trabuqueta…Trabuqueta…Faísca…Faísca…
Os seus adversários
andavam mais lentos, sempre com medo de tombarem nas valetas, porque a
escuridão na estrada nacional, era quase total.
Durante o percurso,
havia pouca luz mas, os “sonares” dos ciclistas ajudavam a calcorrear a estrada,
evitando, deste modo, possíveis quedas…
O carro da vassoura,
com a publicidade de algumas casas comerciais de Esposende, era o camião do
Manuel Pinto, mais conhecido popularmente por “Rex” e o Zé “Crocodilo” ia com a
vassoura na mão, animando os corredores.
O Zé do talho
perguntava ao Mário Trabuqueta se ia aguentar aquele ritmo de velocidade e,
todo tranquilo, respondeu-lhe que tinha tomado um copo de leite no Marino e
assim, mantinha-se em plena forma, para
terminar a prova, apesar das suas pernas serem umas “ganchetas”….
O Tonho, já ”estoirado”
de tanto pedalar, amarrou-se à mota do
Manuel Reis e veio de boleia, à ”sorrateira”, chegando, naturalmente, à meta em primeiro lugar, sob grandes aplausos
da assistência. Começaram a cair “bombas” e “bichinhas” junto à meta, e a
assistência ficou alvoraçada com tanto estampido…
Corrida sem confusão não era corrida e, para não “fugir à
regra”, veio a habitual confusão...
No final, houve um
grande burburinho, junto à meta, porque a marosca do Tonho, tinha sido descoberta
e o popular “júri” estava embaralhado com tanta gritaria e ameaças, sendo o
Carlos Bicho, o Aníbal Mó e o Mouco , os mais revoltados por esta “falcatrua”...
O Tonho foi desclassificado como vencedor, e a acalmia
regressou…
O Quim Tripas e o Fernando Quintino, estavam a “afiar as facas”
preparando investidas para o dia seguinte; assaltos à fruta, invasão ao canil
para libertar os indefesos e condenados caninos, caçadas aos “charréus” e verdilhões
e assaltos aos ninhos, menos aos de poupa…, entre outras aventuras…
Depois de acesa
discussão, a vitória foi atribuída ao veloz e “pernalonga” Mário Trabuqueta,
que tinha ficado em segundo lugar contudo, não precisou de apoios ilegais,
limitando-se a ingerir, como natural “doping”,
o referido o fortificante leite servido
pela benevolente, paciente e simpática
D. Alzira da Pensão/Tasco Marino.
Já pela noitinha,
todos os ciclistas regressaram às suas casas, com o dever cumprido, não se
verificando desistências nesta “Vuelta” que teve a sorte não ter sido detectada
pela Guarda Republicana de Esposende.
O Tininho , com a sua
Kodack de fole, fazia a sua reportagem sobre este importante evento desportivo mas , os rolos de 36 fotografias depressa acabavam, para seu
desespero .
O senhor António
Terra (Fandino), junto à sua loja, publicitava o valor dos ciclistas de
Esposende, dizendo que tinha grandes corredores, sendo de realçar o apoio e
“patrocínio” concedido por este comerciante esposendense, sempre prestável a
colaborar nestas iniciativas . Consertava, gratuitamente, muitos furos dos
pneus das bicicletas e algumas avarias, especialmente dos travões que estavam
quase sempre desafinados de tanto travar…As mudanças das “pasteleiras”
empenavam constantemente e nem é bom falar das secas correntes, que raramente
eram oleadas e só, esporadicamente, eram “untadas” com uns pingos de azeite
rançoso…
O Tarrio, à socapa do
pai, com a sua “Vilar”, participava nestas famosas corridas, assim como o Carlinhos
da Jandira que levava a bicicleta do seu tio Abílio Coutinho, que já dispunha de
mudanças de 3 velocidades e era um corredor de velocidade, grande sprínter…A melhor bicicleta era a do
Tonho, uma “Hercules” marca inglesa, e o
“Salta Pocinhas” tinha uma bicicleta de corrida que não era permitida nestas
provas. O Fernando “Nai” andava sempre nela, espalhando as notícias do “Tour”
informando o desenrolar da corrida e dava ânimo aos corredores.
Mais tarde, com o
aparecimento de outras marcas - “Raleigh”, “Triumph”, “Confersil”,” “Ucal” , a
ícone das bicicletas, a ”Tabor”e a imponente e luxuosa “ Monark Caloi 10”- as
corridas em Esposende , perderam-se no tempo, porque estas bicicletas não se
podiam estragar…Eram mais para os passeios dominicais porque ter uma
destas bicicletas, nesse tempo,
eram sinais “exteriores de riqueza”…
Com a noite, a ”galgar
o tempo”, no domingo seguinte, a notícia da “prova ciclopédica” espalhava-se no
adro da igreja Matriz, no final da missa e na ribeira e o Mário Trabuqueta era o herói pelas vitórias conquistadas nas
metas volantes e na prova final. Parecia, nesse tempo, o Peixoto Alves, o Mário
Silva ou o João Roque, do ciclismo tendo as características destes famosos
ciclistas nacionais.
Mais tarde,
realizaram-se outras corridas à volta de Esposende - seis voltas- perfazendo 36
Kms - a maioria delas interrompidas pela intervenção da GNR e nestas situações,
todos corriam com as suas “pasteleiras” mas, em direcção à meta, que eram as
suas casas, fugindo da perseguição dos obesos e “tartaruguentos” guardas
da GNR, num grande “sprint”!
“Pescador
de histórias”
Esposende, 24 de Janeiro de 2019