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quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

CANTINHO DOS LOBOS DO MAR - Uma “gaivota “ quase fisgada…

CANTINHO DOS LOBOS DO MAR

Uma “gaivota “ quase  fisgada…

Carlos Barros


   O relógio  da torre da Igreja matriz marcava a partida das motoras para o mar: três horas da manhã.
   Na travessa dos pescadores, está o acostumado alvoroço nas casas,  com os preparativos para a faina da pesca, mulheres arranjando a “marmita”- Baú- do almoço, com a garrafinha da vinhaça dentro de uma saca de pano xadrez, feita pela costureira Jandirinha, na sua novinha máquina de costura Oliva, de cor esverdeada, anunciando esperança para uma boa pescaria.
   O Saganito já vai à frente em direção ao cais, onde a motora o espera, com a restante tripulação já a calcar a relva da ribeira e a “enxotar” a orvalhada que se colava nas ervas e juncos.

 Mais atrasado o Luisinho - Luis André Eiras- com as suas galochas esverdeadas e o seu casacão de xadrez, acelerava o passo na direção à motora Torrão da Berta Bichesa. O Zé Pereira dos Passos, mais conhecido por  “Zé Tolo” já se encontrava dentro da motora esfregando os olhos  “arremelados”, expulsando o sono que teimava atormentá-lo.
  O Luisinho, que abandonou a escola aos oito anos, era um pescador experimentado, tendo sido tripulante de várias motoras e catraias -Santa Maria dos Anjos, catraia Senhora da Saúde, Rainha dos Anjos, Claúdia Cristina, Senhora do Triunfo, 1º de Abril, Chiquinha e da motora  Marco Filipe do senhor José Nibra. Começou a andar ao mar aos onze anos, ainda uma criança, em que as exigências da vida,  lhe tirou o direito de brincar, como a muitos outros rapazinhos.
   O mestre Luisinho, completou cinquenta e cinco anos de árduo trabalho no mar, sempre com a barra a ameaçar tragédia…
   O Luisinho pescador arguto e corajoso, na motora  Torrão, ia sempre na casa do leme e era homem de confiança de toda a tripulação. Já tinha vivido uma situação trágica, num naufrágio com uma catraia- O Temerário-, à entrada da barra, embarcação do Sebastião, pai do senhor Belemino Ribeiro. Nesse triste dia, o Lázaro, o Bocage, foi engolido pelas mortíferas ondas do mar,  morrendo afogado. Nesse mesmo dia, em terra, o Café Copacabana, de um vilaverdende, foi devorado pelas chamas, apesar da pronta e corajosa  atuação dos Bombeiros Voluntários de Esposende, comandados pelo João Conde Evangelista. Uma triste e lamentável coincidência em que a tragédia e a tristeza estiveram de braços dados…

  O Torrão partiu do paredão em direção ao mar, com a tripulação ocupada nos  derradeiros  arranjos das redes e linhas de pesca, com o Zé dos Passos já arrebitado, tirando alguma água da motora,  com o “vertedouro”. Chegados ao destino,  toda a tripulação largou as redes, com o Luisinho  direcionando a proa da motora para leste onde a “sonda rudimentar” indicava uns cardumes de peixes.
  No regresso, depois de umas horas de trabalho a largar as redes o Candinho, mais conhecido no seio da classe piscatória  por “gaivota” andou sempre a “pegar” com o Zé,  fustigando-o com ameaças, arreliando-o durante a viagem.
  O Luisinho, homem pacato e de “bons modos”  tinha avisado o Candinho para “acabar com aquilo”,  avisando-o para deixar o “homem em paz”. O Candinho, sempre irreverente continuou a  arreliar o “peguinha, voa a voa”, perante o desespero do Luisinho e este, não está com “meias medidas”, pega no bicheiro para fisgar o Candinho mas, este num gesto rápido e intuitivo, desviou-se e o fisgado foi o Zé no ombro direito.
  Ai que eu morro, gritava o Zé aflito com os anzóis cravados na  “grossa roupa” que o protegia!...

   O Luisinho  deixou o galheiro e tirou os anzóis, enforcados no casacão do Zé que, por felicidade, não tinha sido atingido no ombro contudo, continuava a gritar dizendo que estava  “aleijado” e que queria ir “p´ró hospital!…
   O Candinho, colocou-se na proa do Torrão e nunca mais “abriu o bico” até chegar ao cais, com receio que o Luisinho mandasse outra “bicheirada “, esta  mais acertada…
  O falecido Ilhoca, na poupa, observando as gaivotas que seguiam a motora, ria-se “a perder” perante o desesperado  Zé que só olhava para o ombro “gravemente” atingido…
  “Ai que eu morro, minha mãezinha acuda-me”, continuava o Zé a gritar, mirando o ombro.
   O Zé continuou com a gritaria, protestando contra o Luisinho e só se calou quando no cais, o Ilhoca lhe tirou a roupa e viu que o ombro estava “sãozinho” como uma cereja…
   Entretanto, a motora Torrão foi ancorada e presa pelos cabos no cais e o Zé, com o baú na mão, lá se dirigiu para a rua de S. João onde o esperava a sua mãe, a tia Adelaide já com o “caldo” na mesa e umas fanecas fritas a acompanhar uns parcos grãos de arroz carolino, comprado na mercearia do Abílio Coutinho.

   A noite invadiu o bairro de S. João e todos os pescadores recolheram às suas camas, acomodados aos “colchões de palha”, de vez em quando, acordados pelo despertar de algumas pulgas que se preparavam para “almoçar”,  atacando e pele áspera e dura, dos nossos “heróis” pescadores que raramente acordavam, tal era o cansaço de tanto trabalhar  contra as intempestivas águas do mar.

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