CANTINHO DOS LOBOS DO MAR
por Carlos Barros
Os figos voadores…
Tinha começado o
ano escolar na Escola Primária de Esposende, no ano de mil novecentos e
cinquenta e nove, e a criançada deixara, com custo, a ribeira, preparando o escasso material escolar, para o
colocar na pasta, bolsa de linhagem ou
de ganga roçada, feita de algumas calças velhas, já rotas…
Do sul, partiram
os “nómadas” à solta comandados pelo Tone Paquete, Dimas, Milo, Quim Travassos,
em direcção à escola. Alguns com a lousa
partida e meio “ferrão”, debaixo do braço, com
dois livros esfarrapados emprestados pelos meninos “fidalgos”, os alunos
lá partiram, desanimados, para as salas de aula da Escola Primária, onde os
Professores, Carlos Martins, Agostinho, D. Loca, Miquinhas Beirão e D. Isolina, os esperavam, em turmas
de trinta e cinco a quarenta alunos.
No dia anterior,
um grupo de ribeirenses tinham ido ao Zão, assaltar as uvas “col. de galo” sob
o comando do Tarrio e do Carlos Bicho que andava à caça às “flauzinhas” com uma
afunga feita pelo Melrinho.
As aulas decorreram ao longo do ano, com
muitas peripécias, aventuras, brincadeiras, corridas, jogos, fugas à escola,
assaltos aos pomares, guerras norte-sul,
sessões de pancadaria e outros desmandos, próprios das crianças da
ribeira que, apesar de tudo, raramente se zangavam mas a rivalidade entre as
“zonas de influência” eternizaram-se ao longo dos anos.
O final do ano estava
a chegar e o Paulo Beirão, no último dia de aulas, entrou na sala e deu um presente ao professor
Agostinho, por sinal, seu tio, precisamente uma cesta de figos deliciosos,
comprados no António do Sul, perante
os olhares dos outros amigos que nada tinham para dar a não ser
irreverência….
O Tone Paquete
em plena aula, esfomeado, não tirava os olhos dos figos e disse para o Inês de
Góios, seu colega da turma:
-Inês, ao intervalo aqueles figos vão levar “arda”…
O que estás a
dizer Tone, o professor se descobre mata-te desabafou o Inês inquietado.
Na hora do
intervalo, o Tone Paquete atrasou-se e deixou todos irem ao recreio e enfiou-se,
sorrateiramente, na sala de aula com o Inês e encheram os bolsos de figos e
foram para o quarto de banho comê-los apressadamente, porque não podia ficar
nenhum no bolso, caso contrário, uma
revista na sala seria a “morte do artista”…
O professor
Agostinho entrou na sala e logo a seguir a restante “cambada”, e quando olhou
para a ceira e viu que os figos tinham desaparecido, ficou doido!
Quem comeu os
meus figos, perguntou furiosamente o professor!
Quem foi “o rato”
que veio aqui?
Inês, vai
depressa chamar a D. Hortênsia para me trazer a santa luzia (palmatória) que
hoje vamos ter “molho”…
A empregada
deixou a Cantina escolar e veio falar com o professor Agostinho que lhe
perguntou se tinha visto algum aluno
entrar na sala de aula.
Senhor professor,
não vi nada porque estava com a Júlia a preparar o almoço, e a distribuir o pão amarelo pelas mesas, a arrumar o “leite
em pó” e o queijo na dispensa.
O silêncio na
sala era absoluto com o Tone Paquete e o Inês a tremerem como “varas verdes”…
O professor
mandou pôr todos os alunos em fila e começou a revistá-los, um a um, com tom
ameaçador e de cana ao alto…
O Tone
aproximou-se do ouvido do Inês, e disse baixinho:
- Se o professor cheirar as nossas bocas estamos
desgraçados e não nos “safamos”…
Apesar dos
esforços do professor, nenhum aluno foi incriminado, e a dupla Tone Paquete-
Inês passou incólume perante a justiça
escolar, mas com muita sorte…
O professor, olhando
desalentado para a ceira dos poucos figos que restaram, recomeçou a aula, e deslocou-se
para o estrado para “passar” duas contas de dividir com dois algarismos, dando,
na passada, uma canada ao Tone que se estava a rir, mal o professor sabia que
era por causa dos figos….
Mal acabou a
aula, os dois “mariolas” fugiram para a ribeira porque estavam apertadinhos e
com dor na barriga, evitando os quartos de banho da escola, não fosse o
professor descobrir pelo cheiro, o rasto dos figos…
No meio das
silvas, no meio da ribeira, e com amoras a “sorrirem” para eles, lá “descarregaram”
a diarreia, aliviando um pouco a dor de barriga que se prolongou pela noite
fora…
O Tone da Paquete
que residia numa simples e humilde casa,
perto da antiga cadeia, entrou esvoaçado pela esburacada porta de entrada, tropeçando
no Dimas enquanto que a Cinda estava
junto às “trempes” a aquecer o caldo para o Senhor João, tio do Tone, e
a fritar umas fanecas.
Mãe, hoje não quero comer, pediu o Tone com ar
enjoado, olhando de lado para o Dimas e a Cinda que estavam desconfiados.
Na habitação não
havia luz, apenas uns candeeiros a petróleo iluminavam aquele espaço
habitacional, sem o mínimo de conforto.
Tone, pediu a sua
mãe, então pega nestas cinco croas e vai ao António do Sul comprar uns
figuinhos para comeres pois, o teu tio
João teve uma boa maré..
O quê mãe, não me
fale em figos, nem quero vê-los, agarrando, com a mão direita, a barriga que
continuava a doer…
A tia Laura,
mandou o Dimas à mercearia do António do Sul e numa louca correria, lá trouxe
meio quilo de figos num “cartucho” de riscas vermelhas verticais e depois de
estendidos numa mesa antiga, foram comidos com um pouco de broa, comprada na
Rosália da Lucas, junto aos antigos Bombeiros, em frente do Senhor dos Aflitos.
O Tone foi dormir na cama de ferro, de colchão de
colmo, com o pijama “cuecas ao léu”, estando a seu lado o Dimas que continuava
embaralhado com a história dos figos.
Irmão, quero
dormir mas, não quero sonhar com figos, muito menos com o maldito Paulo Beirão, confessou o Tone,
fechando os olhos na esperança de acordar sem dores de barriga…
CURIOSIDADES
A raia tem
sido um dos peixes mais pescados, desde o tempo da minha infância, pelos nossos
pescadores de Esposende, sendo utilizadas
“rascas” , redes de malha larga e que eram postas em grandes caldeirões
com água a ferver e com cascas de
sobreiros para endurecer o fio e as cordas. A tia Chora, minha vizinha, da ex-
Rua General Roçadas nº 3, atualmente rua Arq. Ventura Terra cozias as rascas no seu quintal num grande
caldeirão aquecido com lenha das bouças e algumas pinhas.
Nas décadas de sessenta e setenta as peixeiras faziam as raias e a “miudagem” apanhava os
fígados e outras vísceras para pescar à “chuncalhada” aos irões-enguias- na
rampa do cais norte, em especial e, algumas vezes na do sul mas, aqui as
lavadeiras ocupavam sempre a rampa e os
ensejos em pescar eram escassos.
“Pescador de histórias”