A conquista espacial….
Em pleno Outono, do ano de mil novecentos e
sessenta e quatro, com o carnaval já passado, na Casa de Fotografias Fotobazar,
rua Conde de Castro, vendia-se material escolar diverso, e também “as
bichinhas” e “bombas de Carnaval” e, passada a época carnavalesca, sobrava
sempre “arsenal pirotécnico” , que não se tinha vendido, nestes tempos de folia
popular.
Ao sul de Esposende, predominava a
“massa encefálica inteligente” com o José Alberto e o C. Miguel, “O Químico”, a
destacarem-se com os seus projectos de submarinos e foguetões, em ensaios
constantes, tendo como palco a ribeira ou mesmo a junqueira, com o seu campo de futebol para os nortistas, sulistas, jardinistas e
centrais, disputando os seus jogos sempre aguerridos que terminavam em mergulhos no rio Cávado, na companhia das
ratazanas, que abundavam e dos cardumes de barbos que proliferavam na
junqueira.
O C. Miguel sabia das habilidades
do Né Beleza, rebelde nortista, embora pacifista, com os seus barquinhos de
folheta, a navegarem a vapor, tendo como força motora uma vela de estearina que
aquecia um mini recipiente de água que, por sua vez, accionava uma hélice e a
embarcação foi sucesso na ribeira, tendo
como palco , como sempre, as águas do Cávado, junto à rampa sul.
Não querendo ficar atrás, na arte
da inovação, “O Químico”, recolheu diverso material- canudos grossos das
fazendas/tecidos do senhor Sá, cartão, tábuas de madeira das caixas de sabão
rosa e amarelo do António do Sul, arames, embalagens da Maizena,…- e resolveu
fazer um foguetão. Na sua oficina improvisada de sua casa, o foguetão começou a
tomar forma e com a pólvora, comprada na Casa Braga ou tirada das bombas de
carnaval da loja, colocou-a na cauda do foguetão, dentro do espesso canudo de
cartão prensado, forrado com “prata” dos maços de cigarros CT e do SG Ventil.
A rapaziada do norte e do sul souberam
desta iniciativa e durante dias rondaram a casa do C. Miguel, junto ao grémio
da Lavoura, para observarem o famoso invento mas este inventor, expedito e prevenido,
não se deixou surpreender e guardou o foguetão a “sete chaves” num barracão do
quintal.
Numa tarde de sábado, “O Químico”
mandou alguns dos seus cicerones avisarem os ribeirenses que o foguetão iria ser
lançado na ribeira, junto ao cais do sul e, pelas dezoito horas, com o sol já a
esconder-se, o foguetão foi levado para a “rampa de lançamento” na ribeira e a
“cambada”, quase todos descalços, aglomerou-se em grande número.
Na ribeira, hoje Parque Radical, jogava-se
futebol a “croa”, com o Nibra, Tachi, Luisinho, Arrebita, Concha, Renato,
Augusto Piolho e da Galga, Casimiro “Tri Tri”, Zé Conainas, Paulo
Gatinho, Carlinhos, Aicha, Santos,
Rogério Rites, Airinhos, Fidós,
Miquelinos, Mendanhas , em plena acção, correndo atrás da “redondinha”… Os mais
velhos, Quim Tripas, Batista, Fernando Quintino, os Rosários-Mário e Fernando-
Pompeu andavam no Campo do Quim Serralheiro e nas redondezas do Matadouro,
fazendo “das suas”…
O foguetão, foi conduzido, para a
ribeira num carrinho de mão, emprestado pela Maria Talhó, sendo colocado na rampa do cais. O C. Miguel, autoproclamado
cientista, entusiasmado pela numerosa assistência, pegou num isqueiro que
tinha saído nos cromos dos papeizinhos,
na Loja do António da “Lucádia” e pegou fogo à pólvora do foguetão e o
inesperado aconteceu:
Com a propulsão da combustão, o
projéctil subiu três metros e explodiu, mergulhando “de bico” nas águas do
Cávado, fumegando por todo o lado com o C. Miguel, envergonhado pelo insucesso
da sua invenção. Todos os ribeirenses presentes começaram aos saltos, numa
larga risota e, sobre a superfície das serenas e límpidas águas do Cávado, os
destroços do foguetão foram pela maré, em direcção à foz perdendo-se no mar, já
que a maré estava na vazante. Alguns destes destroços, cartão molhado e arames,
ficaram nas redes da lampreia do senhor David que barafustou contra aquele “entulho”,
sem saber da sua proveniência.
“Tanto trabalho para
quê, queixava-se cabisbaixo O Químico”, com o seu irmão ao lado, desanimado,
perante tamanho desastre!...
Eu pensava que o foguetão ia à lua,
dizia o João Arrebita para o tristonho C. Miguel que se prestava para abandonar
a rampa, uma vez que a negritude da noite avisava os ribeirenses de que estava
na hora de irem para casa.
No dia seguinte, na Fotobazar, o senhor Gomes,
zeloso funcionário deste estabelecimento, perguntou ao Carlos Miguel se o
foguetão já tinha chegado à lua e este, num tom de voz de desânimo e de
revolta, respondeu:
-Ó senhor Gomes não me chateie,
pois aquilo foi um fiasco….
A
mãe do C. Miguel, senhora esbelta e educada, que acabara
de chegar à loja, tinha ouvido parte da conversa e perguntou o que se tinha
passado!
O senhor Gomes, sempre expedito,
disse-lhe que não tinha havido nada de especial e o Carlos Miguel, sentiu-se
aliviado porque se a mãe soubesse do desfalque que fizera nas bombinhas de
Carnaval, a tragédia seria maior…
“Pescador de histórias”
Entrevista com o
senhor António Silva Gomes
No Posto de
Turismo de Esposende-CITE-
No dia 20-10-2015
Pelas dez horas e
trinta minutos Carlos Manuel de Lima Barros