O Milagre da “robalada”…
Em Esposende,
numa tarde de julho, de mil novecentos e sessenta e dois, com o sol
“conversando” com as poucas nuvens que pairavam no horizonte, os pescadores
lançaram os seus barcos no rio Cávado, com as suas águas serenas e ligeiramente
onduladas, com intenção de uma surtida ao mar, zona costeira.
Mestre Belemino Ribeiro |
A “maçaricada” aglomerava-se nas “croas”-
areais-, disputando corridas de velocidade curtas, penicando e ingerindo o
petisco alojado no areão.
No cais
norte, a embarcação “actividade”, com os seus tripulantes Saganito “Velho”,-Anselmo
Francisco Marques-, João da Libânia- João de Lemos-, Manel Nibra,- Manuel Pinto de Jesus-, Zé
“Taitas”-José Sousa Lemos- e Zé “Bebado”,-José Nibra- abandonaram a zona
pesqueira de Fão e aventuraram-se para
outras “andanças”.
Vamos até à
barra, que deve haver peixe, disse o Saganito”Velho” para os seus amigos, depois
de puxar a boina para trás do pescoço…!
O Zé Nibra,
ao ouvir este apelo, cheio de esperança, da velha raposa do rio e mar,
que é o Saganito, respondeu:
- Vamos lá
rapazes, porque neste Fão não ganhamos para o pão…
Depois de
deixar alguns tripulantes em terra, na zona de Fão, o João Libânio, Zé e Manel
Nibra, ainda criança com os seus onze anos
de idade, Zé Taitas, Saganito e o Zé Nibra, “mestre” do barco “actividade”, remaram a toda a
velocidade em direção a norte, na ponta
da restinga de areia que separa o Cávado do oceano Atlântico.
- O Saganito aflito disse à “campanha”:
- Vou primeiro “arraiar o calhau” ali nos “fieiros,”
estou aflitinho …
Este felino
pescador, olhou para a pancada do mar e viu centenas de barbatanas dorsais à
superfície da água do mar, mesmo na rebentação.
- Meus Deus, estamos ricos, o peixe está grosso, gritou o Saganito, ainda a apertar a fivela
do esfarrapado cinto!
Olha, são
mujos, estamos desgraçados, não dá nem para uma malga de vinho no Abilio Coutinho
ou Barrigana, desabafou o Zé Taitas.
Na praia o
João Conde e o professor Carlos Martins, velhos amigos, presenciavam, ao longe,
esta cena, com os robalos a saltarem “fora da água”.
Os nossos
pescadores, incentivados pelo Saganito, lançaram, as redes- varga- ao mar,
junto à restinga, e fizeram o cerco com as redes de “nylon”/algodão.
Uns no
barco, outros a pé, com a água do mar pela cintura, as redes cercaram os peixes
que borbulhavam e saltavam à superfície.
Meu Deus,
isto é um milagre disse o Zé, ao olhar para as centenas de robalos malhados…
Puxem meus
irmãos, são robalos e não mujos do mar, respondeu o Nibra, ainda criança e já
na faina piscatória.
Com o cerco
feito, a rede foi arrastada para o areal da restinga e o peso dos enormes
robalos, ia rebentando com ela. Valeu a força das ondas que ia empurrando a
“robalada” para terra.
O barco
encheu-se de enormes robalos e partiu em direção ao cais norte.
A embarcação,
apesar das fortes remadelas dos pescadores, andava pouco e quase que não saía
do sítio, tal era o peso da “robalada”… .
Já perto do cais, com os pescadores a suarem
por todos os poros da pele, o sopro do Saganito na buzina fez-se ecoar pelos
ouvidos das peixeiras que esperavam no cais, pelos pescadores.
Quando chegaram, ao cais, a “robalada” foi
descarregada e, o Carlinhos da Jandira que tinha sido avisado deste milagre,
depois das aulas no Infante Sagres, foi a correr pela ribeira até ao cais, onde
se aglomeravam mais esposendenses, espantados por tão rica pescaria.
Ena pá, é cada robalo, respondeu o Carlinhos
da Jandira para o Toninho Zurique que estava ao seu lado.
Na ribeira,
decorria um jogo de futebol norte-sul com a bola de “capão” do Zé Pancas a ser
mal tratada, tal eram as biqueiradas dos pés descalços do Paulo Gatinho, Aicha,
Taxi, Augusto da Galga, Zé Conainas, Casimiro “Tri Tri”, Armindo Murraca entre outros jogadores, que , privilegiadamente, estavam calçados.
Este jogo foi logo interrompido porque a
garotada foi toda para o cais, ver a pescaria milagrosa.
O peixe,
depois de descarregado, começou a ser rematado e o guarda-fiscal, estava sempre
presente, à espera do “dízimo”…
A Rosinha da Arranca apareceu logo e disse,
perante as incrédulas peixeiras que estavam ao seu lado:
- Eu compro os
robalos todos, vamos mas é pesá-los!
A Rosinha já
tinha o peixe destinado para uma encomenda e lá se começou a pesagem.
O João da
Libânio, sempre atento, avisou:
- Então esta
caixa não se pesa e está de lado!...
Eu aqui não
quero “ladroagem” ameaçou o João, com a sua voz ameaçadora e trémula.
Muitos
robalos foram “desviados” mas a fartura fez esquecer esta pequena ”rapinagem” …
O Zé Nibra, mestre da embarcação, pegou nuns valentes
robalos e deu-os ao Tio Miguel e ao seu irmão Sampaio e lá foram eles com os
peixes para sustento da casa, com os braços doridos de tanto peso.
O Manel Nibra
também levou a sua “dose” e o robalo era quase do tamanho dele…
O Saganito,
todo encharcadinho até aos ossos, depois
do peixe vendido, disse aos seus amigos:
- Para comemorar, vamos ao Barrigana beber umas
malgas de vinho e um bacalhau frito, com iscas para encher o “bandulho”,
convidou, gaguejando, o velho Saganito.
O Zé” Bêbado” levantou a voz e disse:
- Meus amigos, aqui mando eu e vamos mas é à Nazaré
que tem polvo frito!
O Saganito velho protestou e mandou uma “carvalhada”
e foi em direção à tasca da Berta que ficava perto de casa, embora o vinho lá,
soubesse a “pozes”…
Mas, primeiramente,
o Saganito tinha passado pela tasca do Zé Feliz “humedecendo” a garganta que
estava sequinha!
No meio desta
confusão, cada um foi para a sua tasca e prometeram pagar as despesas depois do
dinheiro “partido”.
O sol estava a
desaparecer no horizonte, naquela tardinha de Verão e todos recolheram às suas
casas, esperando, mais tarde, pelo dinheiro da Rosinha para a partilha da
“guita”, o que veio a acontecer porque a Rosinha Peixeira era mulher de
palavra.
Foi um dia de pescaria de robalos que não há
memória em Esposende e a maioria deles pesavam três a quatro quilos e alguns
deles, pesavam onze a doze quilos..…
Por sinal,
ainda com os meus onze aninhos de idade, recordo-me perfeitamente desta
pescaria e nunca tinha visto tanto robalo na minha vida e tão grandes!
O cais norte estava semeado de robalos
prateados e fresquinhos, a maioria deles, vivinhos, saltando
na rampa do cais, em sinal de desespero …
O sol
desapareceu no horizonte, num crepúsculo
vermelho amarelado, e o velho cais norte ficou deserto mas, penso eu, muito
feliz por albergar no seu “regaço”, o “calor ofugante” dos “robalões”…
Carlos Manuel de Lima Barros.
Nota: Entrevistas/conversas informais com a D. Olívia,
esposa do José Nibra, Manel Nibra, João da Libana, Carlos “Bicho”, João Careca,
Manuel, Laguna, Milo Barros, Bidú,
Santos Coutinho, Tonó, Lano V .Boas, Chico …
( 3
- Cantinhos dos lobos do mar)
- Mês de
fevereiro –
22/01/2013
Fotos: CARLOS BARROS
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