Por Carlos Barros
O corvo
Vicente….
O “relógio do
tempo” calcorreava o “tapete” da
década de sessenta e por Esposende, reinava a serenidade, pouco efusiva, das
suas gentes que labutava na terra, no rio e no mar pugnando pelo sustento das
suas numerosas famílias.
O mês de maio,
apareceu nas entranhas do território esposendense com todo o se esplendor de
vida, acordado pelos insistentes “piares” das gaivotas e da beleza das poupas
que passeavam pelos campos, com as lavandiscas, patrulhando as ruas, à procura
de insectos e da mosquetada sempre presente…
A rua Direita,
naturalmente sempre torta, era o plasma do movimento que se verificava na vila com um inerte comércio e uma insípida agricultura que
nadava na sobrevivência dos agricultores.
Na casa da
Miquinhas da Faustina, sita na rua Direita, prolongando-se o seu quintal pela
travessa do Sr. dos Aflitos, a criançada visitava, à sucapa, os belos pavões
que deleitavam a sua vaidade, nos altos
muros da casa, com as pachorrentas galinhas e
os corpulentos galos, mirando-os da galinheiro, invejando as suas plumas multicolores, que abriam e fechavam num galanteio desafiador.
O Vicente, um corvo “ferrugento” e desafiador,
residente nesta moradia, saia da casa da
Miquinhas Faustina e passeava pela rua,
observando as pessoas que giravam, num ritmo lento, ao sabor da “pasmalhice”…O Vicente tinha uma predilecção pelas boinas e, às segundas-feiras de mercado,
os agricultores e pequenos comerciantes do concelho, especialmente de Góios e
Palmeira, vinha com as suas boinas “espetadas” na cabeça, até às orelhas,
defendendo-se das nortadas, e esta simpática ave lançava-se em raides estonteantes
e rapava as boinas aos incautos. Por sorte, o Vicente não suportava o peso de
algumas boinas mas, muitas delas, só
paravam em cima do muro da Miquinhas, perante o desespero das vítimas…
Com o Vicente
na rua, as boinas tinham a vida em risco…
O Lano, neto
da Miquinhas Faustina, para entrar em
casa da sua avó tinha de se proteger do Vicente porque este atacava-o em todas
as frentes, talvez para se vingar de alguma patifaria que o Lano, criança sempre irrequieta e
provocadora, lhe tivesse feito. O Jorge, irmão do Lano, podia entrar em casa à
vontade, o Vicente recebia-o com toda a gentileza possível mas, o amigo Lano levava “bicada grossa”…
O Vicente era
o ”Ex-Libris” da travessa do Sr. dos Aflitos e era acarinhado pelas pessoas e
pelo maralhal da ribeira que sempre o visitava, com as afungas
desarmadas!
Um dia, o
Vicente dirigiu-se para um tanque de água, situado no fundo do quintal, e
abeirou-se de uma das suas paredes e pôs-se a ver, espelhado na superfície da água e, pensando
ser a sua ”corva” amada, projectou-se
apaixonadamente, sobre a água e deu-se a
tragédia: afogou-se…
A Tia
Miquinhas da Faustina, e seus netos Lano e Jorge quando o encontraram no tanque,
já cadáver, nem queriam acreditar por este desfecho tão trágico. A tristeza espalhou-se por todos os recantos da
casa e o Jorge, fez-se de coveiro e, com uma velha enxada, fez uma cova funda
para depositar os restos mortais do
Vicente.
No fim
do funeral, a tia Miquinhas, com os olhos humedecidos de lágrimas, olhou para
os netos tristonhos, disse-lhes:
Meus netinhos, o Vicente morreu e foi vestido
de luto, sendo esse o seu último desejo…
A Rua
Direita, ficou mais triste perdendo aquela ave, sempre arguta e matreira, que
despertava a curiosidade das pessoas….
As boinas,
finalmente perderam o seu inimigo número um…
Esposende 25 de maio de 2018