por Carlos Barros
“O Toninho pedinchão”.
O Toninho
“Anão” (António José Barros Neto) percorria, numa fase inicial, Esposende
lés-a-lés, passando a “pente fino”, todos os cafés das redondezas como a Havaneza,
Nélia e Primorosa e alguns tascos onde apareciam os “lavradores ricos” das
aldeias. O Toninho sempre na sua missão de peditório, ia pedindo a esmolinha da
ordem, com uma “carinha de meter dó” para melhor convencer os incautos.
O Toninho metia-se
nas camionetas da “Viúva”- Auto da Viação do Minho, Ldª- ou do Linhares-
Caetano Cascão Linhares- e pedia dinheiro aos passageiros ou dirigia-se para os
locais mais “lucrativos”, onde era pouco conhecido, como em Viana do Castelo e
Barcelos, aqui às quintas-feiras, dias de feira. Chegou-se a aventurar-se em
incursões a Braga mas, esta cidade era muito confusa para o nosso amigo
Toninho, como uma vez me confessou.
Um dia, ele
estava na mercearia/armazém e tasca do Abílio Coutinho, bebendo uma malguinha
muito à pressa, não vá o Carlinhos aparecer, que sempre lhe negava o vinho, e
meteu-se à socapa, dentro da Camioneta da “Viúva” que acabara de chegar para
entregar as encomendas no Coutinho, que era o local de recepção das mesmas. O
Lourenço com as suas “lunetas” já carcomidas pelo tempo, era o principal
distribuidor dessas encomendas: Farmácias Monteiro e Gomes…
Durante a
viagem para Viana do Castelo, o Toninho, que era muito pequenino, meteu-se
debaixo de um banco e permaneceu escondido durante toda o percurso, sob a cumplicidade
de alguns passageiros que o protegeram, já que o conheciam bem, doutras
“aventuras peditórias”.
A camioneta mal
chegou a Viana do Castelo, o Toninho saiu “disparado” do banco e foi em
direcção à marginal da cidade para percorrer os cafés no seu “afã” de
pedincha, visitando as “capelas do Loureiro”- tascas- que lhe iam
aparecendo pela frente.
No campo da feira,
entrou numa taberna e, com os bolsos recheados, mandou vir umas iscas de
bacalhau frito, dois trigos e a habitual tigela de vinho tinto carrascão, que
lhe soube pela vida. Naturalmente, não foi apenas uma tigela de vinho, outras
se lhe seguiram…
O Toninho dirigiu-se
pacatamente e a deambular, para o escritório das camionetas da “Viúva” e, com
tanto azar, perdeu-a e não havia mais nenhum autocarro para Esposende, perante
o desespero do Toninho que esbracejava e protestava contra tudo e contra
todos….
Bem, só tenho
uma solução, murmurava o nosso amigo para os seus “botões”!... O Toninho foi para
o cais de Viana para arranjar boleia numa motora de Esposende e, por mero
acaso, o Tio David estava a chegar do mar, com a sua Cláudia Cristina, motora
de quatro cilindros com um potente motor dinamarquês “Buick”, com a matrícula “ES 86 C”. O senhor David, olhou para o
paredão e disse para os seus tripulantes:
-Olha quem
está ali, é o Toninho Anão! Já deve estar “com os copos”….
Toninho, o que
queres, perguntou o mestre David, ao nosso “artista”, perante os olhares do
Milinho e do Tone Fifas.
Quero boleia
para Esposende senhor David, pediu o Toninho choramingando…
O mestre olhou
para a tripulação e meditou, numa rápida
reflexão.
É uma grande
responsabilidade levar o Toninho naquele estado e se cai ao mar, estamos
perdidos, confessou o senhor David para os seus tripulantes ….O Alfredo
Morrossol levantou o braço e disse:
Eu não quero
problemas porque o Anão não é de confiar….
O Tião
Saganito, o Agostinho e o Milo acenaram para o senhor David para deixar entrar
o Toninho para a motora.
Vamos
arriscar, disse o Milo, ameaçando o Toninho com uns “caroques”….
Toninho, entra
mas vais amarrado ao alador para não caires ao mar porque a mar está “alto” e
não quero arriscar, disse o mestre David
ao Toninho que cambaleava no convés, amarrado à casa do leme…
Ó Milo, guarda-me
estas moedas porque tenho o bolso roto, pediu o Toninho ao seu amigo! O mestre
David que estava junto a uma caixa de lagostas e lavagantes, olhou de lado para
o Toninho e disse-lhe:
Seu malandro,
nem em mim confias precisavas é que te pusesse ao mar!
Passadas umas
horas, depois de descarregado o peixe para a lota, a motora partiu com toda a
sua tripulação para Esposende e durante a viagem o Toninho dormiu
profundamente, nem a agitação forte das ondas, o acordava.
A motora Claúdia
Cristina “aportou” junto ao Salva-vidas, onde estavam os irmãos Miquelinos a
conversar sobre o jogo Norte-Sul em que os Sulistas , tinha vencido por quatro
bolas a uma em que o árbitro “Touca Branca” fez uma arbitragem polémica, como foi sempre do seu timbre….
O Toninho foi
desapertado das cordas do alador pelo Alfredo Morrossol e levado ao colo pelo
Tone Fifas, para o cais e o Milo entregou-lhe todo o dinheiro do peditório do
dia.
Quando menos
se fazia esperar, o Toninho começou a injuriar o senhor David e toda a
tripulação, afirmando que lhe tinham roubado o dinheiro, numa gritaria que
ecoou ao longo da Ribeira até à Alfandega Marítima de Esposende, onde se
encontravam o senhor Torres e o Lima, duas autoridades marítimas, -guardas- a conversarem à porta da Delegação, sobre os negócios da Teresa do Castelo que nesse dia, tinha
comprado muitos quilos de lavagantes e lagostas que foram pesados na loja do
Abílio Coutinho pelo Carlinhos que recebeu, como oferta, um pequeno lavagante,
que mais tarde, foi cozido pela Tia Alice
na máquina a petróleo e comido à mesa pelo Carlinhos e o “cheiro” ficou
para os tios…. O tamanho do marisco não dava para mais!
A Teresa do
Castelo, com o seu poderoso porte atlético, e com as suas pulseiras e cordões
de oiro a ornamentar os seus pulsos e pescoço, agradeceu à tia Alice e ao
Carlinhos pela pesagem e na sua carrinha, com o marido a conduzir, foi em direcção
a Viana do Castelo para deixar o marisco aos seus clientes.
No cais
pairava a confusão com a gritaria do Toninho que não parava de protestar, chegando
mesmo a pegar em “pilado” que estava num monte, junto ao paredão, atirando-o
para dentro da motora.
Seu vadio, seu
corrécio, para a próxima vez, anda-me pedir boleia que vais ver, ameaçou o
mestre David ao Toninho que foi
abandonando a ribeira, fazendo-lhe caretas provocadoras.
O Toninho
regressou, com sacrifício, à sua modesta residência, no bairro das Casas de S.
Vicente de Paulo e mal entrou em casa, pelo quintal, em passada “sorrateira”, guardou
o dinheiro debaixo do colchão de colmo, num dos quartos de dormir “colectivos” e
“caiu como um tordo”, ficando a dormir “até às tantas”…..
No dia
seguinte, o Toninho “Anão” já estava em forma e pelas onze da manhã, entrou na
Nélia e começou a pedir cinco croas ao Dr. Francisco Marques que estava a
engraxar os sapatos no senhor Guimarães, e a outros clientes de Barcelos e de
Braga mas, teve que acelerar porque o senhor João Tamanqueiro, empregado de
mesa, tinha-o detectado e a única
solução era a fuga para poupar as orelhas….
O Oliveira e o
Benjamim “Come croas”, empregados da Nélia, estavam a servir noutra zona do
café e não ameaçavam perigo para o Toninho. O Adriano, filho do senhor Adelino
das camionetes do Linhares, no Snack-Bar, chamou pelo Toninho, deu-lhe dois rissóis
de camarão e de bacalhau do dia anterior, na condição do Toninho sair dalí,
porque parecia mal pedir…
Com os rissóis
na mão o Toninho desapareceu e foi “atacar” na Havaneza mas, o Jerónimo não lhe
deu hipóteses e só lhe restou “imigrar” para uma nova viagem, agora para
Barcelos, sempre clandestinamente, sem pagar bilhete porque o Toninho tinha
sempre dinheiro, mas quando era preciso pagar algo, ele “nunca tinha dinheiro”.
Precisamente
no dia doze de maio de mil novecentos e oitenta e cinco, numa tarde trágica, o
nosso amigo caiu de uma “marquise”, no Bairro de Sucupira e “deixou-nos” para
sempre um acontecimento que entristeceu todos os esposendenses e a família em
particular. Todos nós reconhecemos que o Toninho fazia muita falta aos
Esposendenses porque era uma pessoa especial e “castiça” e pessoalmente, nunca aquele rapazinho, foi
mal educado para o “BÓIAS”, e eu que tive muitos e muitos contactos com este
amiguinho no café, no armazém-mercearia-tasco do meu Tio Abílio Curvão ou mesmo
em plena via pública!
Uma coisa é
certa: nunca lhe servi uma malga de vinho ao Toninho, apesar de me pedir muitas
vezes! Fui sempre seu defensor pelas boas causas e cheguei mesmo a dar-lhe
algumas explicações, quando estava na Escola Primária, tentando que ele regressasse
aos estudos mas, perdi e fui derrotado pela teimosia do Toninho porque a Escola
para ele, não era vida…
Carlos Barros
“Pescador de histórias”