Um testemunho….
Terminei a minha quarta classe antiga, “construída”
tijolo a tijolo, com os mestres professores Agostinho, Carlos Martins, Beirão,
Fernanda Pio e D. Isolina, dando os primeiros passos na “passadeira da
instrução” na Escola Primária de Esposende, tendo em anexo, a Cantina Escolar de Rocha Gonçalves, local onde
os “pobres” amenizavam” a fome…
Deixei a pasta de linhagem,/cutim, libertei-me das
lousas e ferrões, dos velhos e carunchosos livros escolares, cheinhos de
moralidades e de ideologia que nos tolhia a liberdade e disse à minha mãe:
-Quero ir estudar
para o Colégio Infante Sagres?
Então vai meu Carlinhos porque quero que seja alguém
na vida e sem estudos não se é ninguém,
respondeu-me a minha mãe, já com um pensamento moderno de vida.
Numa
terça-feira, a minha mãe, deixou a tenda e a costura, fazendo descansar
a agulha e o dedal, e lá foi ela falar,
toda animada com o Dr. Reis.
- Com a cédula em riste, folha de inscrição e a caderneta
escolar –Lisboa-Imprensa Nacional-1962, nº 93- preenchidas,
pago o selo fiscal de sete e quinhentos, a Jandirinha
inscreveu o Carlinhos no Colégio I. Sagres, tendo previamente,
orçamentado todas as despesas para a minha futura educação. “A Jandirinha criava um “porco” para
reforço do trimestre e os outros proventos vinham da sua atividade como
feirante/comerciante.
Com o material escolar e livros escolares
organizados, comprados na Papelaria Vieira e na Cávado, o Carlinhos entrou no
Infante Sagres, todo aprumado, botinhas de pneu de avião, untadas com sebo, a pedir futebol. Estávamos no ano
de 1963.
Como meu encarregado de educação ficou o Dr.
Agostinho da Rua Reis porque o meu pai ”esqueceu-se“
de ser pai…
No Colégio
Infante Sagres vivi a minha juventude, com alegria, paixão e entusiasmo
de ser alguém na vida.
Tive imensos
professores: Dr. Belchior, sr. Prior de Fão, Barros de Gandra, Dr. Alceu Vinhas, Amélia,
e o inevitável Dr. Reis, este sim,
o que mais me marcou positivamente sem, desprimor para os demais.
O Dr. Reis foi meu professor de Inglês, Geografia e Francês, um professor polifacetado
e de uma cultura geral ímpar, onde na pedagogia nas aulas era Mestre, motivando
os alunos ao estudo e a serem aplicados nas aulas, todavia havia aqueles
“profissionais do colégio” que nada ligavam e os livros repousavam alguma
vezes, nas silvas, junto ao muro do Albano Laca, para o outro dia…
Nas aulas o Dr. Reis era sinal de respeito e dotado
de um extraordinário profissionalismo e
só faltava dormir no colégio.
Fiz o meu segundo ano no dia 23 de julho de 1965 na Póvoa, levado para esse ”infernal Liceu”
na camioneta do Linhares, com partida no Largo Rodrigues Sampaio, com outros meus colegas tremendo de medo,
pela ameaça do “chumbo”…
Em mil novecentos e setenta deixei, finalmente, o
Colégio Infante Sagres, com o quinto ”na mala” que tanto jeito fez no serviço
militar.
O Dr Reis era amigo
do seu amigo e quantos frequentaram o Infante Sagres gratuitamente!... Era
uma pessoa generosa por natureza e convivi muito com ele, nestes maravilhosos
anos de Colégio em que tive o Tozé Reis, seu filho, como colega de carteira, no
quinto ano,-dr. Zé Albino, Eng. Teixeira….- assim como, mais tarde, no mesmo
ano, a Drª Margarida Reis, sua filha.
Como se depreende, fui um “quintista
repetente”….
Para além de professor emérito, “jubilado no meu coração”,
o Dr. Reis era um amante do desporto e do futebol em particular, e com ele, o
Carlinhos não falava ou dizia mal do Porto e só o fazia ao meu amigo Tozé
porque nesse tempo, o Porto pouco ganhava, e estava nas minhas “sete quintas”…
se fosse agora… caladinho!...
Tive o privilégio de ter o Dr. Reis, nestes últimos
anos, como vizinho –Rua Nª Srª da Graça- e quando o via a tomar o seu cafezinho/pingo
no “lotus”, acompanhado sempre com a sua
inseparável esposa D. Mariazinha, e a
sua cunhada, o Carlinhos ia sempre dar-lhe um abraço, como amigo e encarregado
de educação no seu Colégio Infante Sagres.
O nosso quinto
ano tínhamos uma equipa de futebol que fazia furor – Carlos Barros, Zé Albino,
Reis, Afonso, Licínio…- e naquele campinho relvado/careca do Colégio eramos
quase invencíveis e nos campeonatos que
o Dr. Reis organizava, o nosso quinto ano, era o Porto dos tempos de hoje…
Quando o Dr. Reis assistia a alguns “nacos” dos nossos jogos, a velocidade
duplicava e os golos apareciam… Ele
dava-nos energia extra”. Era o nosso Mourinho, onde com a presença,
“dinamitava-nos” na arte de bem jogar futebol.
O Dr. Reis foi um cidadão exemplar, ocupando inúmeros
cargos, na sociedade civil e desportiva esposendense o que comprova
o seu valor, verticalidade, caráter, responsabilidade, capacidade de
trabalho e seriedade perante a sociedade que tanto o admirava.
Um dia, quando fiz o quinto ano, o meu encarregado de
educação Dr. Reis disse-me:
-Carlinhos, se a tua mãe não tiver dinheiro para
estudares na Universidade, eu ajudo-te.
-Ficaram-me estas palavras no coração, esses desejo
de solidariedade, de humanismo de grandeza no
bem servir contudo, o serviço
militar cortou-me as esperanças de continuar os estudos e a Guiné, foi o meu destino mas, a mensagem do Dr. Reis guardei-a no coração,
como homem bom, sempre atento às necessidades do próximo.
Mais tarde, em 1984/85 frequentei a Faculdade de Letras de
Coimbra-Curso de História- como trabalhador-estudante , durante cinco anos e tomei “um banho e uma paixão por
Coimbra que ainda hoje perdura..-O Dr. Reis, acompanhava-me no meu íntimo,
nesses tempos estudantis.
Este testemunho, é apenas um desabafar de um trajeto
de estudante no saudoso Colégio Infante Sagres onde o Dr. Reis me ensinou a
crescer, como jovem e adulto e na rua, na saudação “especial”, dava-me quase
sempre o “cachaço” amistoso da ordem, afagando-me com o seu delicioso gesto e sorriso aberto, as minhas
costas ou “cachaço” habitual.
O destino do Dr. Reis só poderá ser o Céu, “local” dos
homens bons que honraram a solidariedade e o
bem servir, neste “curto mundo” em que vivemos e no futebol, nos Bombeiros,
no Colégio, no Forum Esposendense, na Câmara Municipal, e em inúmeros outros
lugares, o Dr. REIS, FOI ÚNICO e são estes ÚNICOS que merecem o Reino dos Céus.
Os ex-alunos do Colégio e professores que lá
lecionaram, assim como funcionários, jamais irão esquecer o Dr. Reis pela
filantrópica causa educativa/pedagógica que abraçou e que nos ajudou a sermos
homens, cidadãos de pleno direito.
À sua família, atingida com esta inesperada e
profunda dor, os meus sentidos pêsames e
podem crer que os esposendenses jamais
esquecerão o Dr. Agostinho da Rua Reis.
Carlos Manuel de Lima
Barros
Testemunho de um antigo aluno que tanto admirou e
respeitou o Dr. Reis.
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