CANTINHO DOS LOBOS DO MAR
por Carlos Barros
Os dois esfomeados...
A motora “Mar obedece a Jesus”, com a sua tripulação- Rogério, Tone
Passarinho, Agostinho, Tone Paquete, “Arrebita” e Quico - o mestre da motora-
encontrava-se em Sagres, no ano de mil novecentos e oitenta e seis, na sua faina
piscatória.
Uns jovens ingleses, dois rapazes e uma
rapariga, encontravam-se a passear numa avenida, quando reconheceram
os pescadores de Esposende, sempre barulhentos, que tinham ido
beber umas “taças” na taberna, e
abeiraram-se deles:
- Amigos, gostávamos de ir
ao mar, podemos ir?
-O Tinocas prontificou-se a
pedir ao Quico, que estava ao seu lado, se poderia
levar os banhistas , que estavam numa colónia de férias , ao mar.
-O Quico, sempre disponível,
acedeu ao seu pedido, combinando com os jovens estrangeiros, a hora da partida,
para o dia seguinte.
A motora partiu pelas cinco horas da manhã,
com os jovens no convés, descontraídos junto à casa do leme, onde o
Quico, com a sua experiência e saber,
tripulava a motora em direcção ao
mar, para alar as redes. Os tripulantes conversavam com o “Arrebita” que dava
recomendações aos jovens para não enjoarem. Percorridas umas
milhas, o trio inglês
já estavam com ar de enjoados
mas, sempre sorridentes.
Chegados ao local, em pleno mar, os
pescadores começaram a alar as redes,
com o Pezinho mais a observar que a trabalhar…Após umas horas de “alanço” a
motora encheu-se de tamboris, lagostas, peixes-galos, salmonetes , sargos,
douradas e de outras variedades de
peixes.
Meu Deus, tanto tamboril, gritava o Agostinho
para o Tone Paquete, que era o cozinheiro no mar, enquanto que o Agostinho, era
mestre de “culinária” mas, em terra.
O Tone Paquete olhou para o Quico, mestre
sempre atento às agruras do mar, decidiu que o almoço seria arroz de tamboril para toda a “companha” e o
Arrebita e o Tone Passarinho, esfregaram logo as mãos de contentes porque era o prato
favorito deles.… O Tone pegou em três grandes tamboris, levou-os para a improvisada cozinha no convés,
preparou-os e fez uma “arrozada” de tamboril cujo cheiro se espalhou pela
motora, perante a alegria dos pescadores, já que a “barriga batia horas”…
O Rogério Chana, olhou para
o Paquete e disse-lhe:
Tone, estes “estranjas” vão
comer connosco?
Claro que sim, respondeu
prontamente o Tone, que mexia o arroz
que ia dançando ao ritmo das ondulações
do mar.
Os ingleses foram servidos com o saboroso
prato e começaram a comer, deliciando-se
com o saboroso arroz.
Tone, eles vão comer mais arroz? Olha que eu e
o Pezinho ainda não comemos, alertou o Rogério!...
Não faz mal que eles não
comem mais mas, é melhor perguntares outra vez, respondeu o Tone Paquete.
Ò juventude “tanque iu” (Thank you) querem mais um prato perguntou o
Chana!
Yes, more, more… !
Tone, “Yes” é sim , em
português?
Seu “morcão” não sabes que
é, respondeu o Tone ao Rogério…
Os jovens comeram mais uma
pratada de arroz de tamboril, perante o
desespero do Pezinho e do Chana que estavam a ver o “fundo da panela”….
E agora o que vamos comer Tone, pois estes
“desgraçados” comeram-nos o arroz todo?
O Arrebita com a barriga
cheia, já dormia na proa, ressonando ! Até as gaivotas, que estavam a comer
tripas de tamboril, se assustaram…
O Tone Paquete, com a panela
vazia, atirou-a pelo convés que deslizou até à proa, quase atingindo o Arrebita
que continuava a dormir profundamente.
O Quico perante tanta
confusão e desespero dos “esfomeados” olhou, da casa do
leme, para os dois amigos que
continuavam a resmungar e disse-lhes:
Pezinho e Rogério, em terra vamos comer ao
restaurante porque os ingleses pagam…
O Tone Passarinho, o Agostinho, o “Arrebita”
olharam uns para os outros e nem queriam acreditar! Vão para o restaurante encher o “bandulho” e
nós aqui, lastimaram todos eles!...
O Quico
apressadamente, saiu da motora “Mar obedece a Jesus” olhou para a tripulação
e disse-lhe:
“Gude vai”
- Good bye- amigos, acenou o Quico com o seu boné e fiquem
a fazer a digestão do tamboril…
“Pescador de
histórias”