sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

3 -“O cantinho dos Lobos do Mar”


O Milagre da “robalada”…
Mestre Belemino Ribeiro
    Em Esposende, numa tarde de julho, de mil novecentos e sessenta e dois, com o sol “conversando” com as poucas nuvens que pairavam no horizonte, os pescadores lançaram os seus barcos no rio Cávado, com as suas águas serenas e ligeiramente onduladas, com intenção de uma surtida ao mar, zona costeira.
   A “maçaricada” aglomerava-se nas “croas”- areais-, disputando corridas de velocidade curtas, penicando e ingerindo o petisco alojado no areão.
   No cais norte, a  embarcação “actividade”, com os seus tripulantes Saganito “Velho”,-Anselmo Francisco Marques-, João da Libânia- João de Lemos-,  Manel Nibra,- Manuel Pinto de Jesus-, Zé “Taitas”-José Sousa Lemos- e Zé “Bebado”,-José Nibra- abandonaram a zona pesqueira de Fão e aventuraram-se  para outras “andanças”.
 Vamos até à barra, que deve haver peixe, disse o Saganito”Velho” para os seus amigos, depois de puxar a boina para trás do pescoço…!
 O Zé  Nibra,  ao ouvir este apelo, cheio de esperança, da velha raposa do rio e mar, que é o  Saganito, respondeu:
- Vamos lá  rapazes, porque neste Fão não ganhamos para o pão…
  Depois de deixar alguns tripulantes em terra, na zona de Fão, o João Libânio, Zé e Manel Nibra,  ainda criança com os seus onze anos de idade, Zé Taitas, Saganito e o Zé Nibra, “mestre” do barco “actividade”, remaram a toda a velocidade em direção a norte,  na ponta da restinga de areia que separa o Cávado do oceano Atlântico.
- O Saganito aflito disse à  “campanha”:
- Vou primeiro “arraiar o calhau” ali nos “fieiros,” estou aflitinho …
   Este felino pescador, olhou para a pancada do mar e viu centenas de barbatanas dorsais à superfície da água do mar, mesmo na rebentação.
- Meus Deus, estamos ricos, o peixe está grosso,  gritou o Saganito, ainda a apertar a fivela do esfarrapado cinto!
  Não façam barulho, apelou o Zé  Nibra para os seus tripulantes.
  Olha, são mujos, estamos desgraçados, não dá nem para uma malga de vinho no Abilio Coutinho ou Barrigana, desabafou o Zé Taitas.
  Na praia o João Conde e o professor Carlos Martins, velhos amigos, presenciavam, ao longe, esta cena, com os robalos a saltarem “fora da água”.
   Os nossos pescadores, incentivados pelo Saganito, lançaram, as redes- varga- ao mar, junto à restinga, e fizeram o cerco com as redes de “nylon”/algodão.
   Uns no barco, outros a pé, com a água do mar pela cintura, as redes cercaram os peixes que borbulhavam e saltavam  à superfície.
   Meu Deus, isto é um milagre disse o Zé, ao olhar para as centenas de robalos malhados…
   Puxem meus irmãos, são robalos e não mujos do mar, respondeu o Nibra, ainda criança e já na faina piscatória.
  Com o cerco feito, a rede foi arrastada para o areal da restinga e o peso dos enormes robalos, ia rebentando com ela. Valeu a força das ondas que ia empurrando a “robalada” para terra.
   O barco encheu-se de  enormes  robalos e partiu  em direção ao cais norte.
   A embarcação, apesar das fortes remadelas dos pescadores, andava pouco e quase que não saía do sítio, tal era o peso da “robalada”… .
   Já perto do cais, com os pescadores a suarem por todos os poros da pele, o sopro do Saganito na buzina fez-se ecoar pelos ouvidos das peixeiras que esperavam no cais, pelos  pescadores.
   Quando chegaram, ao cais, a “robalada” foi descarregada e, o Carlinhos da Jandira que tinha sido avisado deste milagre, depois das aulas no Infante Sagres, foi a correr pela ribeira até ao cais, onde se aglomeravam mais esposendenses, espantados por tão rica pescaria.
   Ena pá, é cada robalo, respondeu o Carlinhos da Jandira para o Toninho Zurique que estava ao seu lado.
   Na ribeira, decorria um jogo de futebol norte-sul com a bola de “capão” do Zé Pancas a ser mal tratada, tal eram as biqueiradas dos pés descalços do Paulo Gatinho, Aicha, Taxi, Augusto da Galga, Zé Conainas, Casimiro “Tri Tri”,  Armindo Murraca entre outros jogadores,  que , privilegiadamente, estavam calçados.
   Este jogo foi logo interrompido porque a garotada foi toda para o cais, ver a pescaria milagrosa.
  O peixe, depois de descarregado, começou a ser rematado e o guarda-fiscal, estava sempre presente, à espera do “dízimo”…
   A Rosinha da Arranca apareceu logo e disse, perante as incrédulas peixeiras que estavam ao seu lado:
 - Eu compro os robalos todos, vamos mas é pesá-los!
  A Rosinha já tinha o peixe destinado para uma encomenda e lá se começou a pesagem.
  O João da Libânio, sempre atento, avisou:
 - Então esta caixa não se pesa e está de lado!...
  Eu aqui não quero “ladroagem” ameaçou o João, com a sua voz ameaçadora e  trémula.
  Muitos robalos foram “desviados” mas a fartura fez esquecer esta pequena ”rapinagem” …
O Zé Nibra, mestre da embarcação, pegou nuns valentes robalos e deu-os ao Tio Miguel e ao seu irmão Sampaio e lá foram eles com os peixes para sustento da casa, com os braços doridos de tanto peso.
 O Manel Nibra também levou a sua “dose” e o robalo era quase do tamanho  dele…
 O Saganito, todo encharcadinho até aos ossos,  depois do peixe vendido, disse aos seus amigos:
- Para comemorar, vamos ao Barrigana beber umas malgas de vinho e um bacalhau frito, com iscas para encher o “bandulho”, convidou, gaguejando, o velho Saganito.
O Zé” Bêbado” levantou a voz e disse:
- Meus amigos, aqui mando eu e vamos mas é à Nazaré que tem polvo frito!
O Saganito velho protestou e mandou uma “carvalhada” e foi em direção à tasca da Berta que ficava perto de casa, embora o vinho lá, soubesse  a “pozes”…
  Mas, primeiramente, o Saganito tinha passado pela tasca do Zé Feliz “humedecendo” a garganta que estava sequinha!
  No meio desta confusão, cada um foi para a sua tasca e prometeram pagar as despesas depois do dinheiro “partido”.
 O sol estava a desaparecer no horizonte, naquela tardinha de Verão e todos recolheram às suas casas, esperando, mais tarde, pelo dinheiro da Rosinha para a partilha da “guita”, o que veio a acontecer porque a Rosinha Peixeira era mulher de palavra.
  Foi um dia de pescaria de robalos que não há memória em Esposende e a maioria deles pesavam três a quatro quilos e alguns deles, pesavam onze a doze quilos..…
  Por sinal, ainda com os meus onze aninhos de idade, recordo-me perfeitamente desta pescaria e nunca tinha visto tanto robalo na minha vida e tão grandes!
   O cais norte estava semeado de robalos prateados e fresquinhos, a maioria deles, vivinhos,  saltando  na rampa do cais, em sinal de desespero …
   O sol desapareceu no horizonte, num  crepúsculo vermelho amarelado, e o velho cais norte ficou deserto mas, penso eu, muito feliz por albergar no seu “regaço”, o “calor ofugante” dos “robalões”…
 
Carlos Manuel de Lima Barros.

Nota: Entrevistas/conversas informais com a D. Olívia, esposa do José Nibra, Manel Nibra, João da Libana, Carlos “Bicho”, João Careca, Manuel, Laguna, Milo Barros,  Bidú, Santos Coutinho, Tonó, Lano V .Boas, Chico …

( 3 - Cantinhos dos lobos do mar)
       - Mês de fevereiro –
            22/01/2013
Fotos: CARLOS BARROS

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