por Carlos Barros
Uma
viagem atribulada…
A motora Filomena Antonieta,
foi a primeira motora que veio para Esposende, no ano de mil novecentos e
sessenta e dois, com uma tripulação de pescadores muito trabalhadores,
divertidos e “vinhaça” que se aproximasse deles, era “vinho evaporado”, num
abrir e fechar de olhos…
O João Careca era o mestre da
Filomena Antonieta, pescador experimentado e muito sereno, sendo a tripulação
constituída pelos esposendenses, Quico da Inocência, irmão do João Careca, Morrossol,
com a sua gravata garrida e elástica, o Tone Pirata, Anselmo Saganito, A.
Guimarães, Alfredo Muchacho, e o grande “ilusionista” Milo, também alcunhado de
“Rosas”, antigo guarda-redes do Leixões.
A Filomena Antonieta,
com os seus treze metros de comprimento era palco de muito trabalho e de
diversões com o Alfredo Muchacho, sempre a comandar as “tropas” com o seu
excelente espírito de humor e de oportunas malandrices.
Era habitual, durante o ano, separar “meia parte” do pescado da
motora, para custear as despesas para alguns passeios a Lisboa-Mafra-Nazaré…- e
a outros locais ,(volta ao Minho…) para que a “companha” se
distraísse um pouco, fazendo descansar o corpo e espírito, “corroído”
pelas longas e cansativas saídas para o mar.
No dia vinte e dois de
outubro, de mil novecentos e sessenta e sete, o João Careca organizou um
passeio a Lisboa, com passagem por Mafra e Nazaré. Após umas passeatas pelos
cafés/tascas no campo das cebolas , foram todos pernoitar à Pensão Varandas ,
curtir um pouco das “copaças” com uns tremoços e amendoins, de sabor bolorento,
a acompanhar…
O Morrossol, sempre aperaltado, tinha pedido, ao João Careca, no primeiro
dia na capital, se o autorizava a ir ter com uma tia e prima na baixa lisboeta
e o mestre, começou a esfregar a boina desconfiado mas, lá lhe deu autorização
desde que, no outro dia, estivesse junto à Pensão Varandas para a viagem de
regresso.
O Tone Pirata acenava para o senhor João para não o deixá ir porque nunca
mais regressaria, lembrando-se das “partidas”-aventuras- anteriores do
Morrossol.
O Tio Alfredo, com ar
tristonho, sentado num muro, junto à Pensão, desabafou:
- Adeus amigo Morrossol, nunca mais
te vejo!...Vai “alma perdida”….
No dia seguinte, quando os “turistas” iam partir de Lisboa, lá estava o
Morrossol, com dois grandes embrulhos, com frascos de perfumes e
roupa branquinha, mesmo a seu gosto …
O Tio
Alfredo, não resistiu, abeirou-se do seu amigo e começou a vasculhar os sacos,
procurando alguma garrafinha de tinto ou uma cerveja perdida mas,
infelizmente, nada disso existia, perante o desespero do Tone Pirata e do Tio
Aníbal Mó que tinham a garganta seca!
Já
em viagem de regresso, a velha e ferrugenta carrinha do Aníbal Mó, sócio da Motora
Maria Antonieta, que transportava estes pescadores de Esposende, numa curva
teve um pequeno despiste e avariou-se e gerou-se algum pânico entre
os “turistas”.
O
Milo foi projectado pela porta fora e caiu desamparado, com uma lata de óleo,
rasgando as calças, caindo num valado, cheio de urtigas. Esteve a
coçar-se durante muito tempo, com comichão, com o Tio Alfredo Muchacho a
rir-se perdidamente. O Milo, assustado, estava vermelho de tanto se
esfregar.
O Morrossol, dentro da carrinha, gritou:
- Irmãos estamos perdidos, vamos a
pé para Esposende por causa desta carripana maldita!
Todos
saíram da carrinha, e o Anselmo, com o susto que apanhou, cada vez
gaguejava mais, apesar do apoio do Tone Pirata que só pedia para pararem na
próxima tasca para beber uns valentes “ganázios”- malguinhas- de
vinho.
O Alfredo Muchacho, sempre na borga, pôs-se
ao volante, sem saber conduzir e destravou a carripana que começou a deslizar e
só parou junto a um muro, coberto de musgo e trepadeiras, que
amorteceu o choque.
Entretanto, a porta da
carrinha, que estava segura com cordas e arames, soltou-se e foi projectada,
deslizando sobre um extenso relvado, junto a um barracão de tijolo que se
encontrava abandonado apenas, dois gatos vadios saltavam entre ervas
verdejantes e dois tijolos abandonados...
O Milo que não bebia bebidas alcoólicas e
gritava a “sete foles”:
-Quero um pirolito, estou com uma
secura!
Entretanto a carrinha, com O Aníbal
Mó ao volante, já bem entornado, começou a trabalhar e logo a companha
enfiou-se dentro da viatura a caminho da Nazaré .
O Morrossol, de sapato branco,
gravata de elástico e casaco de xadrez, desviava-se do Alfredo Muchacho porque
este estava sempre a puxar pela gravata, esticando-a e largando-a, aleijando o
“caroço” ao infortunado Morrossol.
O Quico desesperado, olhava para o irmão João Careca e perguntava-lhe o que
iria fazer a estes “bebedolas” e, com a sua calma, o mestre olhou para ele e
disse-lhe:
- Vamos já para Esposende, e vamos
deixá-los na ribeira porque estou farto de aturar esta cambada, lamentava o
João Careca.
A carrinha em velocidade de cruzeiro, chegou a Esposende pela já madrugada, e parou
na ribeira, junto ao posto da Alfândega, com a intenção de os deixar lá, mas,
todos estavam despertos e saíram da viatura, cambaleando, em direcção às suas
casas onde as mulheres os esperavam com o caldo de farinha à mesa e uma
postinha de raia ou bacalhau frito.
Foi um passeio atribulado
mas, muito animado apesar das peripécias que tinham acontecido num passeio que
jamais poderia ser calmo porque o Tio Alfredo Muchacho, agitava aqueles jovens
e alegres pescadores que, apesar das brincadeiras, palhaçadas e maroteiras,
eram sempre amigos e bastante unidos na amizade e no trabalho.
“Pescador de histórias”