sábado, 23 de março de 2013

CARLOS BARROS - CANTINHO DOS LOBOS DO MAR: “Os frangos voadores”


            “Os frangos voadores”
   A barra de Esposende estava cada vez mais perigosa e o processo de assoreamento tinha sido galopante, no início da década de oitenta, em ritmos instáveis  e as motoras  não dispunham  de condições  para   entrarem nessa barra, sempre traiçoeira.
   Os mestres das motoras  e respetivas  tripulações esposendenses, tiveram que  se deslocar para outras paragens, onde o pescado era mais abundante: Sagres, Sines, S. Martinho do Campo e Peniche.
  Pescadores como o Pesinho, mais conhecido por “Tinoca”, “Pechichola”,  Santos, Serafim, Candinho “Gaivota”, Manel da Galga,  Rogério Chana, Lano, Milo, Chico da Inocência, João Careca Tone Paquete, Tone Pirata, Alfredo Muchacho, Batista da Galga, Armindo “Murraca”, Augusto “Furrica”, Agostinho e muitos outros,  deixaram os seus lares e respetivas famílias para lutarem pela sobrevivência, em águas onde abundavam as lagostas, lavagantes, peixes-galos, solhões, tamboris, pregados, congros, raias, salmonetes, besugos, lulas, polvos, santolas, pargos, corvinas, robalos e muitas outras espécies de pescado. Nas redes-redinhas-o peixe ficava enrufado-malhado- em grandes quantidades e nas “albitanas” ficava o peixe mais graúdo, precisamente o mais valioso .
   No mercado e na lota esse pescado dava muito dinheiro para alegria dos pescadores.
  Trabalhava-se muito, como dizia o Santos, tripulante da motora Santa Maria dos Anjos mas, ganhava-se bom dinheiro e os pescadores viviam nas próprias motoras, que era a sua habitação, com condições difíceis de alojamento, onde a higiene e a comodidade eram precárias.
   Comia-se dentro das motoras, fumava-se (O Atau era um perito a fumar e  intoxicava a vizinhança…)  trabalhava-se e descansava-se um pouco mais, no fim de semana, onde  os pescadores iam a terra, beber umas malguinhas e umas cervejas nas tascas e alguns “Pubs”, para atenuar a solidão, existente no seio das tripulações.
   Em 1982, na motora Santa Maria dos Anjos, tendo como mestre o Serafim Coutinho, o Santos com os seus trinta anos de idade, espraiava a alegria e a boa disposição no seio dos amigos: o mestre Serafim, os manos David, Zé, Né e Tone Miquelino, o Manel da Galga e o “impetuoso” Batista.

 As pescarias eram boas e comia-se, como é natural, peixe fresquinho, cozinhado pelo  Santos, num fogão improvisado de “duas bocas”.
  Numa outra “motora”, denominada “Jesus no Jardim”, (Quico da Inocência,-mestre-, e os tripulantes Agostinho do Cocho, Tone Paquete, Manel Pesinho, Rogério, Alfredo, Augusto e Zé) com os seus dezasseis metros de comprimento, movida por um potente motor Ford de “cento e trinta e cinco cavalos,” reinava o entusiasmo e o mestre Quico  tinha decidido que haveria frango para o almoço e quem tinha ficado em terra para comprar esses  frangos,  precisamente o Manel Pesinho, acompanhado do seu velho comparsa Tone Pirata.
   A motora, no regresso ao cais viu o Pesinho e o Tone Pirata, carregados de frangos, estando a tripulação toda entusiasmada porque nesse dia, não iria comer o habitual peixe e o Tone Paquete mais alegre ficou, ao saber que não cozinharia caldeirada  para aquela gente toda.
   O Pesinho, pelo aspeto, aparentava passagens por muitas tascas: Zé Manel, Jacinto, Pescador, Chico Marreco…- pois, andava ao “zigue zague” ou melhor, estava como um “nabo”, como afirmou o Santos que assistia, no cais, a esta interessante cena recambolesca.
   Como é natural, o Tone Pirata, cliente assíduo da Tasca do Zé Vicente, “Altinho”, estava no mesmo “estado entornado” que o Pesinho que cantava canções desconexas, inventadas pela sua  veia poética, cheirando a vinhaça que transava...
    Ao aproximar-se da motora, o Pesinho disse que ia lançar os frangos para dentro da motora, que se encontrava quase atracada, perante o apoio entusiasta do Tone Pirata que incitava o seu amigo a lançá-los com força.
    A poucos metros da embarcação, o Tinoca, com um grito de guerra “iá..iá…iá..”, lançou os frangos pelo ar que pareciam “gaivines” depenadas, esvoaçando contra a ventania que se fazia sentir e, com tanto azar, a mira falhou e as “aves “ foram cair  ao mar, perante o desespero dos tripulantes que viram os “frangos”  mergulharem nas águas salinas e espumadas, perto do cais  mas, milagrosamente,  logo vieram à tona...
   O amigo Pesinho, pouco conhecedor das leis da física, não contava com a força da ventania de sudoeste, o que fez desviar os frangos na direção errada…
   O Rogério “Chana”, especialista a fisgar lampreias, irmão do Lano, filhos do falecido  Rogério, pegou rapidamente no “bicheiro”, que se encontrava sobre a cabine da motora e começou a fisgar os frangos, um a um, e conseguiu salvar o almoço!...
    Os tripulantes da motora ”Jesus no Jardim” rogaram pragas ao Pesinho, chamando-lhe os habituais “palavrões”, que não constam no dicionário contudo,  o ”Tinoca” cambaleando, conseguiu entrar na embarcação, encostando-se à cabine depois de uma  escorregadela no viscoso convés.
   Toda a tripulação comeu um saboroso arroz de frango, cozinhado pelo  mestre–cozinheiro  Tone Paquete enquanto o Pesinho dormia  como um “porco”  e só acordou às tantas da manhã, quando o sol, já rompia o horizonte.
   A embarcação “Jesus no Jardim”, sob o comando do experiente mestre Quico,  ia começar mais uma faina no alto mar e com toda a tripulação preparada, apareceu, saindo do porão, o Pesinho e, levantando a sua “tenebrosa e esganiçada voz”, perguntou:
- Quando é que comemos os frangos?
 Toda a tripulação numa berraria,  em uníssono respondeu-lhe:
- Olha Tinoca, morreram todos ”afogados” e estão no fundo do mar e para a próxima vez,  bebe menos…
     A embarcação entrou em pleno mar, com toda a gente bem acordada, e foram mais umas horas de trabalho árduo, tendo os audazes pescadores de Esposende, largado as redes e tremalhos para as “entranhas “ das águas, com a convicta esperança de uma boa pescaria, o que viria a acontecer.
Entrevista  com o Santos,  Francisco , Rogério “Chana”.
Dia 13 de março e 16 de abril de 2013 no café Oliveira-11 horas, e café Cine-22.00 horas-e no café do  Mercado – 16.30 horas-.Esposende

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