“Os frangos
voadores”
A barra de Esposende estava cada vez mais
perigosa e o processo de assoreamento tinha sido galopante, no início da década
de oitenta, em ritmos instáveis e as
motoras não dispunham de condições
para entrarem nessa barra, sempre traiçoeira.
Os mestres das motoras e respetivas tripulações esposendenses, tiveram que se deslocar para outras paragens, onde o
pescado era mais abundante: Sagres, Sines, S. Martinho do Campo e Peniche.
Pescadores como o Pesinho, mais conhecido por
“Tinoca”, “Pechichola”, Santos, Serafim,
Candinho “Gaivota”, Manel da Galga,
Rogério Chana, Lano, Milo, Chico da Inocência, João Careca Tone Paquete,
Tone Pirata, Alfredo Muchacho, Batista da Galga, Armindo “Murraca”, Augusto
“Furrica”, Agostinho e muitos outros, deixaram os seus lares e respetivas famílias
para lutarem pela sobrevivência, em águas onde abundavam as lagostas, lavagantes,
peixes-galos, solhões, tamboris, pregados, congros, raias, salmonetes, besugos,
lulas, polvos, santolas, pargos, corvinas, robalos e muitas outras espécies de
pescado. Nas redes-redinhas-o peixe ficava enrufado-malhado- em grandes
quantidades e nas “albitanas” ficava o peixe mais graúdo, precisamente o mais
valioso .
Trabalhava-se muito, como dizia o Santos,
tripulante da motora Santa Maria dos Anjos mas, ganhava-se bom dinheiro e os
pescadores viviam nas próprias motoras, que era a sua habitação, com condições
difíceis de alojamento, onde a higiene e a comodidade eram precárias.
Comia-se dentro das motoras, fumava-se (O
Atau era um perito a fumar e intoxicava
a vizinhança…) trabalhava-se e
descansava-se um pouco mais, no fim de semana, onde os pescadores iam a terra, beber umas
malguinhas e umas cervejas nas tascas e alguns “Pubs”, para atenuar a solidão, existente
no seio das tripulações.
Em 1982, na motora Santa Maria dos Anjos, tendo
como mestre o Serafim Coutinho, o Santos com os seus trinta anos de idade,
espraiava a alegria e a boa disposição no seio dos amigos: o mestre Serafim, os
manos David, Zé, Né e Tone Miquelino, o Manel da Galga e o “impetuoso” Batista.
As pescarias eram boas e comia-se, como é
natural, peixe fresquinho, cozinhado pelo
Santos, num fogão improvisado de “duas bocas”.
Numa outra “motora”, denominada “Jesus no
Jardim”, (Quico da Inocência,-mestre-, e os tripulantes Agostinho do Cocho,
Tone Paquete, Manel Pesinho, Rogério, Alfredo, Augusto e Zé) com os seus
dezasseis metros de comprimento, movida por um potente motor Ford de “cento e
trinta e cinco cavalos,” reinava o entusiasmo e o mestre Quico tinha decidido que haveria frango para o
almoço e quem tinha ficado em terra para comprar esses frangos, precisamente o Manel Pesinho, acompanhado do seu
velho comparsa Tone Pirata.
A motora, no regresso ao cais viu o Pesinho
e o Tone Pirata, carregados de frangos, estando a tripulação toda entusiasmada
porque nesse dia, não iria comer o habitual peixe e o Tone Paquete mais alegre
ficou, ao saber que não cozinharia caldeirada para aquela gente toda.
O Pesinho, pelo aspeto, aparentava passagens
por muitas tascas: Zé Manel, Jacinto, Pescador, Chico Marreco…- pois, andava ao
“zigue zague” ou melhor, estava como um “nabo”, como afirmou o Santos que
assistia, no cais, a esta interessante cena recambolesca.
Como é natural, o Tone Pirata, cliente
assíduo da Tasca do Zé Vicente, “Altinho”, estava no mesmo “estado entornado”
que o Pesinho que cantava canções desconexas, inventadas pela sua veia poética, cheirando a vinhaça que
transava...
Ao
aproximar-se da motora, o Pesinho disse que ia lançar os frangos para dentro da
motora, que se encontrava quase atracada, perante o apoio entusiasta do Tone
Pirata que incitava o seu amigo a lançá-los com força.
A
poucos metros da embarcação, o Tinoca, com um grito de guerra “iá..iá…iá..”,
lançou os frangos pelo ar que pareciam “gaivines” depenadas, esvoaçando contra
a ventania que se fazia sentir e, com tanto azar, a mira falhou e as “aves “ foram
cair ao mar, perante o desespero dos tripulantes
que viram os “frangos” mergulharem nas
águas salinas e espumadas, perto do cais mas, milagrosamente, logo vieram à tona...
O amigo Pesinho, pouco conhecedor das leis
da física, não contava com a força da ventania de sudoeste, o que fez desviar
os frangos na direção errada…
O Rogério “Chana”, especialista a fisgar
lampreias, irmão do Lano, filhos do falecido
Rogério, pegou rapidamente no “bicheiro”, que se encontrava sobre a
cabine da motora e começou a fisgar os frangos, um a um, e conseguiu salvar o
almoço!...
Os
tripulantes da motora ”Jesus no Jardim” rogaram pragas ao Pesinho, chamando-lhe
os habituais “palavrões”, que não constam no dicionário contudo, o ”Tinoca” cambaleando, conseguiu entrar na embarcação,
encostando-se à cabine depois de uma escorregadela
no viscoso convés.
Toda a tripulação comeu um saboroso arroz de
frango, cozinhado pelo mestre–cozinheiro Tone Paquete enquanto o Pesinho dormia como um “porco” e só acordou às tantas da manhã, quando o sol,
já rompia o horizonte.
A embarcação “Jesus no Jardim”, sob o comando
do experiente mestre Quico, ia começar
mais uma faina no alto mar e com toda a tripulação preparada, apareceu, saindo
do porão, o Pesinho e, levantando a sua “tenebrosa e esganiçada voz”, perguntou:
- Quando é que comemos os
frangos?
Toda a tripulação numa berraria, em uníssono respondeu-lhe:
- Olha Tinoca, morreram
todos ”afogados” e estão no fundo do mar e para a próxima vez, bebe menos…
A
embarcação entrou em pleno mar, com toda a gente bem acordada, e foram mais
umas horas de trabalho árduo, tendo os audazes pescadores de Esposende, largado
as redes e tremalhos para as “entranhas “ das águas, com a convicta esperança
de uma boa pescaria, o que viria a acontecer.
Entrevista com o Santos, Francisco , Rogério “Chana”.
Dia 13 de março e 16 de
abril de 2013 no café Oliveira-11 horas, e café Cine-22.00 horas-e no café do Mercado – 16.30 horas-.Esposende
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