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terça-feira, 7 de julho de 2015

CANTINHO DOS LOBOS DO MAR

por Carlos Barros      
  Uma viagem atribulada…
      
          A motora Filomena Antonieta, foi  a primeira motora que veio para Esposende, no ano de mil novecentos e sessenta e dois, com uma tripulação de pescadores muito trabalhadores, divertidos e “vinhaça” que se aproximasse deles, era “vinho evaporado”, num abrir e fechar de olhos…
         O João Careca era o mestre da Filomena Antonieta, pescador experimentado e muito sereno, sendo a tripulação constituída pelos esposendenses, Quico da Inocência, irmão do João Careca, Morrossol, com a sua gravata garrida e elástica, o Tone Pirata, Anselmo Saganito, A. Guimarães, Alfredo Muchacho, e o grande “ilusionista” Milo, também alcunhado de “Rosas”, antigo guarda-redes do Leixões.
          A Filomena Antonieta, com os seus treze metros de comprimento era palco de muito trabalho e de diversões com o Alfredo Muchacho, sempre  a comandar as “tropas” com o seu excelente espírito de humor e de oportunas malandrices.
          Era habitual, durante o ano, separar “meia parte” do pescado da motora, para custear as despesas para alguns passeios a Lisboa-Mafra-Nazaré…- e a  outros locais ,(volta ao Minho…) para que a “companha” se distraísse  um pouco, fazendo descansar o corpo e espírito, “corroído” pelas longas e cansativas saídas para o mar.
        No dia vinte e dois de outubro, de mil novecentos e sessenta e sete, o João Careca organizou um passeio a Lisboa, com passagem por Mafra e Nazaré. Após umas passeatas pelos cafés/tascas no campo das cebolas , foram todos pernoitar à Pensão Varandas , curtir um pouco das “copaças” com uns tremoços e amendoins, de sabor bolorento, a acompanhar…
       O Morrossol, sempre aperaltado, tinha pedido, ao João Careca, no primeiro dia na capital, se o autorizava a ir ter com uma tia e prima na baixa lisboeta e o mestre, começou a esfregar a boina desconfiado mas, lá lhe deu autorização desde que, no outro dia, estivesse junto à Pensão Varandas para a viagem de regresso.
         O Tone Pirata acenava para o senhor João para não o deixá ir porque nunca mais regressaria, lembrando-se das “partidas”-aventuras-  anteriores do Morrossol.
           O Tio Alfredo, com ar tristonho, sentado num muro, junto à Pensão, desabafou:
- Adeus amigo Morrossol, nunca mais te vejo!...Vai “alma perdida”….
          No dia seguinte, quando os “turistas” iam partir de Lisboa, lá estava o Morrossol, com dois grandes embrulhos, com  frascos de perfumes e roupa  branquinha, mesmo a seu gosto …
         O Tio Alfredo, não resistiu, abeirou-se do seu amigo e começou a vasculhar os sacos,  procurando alguma garrafinha de tinto ou uma cerveja perdida mas, infelizmente, nada disso existia, perante o desespero do Tone Pirata e do Tio Aníbal Mó que tinham a garganta seca!
       Já em viagem de regresso, a velha e ferrugenta carrinha do Aníbal Mó, sócio da Motora Maria Antonieta, que transportava estes pescadores de Esposende, numa curva teve um pequeno despiste e avariou-se e gerou-se algum  pânico entre  os “turistas”.
        O Milo foi projectado pela porta fora e caiu desamparado, com uma lata de óleo,  rasgando  as calças, caindo num valado, cheio de urtigas. Esteve a coçar-se durante muito tempo, com comichão,  com o Tio Alfredo Muchacho a rir-se perdidamente. O Milo, assustado,  estava vermelho de tanto se esfregar.
           O Morrossol, dentro da carrinha,  gritou:
- Irmãos estamos perdidos, vamos a pé para Esposende por causa desta carripana maldita!
       Todos saíram da carrinha, e o Anselmo, com o susto que apanhou,  cada vez gaguejava mais, apesar do apoio do Tone Pirata que só pedia para pararem na próxima tasca para  beber uns valentes “ganázios”- malguinhas-  de vinho.
         O Alfredo Muchacho, sempre na borga, pôs-se ao volante, sem saber conduzir e destravou a carripana que começou a deslizar e só parou junto a um muro, coberto de  musgo e trepadeiras, que  amorteceu o choque.
            Entretanto, a porta da carrinha, que estava segura com cordas e arames, soltou-se e foi projectada, deslizando sobre um extenso relvado, junto a um barracão de tijolo que se encontrava abandonado apenas, dois gatos vadios saltavam entre ervas verdejantes e dois tijolos abandonados...
            O Milo que não bebia bebidas alcoólicas e gritava a “sete foles”:
-Quero um pirolito, estou com uma secura!
          Entretanto a carrinha, com O Aníbal Mó ao volante, já bem entornado, começou a trabalhar e logo a companha enfiou-se dentro da viatura  a caminho da Nazaré .
           O Morrossol, de sapato branco, gravata de elástico e casaco de xadrez, desviava-se do Alfredo Muchacho porque este estava sempre a puxar pela gravata, esticando-a e largando-a, aleijando o “caroço” ao  infortunado Morrossol.
            O Quico desesperado, olhava para o irmão João Careca e perguntava-lhe o que iria fazer a estes “bebedolas” e, com a sua calma, o mestre olhou para ele e disse-lhe:
- Vamos já para Esposende, e vamos deixá-los na ribeira porque estou farto de aturar esta cambada, lamentava o João Careca.
           A carrinha em velocidade de cruzeiro, chegou a Esposende pela já madrugada, e parou na ribeira, junto ao posto da Alfândega, com a intenção de os deixar lá, mas, todos estavam despertos e saíram da viatura, cambaleando, em direcção às suas casas onde as mulheres os esperavam com o caldo de farinha à mesa e uma postinha de raia ou bacalhau frito.
           Foi um passeio atribulado mas, muito animado apesar das peripécias que tinham acontecido num passeio que jamais poderia ser calmo porque o Tio Alfredo Muchacho, agitava aqueles jovens e alegres pescadores que, apesar das brincadeiras, palhaçadas e maroteiras, eram sempre amigos e bastante unidos na amizade e no trabalho.
“Pescador de histórias”