ESPOSENDE E O SEU CONCELHO


segunda-feira, 11 de junho de 2018

CANTINHO DOS LOBOS DO MAR


Por Carlos Barros

O corvo Vicente….

O  “relógio do  tempo” calcorreava  o “tapete” da década de sessenta e por Esposende, reinava a serenidade, pouco efusiva, das suas gentes que labutava na terra, no rio e no mar pugnando pelo sustento das suas  numerosas famílias.
O mês de maio, apareceu nas entranhas do território esposendense com todo o se esplendor de vida, acordado pelos insistentes “piares” das gaivotas e da beleza das poupas que passeavam pelos campos, com as lavandiscas, patrulhando as ruas, à procura de insectos e da mosquetada sempre presente…
A rua Direita, naturalmente sempre torta, era o plasma do movimento  que se verificava na vila com um inerte  comércio e uma insípida agricultura que nadava na sobrevivência dos agricultores.
Na casa da Miquinhas da Faustina, sita na rua Direita, prolongando-se o seu quintal pela travessa do Sr. dos Aflitos, a criançada visitava, à sucapa, os belos pavões que  deleitavam a sua vaidade, nos altos muros da casa, com as pachorrentas galinhas e  os corpulentos galos, mirando-os da galinheiro,  invejando as suas plumas  multicolores, que abriam e fechavam  num galanteio desafiador.
O Vicente, um corvo “ferrugento” e desafiador, residente nesta  moradia, saia da casa da Miquinhas Faustina e passeava pela rua, observando as pessoas que giravam, num ritmo lento, ao sabor da  “pasmalhice”…O Vicente  tinha uma predilecção pelas boinas e, às segundas-feiras de mercado, os agricultores e pequenos comerciantes do concelho, especialmente de Góios e Palmeira, vinha com as suas boinas “espetadas” na cabeça, até às orelhas, defendendo-se das nortadas, e esta simpática ave lançava-se em raides estonteantes e rapava as boinas aos incautos. Por sorte, o Vicente não suportava o peso de algumas  boinas mas, muitas delas, só paravam em cima do muro da Miquinhas, perante o desespero das vítimas…
Com o Vicente na rua, as boinas tinham a vida em risco…
O Lano, neto da Miquinhas Faustina, para entrar em casa da sua avó tinha de se proteger do Vicente porque este atacava-o em todas as frentes, talvez para se vingar de alguma patifaria que o Lano, criança sempre irrequieta e provocadora, lhe tivesse feito. O Jorge, irmão do Lano, podia entrar em casa à vontade, o Vicente recebia-o com toda a gentileza possível mas, o amigo Lano levava “bicada grossa”…
O Vicente era o ”Ex-Libris” da travessa do Sr. dos Aflitos e era acarinhado pelas pessoas e pelo maralhal da ribeira que sempre o visitava, com as  afungas  desarmadas!
Um dia, o Vicente dirigiu-se para um tanque de água, situado no fundo do quintal, e abeirou-se de uma das suas paredes e pôs-se a ver, espelhado na superfície da água e, pensando ser a sua ”corva” amada, projectou-se apaixonadamente, sobre a água e deu-se  a tragédia: afogou-se…
A Tia Miquinhas da Faustina, e seus  netos  Lano e Jorge quando o encontraram no tanque, já cadáver, nem queriam acreditar por este desfecho tão trágico. A  tristeza espalhou-se por todos os recantos da casa e o Jorge, fez-se de coveiro e, com uma velha enxada, fez uma cova funda para depositar os restos mortais  do Vicente.
No fim do funeral, a tia Miquinhas, com os olhos humedecidos de lágrimas, olhou para os netos tristonhos, disse-lhes:
Meus netinhos, o Vicente morreu e foi vestido de luto, sendo esse o seu último desejo…
A  Rua Direita, ficou mais triste perdendo aquela ave, sempre arguta e matreira, que despertava a curiosidade das pessoas….
As boinas, finalmente perderam o seu inimigo número um…
                                                                                                   
                   Esposende 25 de maio  de 2018