O afogado que ressuscitou…
        O
Verão, no dia quatro de agosto,  de mil
novecentos e sessenta e quatro, chegou à então pacata vila de Esposende, com
todo o seu esplendor, com muito sol e uma temperatura ideal para a praia e para
 uns  mergulhos no rio, junto às escadinhas,
perto  do  Salva-Vidas. 
        O
rio era a piscina natural da criançada, sempre pronta  para os mergulhanços  da ordem, longe dos olhares dos pais.
        Com o rio a beijar o sol, aperfumado, por
uma ligeira brisa, alguns pescadores 
“foram para a vida”, lançando as redes das solhas para as águas do Cávado
que ainda estava adormecido, e que “acordara” com o barulho do chapinhar dos
pés dos jovens pescadores.
        O Zé
Pechichola, tendo como companhia o “Atita”  tinha saído de casa todo apressado, com um
saco de serapilheira às costas, para  umas surtidas às croas-areais- para fazer uns
lanços com a rede das solhas.
Já
nas “croas”, repletas de assustados maçaricos e andorinhas do mar,  estes dois amigos lançaram as redes, fixas  num pau e começaram a  sua faina levando a rede para um local do rio
mais fundo.
        Com
a água pelo  pescoço o Pechichola
começou  a bater com a vara no fundo do
areal, empurrando as solhas que deslizavam inadvertidamente, para as redes.
 Na rampa do cais sul, encontrava-se uma
catraia ancorada-amarrada-, e o Quico do Arroz- Francisco Domingos Ferreira da
Cruz, vindo recentemente de férias da França, resolveu, em calções, dar um
mergulho no baixinho mas, esse baixinho tornou-se fundo-fundão-,  e com um pé em falso, o Quico caiu ao rio
desamparado.
        O
Quico do Arroz, que sabia nadar muito pouco, começou a esbracejar aflito porque
já não tinha pé e desapareceu das águas, empurrado pela vazante da  “corrente”.
        O
Pechichola que observava esta cena, foi de imediato em socorro do  amigo, e ainda conseguiu segurá-lo, por uns
segundos, mas teve que o largar porque 
já estava prestes a afogar-se, embora nadasse como “um peixe”.
        Começaram
os gritos de socorro e o Fernando Rosário que estava no cais pegou num barco,
com o Dimas, remando com  uns
improvisados remos, “paneiros”, foi socorrer o Quico do Arroz que já tinha
desaparecido das águas cristalinas do Cávado.
        Entretanto,
os Bombeiros foram avisados e a ambulância, a bela mas lenta Chevrolet, chegou
num ápice com os “soldados da Paz” , em direção à ribeira, já com muita gente
aglomerada, entre eles, o Carlinhos da Jandira, 
o Tarrio, o Nibra, Augusto, Tachi, Paulo Fá, Mário da Barrega, David
Miquelino, Zé Pancas, Armindo Murraca, Zé Conainas, entre outros, que
interromperam um jogo de futebol que se estava a realizar na ribeira, em frente
da Faustina, a “cinco croas”.
        O
Quico do Arroz foi arrastado pela corrente, até às escadinhas perante os gritos
e aflição da criançada que assistia a uma iminente tragédia.
        O
Orlando Russo, sempre homem destemido, que se encontrava no cais a pescar à
cana, com o seu velho Sagarra,  mandou um
mergulho para as profundezas das águas límpidas do nosso rio e conseguiu
agarrar o Quico do Arroz e trazê-lo à superfície, agarrando-o firmemente pelo
pescoço.
        O
Quico mostrava poucos “sinais de vida” e urgia prestar os primeiros socorros de
reanimação.
        O
Quico foi transportado para a rampa sul e os bombeiros  fizeram a reanimação e o genro do senhor
Porfírio, que estava a estudar Medicina, João Hildeberto B. Osório de
Valdoleiros, casado com a professora Guiomar, estava presente  naquele momento no cais, e ministrou uma
injeção ao “Quico” que foi imediatamente transportado para o Hospital Valentim
Ribeiro, onde conseguiu recuperar , salvando-se “in extremis”.
O
povo dizia que uma injeção, nestas situações de morte, chamava-se “injeção do
desempata”…
        O
Quico  confessou ao “BÓIAS” que teve
consciência que iria morrer  e tinha
largado o braço do Pechichola, sua derradeira bóia de salvação, porque não
queria que ele também morresse afogado, soltando-o no derradeiro  momento.
        O Orlando
Russo foi um amigo de coragem, tendo arriscado a vida para salvar o seu amigo
Quico do Arroz que, felizmente, ainda vive em Esposende, convivendo com os seus
amigos na marginal ou  junto à igreja
Matriz, em conversas amenas com o amigo Sotero- jogador de futebol-, uma  “velha glória” do ESC.
        Para
o Quico do Arroz, os mergulhos acabaram para sempre e banhos só na banheira em
casa…
“O CANTINHO DOS LOBOS DO MAR”
         Carlos
Manuel de Lima Barros
              
  20 de abril de 2013
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