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quarta-feira, 6 de fevereiro de 2019

CANTINHO DOS LOBOS DO MAR


CANTINHO DOS LOBOS DO MAR
por Carlos Barros

Um Carnaval,  com  “Vuelta” em Esposende…
  O ano de 1967, transpirava de folia porque estávamos no Carnaval, a Ribeira estava pujante,  toda aperaltada, com muitas pessoas à espera pela  passagem dos ciclistas, ao longo da marginal , com o piso ainda poeirento e um pouco empedrado. Não havia desfiles tradicionais de Carnaval, mas, iria haver, um outro acontecimento, uma acalorada e competitiva corrida de bicicletas, à volta da então “Vila de S. Sebastião”…
  Alguns dias antes, no Largo Rodrigues Sampaio, num piso empoeirado e ensaibrado, tinha decorrido uma disputada corrida de galgos atrás de uma lebre, accionada por um sistema mecânico, com os galgos do Jaime do talho, a Corsa, de cor cinzenta, e o Coral, de pelo amarelo torrado, a darem algum festival aos galgos concorrentes, vindos do Distrito de Braga. O Jorge, o Chico “Dólar”, e o Lano apoiavam os seus galgos saltando de contentamento com a sua exibição, com o Toninho Losa, trincando um rebuçado “peitoral”, a teorizar sobre a psicologia dos caninos, explanando alguns conhecimentos de física mecânica,-roldanas…- ensinada pelo Dr. Alceu Vinhas, professor do Colégio/Externato Infante Sagres…

  O Tininho Magalhães, fotógrafo profissional, era o principal mentor e organizador deste evento ciclopédico e a partida era em frente do Farol, sempre pela tardinha, para fugir da vigilância e do controlo das autoridades,-GNR- sempre vigilantes e repressivas .
 O senhor Gomes, ilustre profissional de fotografia da Foto Bazar, estava numa reportagem de uma comunhão solene e tinha a agenda preenchida, neste dia da “Vuelta” a Esposende, embora não fosse “homem” para estas reportagens de exterior….
   Era o Zé da Vila, zeloso funcionário da Câmara M. de Esposende, que dava o sinal de partida, com uma bandeira feita com um cabo de vassoura e um farrapo branco, dado pela Julinha, costureira moradora na Rua General Roçadas, que tinha cortado de um lençol velho e esburacado.
  Estavam inscritos 20 corredores, com as suas “pasteleiras” afinadinhas e o Mário Trabuqueta,  grande sprínter, tinha ido, previamente,  ao Marino beber um copo de leite, como reforço energético e calórico, na companhia do Purguinha, seu irmão, que ia sentado, todo  requintado,  no quadro da bicicleta marca, “ Órbita” , empresa fundada por Aurélio Ferreira-Águeda-.
   A meta volante, era junto ao antigo Núcleo de Campismo de Esposende, onde existiu a Pensão Suave-Mar e, mais tarde, a Pensão Pôr-de-Sol.
Os directores deste NCE-Núcleo de Campismo de Esposende- organizava, no salão de entrada, bailes de Carnaval, cuja entrada era paga, visando a angariação de fundos.   Aos domingos, também havia sessões de cinema, com uma bancada improvisada para os assistentes-plateia- e os filmes do Cantiflas- “Bombeiro Atómico”…- do actor Mário Moreno- enchiam a sala…
A “garotada” da classe social “aburguesada” de Esposende, foi comprar ao Foto Bazar, “bichinhas“, bombas e alguns “estalinhos”, sob os olhares atentos da senhor Gomes e da Manuela da “Viúva”. No final da corrida, aparecia o “fogo de artifício”, com a utilização, desse material “pirotécnico”!
   O polícia improvisado deste “Tour”, era o Jaime do Talho com a ajuda do Zé do Alfredo do talho que iam nas suas “potentes” motorizadas “Pachancho”  e “Sachs”, acompanhando os corredores ao longo do percurso. O Toni Bermudes também acompanhava e apoiava os ciclistas no seu “moton” Alpine, emprestado pelo seu pai,  de cor preta, e que fazia uma grande barulheira pelo cano de escape, assustando os cães vadios que pululavam pelas ruas de Esposende…
   Os ciclistas estavam todos prontos na meta e o Zé da Vila deu a partida e assim começou esta grande corrida com os atletas a pedalarem ao longo da marginal, num “pavée” irregular, um “treme cús”…
   O Mário Trabuqueta, sem grande esforço, comandou as primeiras centenas de metros e ganhou a meta volante, ganhando uma garrafa de cerveja Cristal de litro que custava, na altura, 2$00, na década de sessenta mas, este  ciclista, no final, preferiu o dinheiro que a “basuca”…A sua bicicleta tinha duas velocidades, uma novidade tecnológica daquela época e as luzes do farolim estavam avariadas, embora o “dínamo”, em segunda mão,  estivesse , aparentemente , em boas condições!
  Ao passar pela estrada nacional, nº 13, o Mário, meteu a segunda velocidade, e tornou a ganhar a outra meta-volante, estando pleno de força e confiança, era uma espécie de Emiliano Dionísio, antigo ciclista do Sporting….
Todos gritavam pelo ídolo: Trabuqueta…Trabuqueta…Trabuqueta…Faísca…Faísca…
  Os seus adversários andavam mais lentos, sempre com medo de tombarem nas valetas, porque a escuridão na estrada nacional, era quase total.
   Durante o percurso, havia pouca luz mas, os “sonares” dos ciclistas ajudavam a calcorrear a estrada, evitando, deste modo, possíveis quedas…
   O carro da vassoura, com a publicidade de algumas casas comerciais de Esposende, era o camião do Manuel Pinto, mais conhecido popularmente por “Rex” e o Zé “Crocodilo” ia com a vassoura na mão, animando os corredores.
   O Zé do talho perguntava ao Mário Trabuqueta se ia aguentar aquele ritmo de velocidade e, todo tranquilo, respondeu-lhe que tinha tomado um copo de leite no Marino e assim, mantinha-se em plena  forma, para terminar a prova, apesar das suas pernas serem umas “ganchetas”….
   O Tonho, já ”estoirado” de tanto pedalar,  amarrou-se à mota do Manuel Reis e veio de boleia, à ”sorrateira”, chegando, naturalmente,  à meta em primeiro lugar, sob grandes aplausos da assistência. Começaram a cair “bombas” e “bichinhas” junto à meta, e a assistência ficou alvoraçada com tanto estampido…
Corrida sem confusão não era corrida e, para não “fugir à regra”, veio a habitual confusão...
    No final, houve um grande burburinho, junto à meta, porque a marosca do Tonho, tinha sido descoberta e o popular “júri” estava embaralhado com tanta gritaria e ameaças, sendo o Carlos Bicho, o Aníbal Mó e o Mouco , os mais revoltados por esta “falcatrua”...
O Tonho foi desclassificado como vencedor, e a acalmia regressou…
O Quim Tripas e o Fernando Quintino, estavam a “afiar as facas” preparando investidas para o dia seguinte; assaltos à fruta, invasão ao canil para libertar os indefesos e condenados caninos, caçadas aos “charréus” e verdilhões e assaltos aos ninhos, menos aos de poupa…, entre outras aventuras…
  Depois de acesa discussão, a vitória foi atribuída ao veloz e “pernalonga” Mário Trabuqueta, que tinha ficado em segundo lugar contudo, não precisou de apoios ilegais, limitando-se a  ingerir, como natural “doping”, o referido o fortificante leite servido  pela benevolente, paciente e simpática  D. Alzira da Pensão/Tasco Marino.
   Já pela noitinha, todos os ciclistas regressaram às suas casas, com o dever cumprido, não se verificando desistências nesta “Vuelta” que teve a sorte não ter sido detectada pela Guarda Republicana de Esposende.
  O Tininho , com a sua Kodack de fole, fazia a sua reportagem sobre este importante  evento desportivo mas , os rolos de  36 fotografias depressa acabavam, para seu desespero .
   O senhor António Terra (Fandino), junto à sua loja, publicitava o valor dos ciclistas de Esposende, dizendo que tinha grandes corredores, sendo de realçar o apoio e “patrocínio” concedido por este comerciante esposendense, sempre prestável a colaborar nestas iniciativas . Consertava, gratuitamente, muitos furos dos pneus das bicicletas e algumas avarias, especialmente dos travões que estavam quase sempre desafinados de tanto travar…As mudanças das “pasteleiras” empenavam constantemente e nem é bom falar das secas correntes, que raramente eram oleadas e só, esporadicamente, eram “untadas” com uns pingos de azeite rançoso…
  O Tarrio, à socapa do pai, com a sua “Vilar”, participava nestas famosas corridas, assim como o Carlinhos da Jandira que levava a bicicleta do seu tio Abílio Coutinho, que já dispunha de mudanças de 3 velocidades e era um corredor de velocidade,  grande sprínter…A melhor bicicleta era a do Tonho, uma “Hercules” marca inglesa,  e o “Salta Pocinhas” tinha uma bicicleta de corrida que não era permitida nestas provas. O Fernando “Nai” andava sempre nela, espalhando as notícias do “Tour” informando o desenrolar da corrida e dava ânimo aos corredores.
  Mais tarde, com o aparecimento de outras marcas - “Raleigh”, “Triumph”, “Confersil”,” “Ucal” , a ícone das bicicletas, a ”Tabor”e a imponente e luxuosa “ Monark Caloi 10”- as corridas em Esposende , perderam-se no tempo, porque estas bicicletas não se podiam estragar…Eram mais para os passeios dominicais porque ter uma destas  bicicletas, nesse tempo, eram  sinais “exteriores de riqueza”…
  Com a noite, a ”galgar o tempo”, no domingo seguinte, a notícia da “prova ciclopédica” espalhava-se no adro da igreja Matriz, no final da missa e na ribeira e o Mário Trabuqueta  era o herói pelas vitórias conquistadas nas metas volantes e na prova final. Parecia, nesse tempo, o Peixoto Alves, o Mário Silva ou o João Roque, do ciclismo tendo as características destes famosos ciclistas nacionais.
  Mais tarde, realizaram-se outras corridas à volta de Esposende - seis voltas- perfazendo 36 Kms - a maioria delas interrompidas pela intervenção da GNR e nestas situações, todos corriam com as suas “pasteleiras” mas, em direcção à meta, que eram as suas casas, fugindo da perseguição dos obesos e “tartaruguentos” guardas da  GNR, num grande “sprint”!
                                                                                              
“Pescador de histórias” 
Esposende, 24 de Janeiro de 2019