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sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

Um turista, azarado…



Um turista, azarado…

   Estavamos no ano de mil novecentos e sessenta e dois,  quando numa tarde de verão,  a  motora Filomena Antonieta, com o mestre João Careca-João Pinto Loureiro- ao leme,  lançou-se ao mar, que se encontrava calmo, no arrasto ao camarão.
  Com o mestre seguiam os seus tripulantes: Alfredo Muchacho, Tonó, António Cabeludo, Tino Fangueiro, Romão Miquelino, Tone Pirata, Rodolfo “Ilhoca”, Milo Barros e Alfredo “Morrossol”, uma equipa de pescadores de respeito onde o Morrossol tinha de fazer continência ao Muchacho, caso contrário ia vassourada  no lombo, isto nos momentos de boa disposição. O Muchacho chamava ao Morrossol por Cornélia, título de um programa televisivo desses tempos.
  A motora, à saída da barra,  dava a força toda e a ferrugem do cano de escape era aproveitada para o Milo e finado Muchacho, para  pintar as caras de alguns tripulantes mais brincalhões.
  Quem quer ser o Jordão, dizia o Milo para a restante “cambada”? Temos aqui ferrugem que chegue…
 A tripulação, na zona costeira trabalhou bem, durante algumas horas no arrasto ao camarão, na “purbeira, no “lares”,  no forcadinho , locais perto da costa  que eram  referências para os pescadores.
  A “safra” no final da pescaria foi bastante boa: lavagantes, lagostas, santolas e camarão da costa, bem graúdo.
  No regresso ao cais norte,  na motora, sempre com o  respeitável mestre João Careca ao leme, reinava a boa disposição, com o Tio Muchacho sempre nas brincadeiras,  com o Milo a ajudar à festa e a vítima era quase sempre o Morrossol que não podia “levantar muito o cabelo”…
   Chegada ao cais, a Filomena Antonieta descarregou o pescado, sendo colocado num gingão para ser vendido, já por encomenda, para a Póvoa de Varzim, ao comerciante José Reis, homem de negócio, muito sério e simpático.
 Os nossos pescadores também vendiam o camarão à Zeza da Carqueja mas, esta negociante não era muito bem vista por eles porque ela enganava-se muito no peso do  marisco…


   Na sua mercearia, quando os pescadores vinham com o  marisco, este era posto, pelo Zé Reis , em viveiros, no mar,  para mantê-lo vivinho-lavagantes, lagostas…. O Zé  Reis  oferecia  presunto e umas garrafas de vinho à tripulação e que,  rapidamente, ficavam vazias, apenas, o Milo, bebia sumol ou “Canada Dry” ou mesmo  pirolito, isto nos dias mais quentes.
   Nesta casa comercial, trabalhou a senhora Maria do Rites, mãe dos nossos amigos esposendenses dr.  Fernando Rites e seu irmão, Rogério  Rites.
    O Alfredo Morrossol foi o encarregado de levar o  marisco ao José Reis, à Póvoa de Varzim, num gingão, com panos grossos e encharcados por cima, e deslocou-se na camioneta do “Cascão Linhares“, conduzida pelo “Joaquim das Camionetes”.  O escritório do Linhares era em frente dos Bombeiros velhos, sendo os seus funcionários o Abel da ”Batata” e o António Pinto que vendiam os bilhetes e responsabilizavam-se pelas encomendas.
    O Morrossol, com a sua roupa de pescador, lá foi na camioneta descansadinho e quando chegou à Póvoa, deixou o marisco em casa do José Reis que lhe ofereceu uma boa malga de vinho e uma posta de bacalhau, ficando o Morrossol bem “compostinho”…
   O José Reis pagou mil e duzentos escudos pelo marisco e com tanto dinheiro o amigo Morrossol teve um “ataque de desonestidade” e pensou:
 - Tenho a minha família em Lisboa e com este dinheirinho, uma “pequena fortuna” para a época, vou fazer uma visita de surpresa à minha irmã,  pensou o amigo Morrossol, já com as notinhas a aquecer nas mãos calejadas do mar.
   Comprou o bilhete de comboio  para o Porto, para a estação da Campanhã, e lá foi o “turista” no comboio para a cidade invicta, desejoso  por chegar a Lisboa.
   Entretanto, o gingão e os panos tinham chegado na camioneta do Linhares, e o Augusto Guimarães, homem muito sério,  antigo polícia e engraxador da Nélia, em Esposende foi entregar a encomenda ao João Careca  e restante tripulação, que estava à espera do dinheiro, para se distribuir o “quinhão” por todos.
Então onde está o dinheiro, Augusto, perguntou o João Careca!
A mim, não me entregaram nada, respondeu o Augusto todo aflito!.
Há bronca pela certa, responderam alguns pescadores da motora.
Será que o Morrossol ficou com o dinheiro, questionou o Muchacho.
   O Tonó, António Chicho e Alfredo Muchacho  alugaram o táxi ao António Marques Henriques e  a toda a pressa,  foram à Póvoa de Varzim, dirigindo-se à casa do José Reis à procura do Morrossol.
   Zé , o Morrossol  esteve aqui, perguntou o João Careca!
   Ele entregou-me o marisco, dei-lhe o dinheiro e foi-se embora respondeu o Zé Reis, com  a maior naturalidade, acrescentando que o viu numa uma loja de roupa de vestir, perto do seu estabelecimento comercial.
   Desconfiado, o  Tonó, sempre espertalhão e desconfiado, perguntou com a sua “tenebrosa” voz:
-Será que ele foi para Lisboa visitar a irmã?
  Malta, vamos à estação da Campanhã que o “marmanjo” deve estar lá, pronto a partir, disse o Tonó, gesticulando com ares ameaçadores…
  O táxi na velha estrada número treze, a toda a velocidade, chegou à estação da Campanhã e lá foram à procura do “turista”.
  O comboio para Lisboa não tinha chegado por sorte da tripulação, e, sentadinho de fatinho branco, calças vincadinhas sapatinho branco, à “brasuca”, óculos de sol e com risca ao lado, lá estava o Morrossol à espera do comboio.
  Então que estás aqui a fazer na estação, perguntaram os seus amigos da motora!...
  O Morrossol ficou  branco, sem fala e, gaguejando, respondeu:
- Eu perdi a cabeça e ia para Lisboa visitar a minha irmã e já tenho aqui o bilhete disse o Morrossol, com o ar amedrontado.
 Desgraçado, anda à nossa frente para Esposende que nós iremos vender o bilhete, o que conseguiram, após
 alguns contactos na bilheteira com os passageiros que estavam na fila para comprarem bilhetes para os vários destinos.
  Onde está o dinheiro do marisco, perguntou o Muchacho enfurecido com os dentes ”arreganhados”, ao Morrossol?
  Ó meu irmão, gastei-o quase todo na roupa e nos sapatos…
  Ò desgraçado, vamos embora e ainda hoje vais ser morto, ameaçou o Tonó, com o punho fechado.
  Durante a viagem o Morrosssol ouviu das “boas” com algumas ameaças de umas “verdoadas” no “cachaço”-
  O condutor António Marques Henriques lá ia ouvindo aquela discussão dentro do carro e, pelo retrovisor, contemplava “o turista” bem vestido, franzindo o ”sobrolho”….
  Quando chegaram à praça de táxis, junto ao largo dos peixinhos, saíram todos, com o Morrossol, todo “pinote” mal ele sabia que quando chegasse a casa, iria ficar sem a roupa toda, o que, aliás, veio a acontecer.
   O Chico ficou com a camisa, as calças e o casaco foram distribuídos pelos amigos,  ficando o Morrosssol com a roupa da semana, triste e azarado na frustada aventura para Lisboa que foi interrompida quando menos esperava…
   O Morrossol prometeu pagar a dívida, o que veio a acontecer,  mas a confiança tinha acabado para com a tripulação da Filomena Antonieta.
  O Morrossol, agora  mansinho como cordeiro, continuou na Filomena Antonieta com a restante tripulação e com a dívida paga, a vida continuou e, na motora, a boa disposição  regressou.

“O cantinho dos lobos do mar”
         Carlos Manuel de Lima Barros
                 22 de janeiro de 2013

Trabalho para o mês de fevereiro-Blog- 2013

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